Elias de Lemos (Correio9)
Dois crimes em menos de uma semana abalaram a população veneciana. Tanto pela forma como aconteceram, quanto pelas idades dos jovens que tiveram suas vidas ceifadas, os assassinatos deixaram a cidade perplexa.
No sábado, 28 de setembro, por volta das 8h30 o jovem Paulo Ricardo Gabriel Gomes, de 19 anos, foi assassinado com três tiros, no meio da rua no Bairro Rúbia.
Menos de uma semana depois, na sexta-feira (04) de outubro, o adolescente Iago Kliper Feitosa foi sequestrado no Bairro Bonfim. O menino de 15 anos foi espancado, torturado e morto. Seu corpo foi encontrado, quatro dias depois, no interior do município de Sooretama, às margens da BR 101.
Ambos os assassinatos têm um ponto em comum: o tráfico de drogas. Porém, são casos que chamaram a atenção pela forma como aconteceram. Nova Venécia não está acostumada com sequestro, tampouco com jovens sendo alvejados no meio da rua nas primeiras horas da manhã.
Os jovens brasileiros estão morrendo cedo demais – e de maneira muito violenta – e Nova Venécia está indo pelo mesmo caminho. Pesquisas divulgadas nos últimos meses demonstram que a proporção de mortes por homicídio e acidente de trânsito, que são causas externas, é altíssima entre os jovens, uma das maiores da América Latina. Os índices de violência, de modo geral, são elevados em todo continente – quatro vezes maior do que a média mundial.
Pior: as maiores vítimas de morte violenta são os jovens com idade entre 15 e 24 anos (Iago tinha apenas 15 anos; e Paulo Ricardo, 19). No Brasil, a porcentagem de mortes por assassinato nessa faixa etária é 170% maior do que a de qualquer outra faixa etária. A probabilidade de um jovem brasileiro ser vítima de homicídio é 30 vezes maior que a de um jovem europeu e 70 vezes maior que a de um morador da Inglaterra, da Áustria ou do Japão.
O Brasil tem a quinta maior taxa de homicídio juvenil entre 83 países listados no Mapa da Violência: os Jovens da América Latina. Os outros quatro primeiros lugares nesse ranking são ocupados por El Salvador, Colômbia, Venezuela e Guatemala – nações com problemas estruturais bem mais sérios do que os nossos. A pesquisa foi elabora pela Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana (Ritla), em parceria com o Ministério da Justiça e o Instituto Sangari. Para os especialistas, são vários os fatores que contribuem para esse triste recorde. Em primeiro lugar, é preciso considerar que a violência no Brasil é preocupante independentemente da idade das vítimas. Em três regiões do país – Norte, Centro-Oeste e Nordeste -, a violência constitui a segunda maior causa de morte. No Sudeste e no Sul, ocupa o terceiro lugar. O maior risco é dos homens (adolescentes e adultos jovens), negros e residentes em grandes centros urbanos. As pesquisas mostram que o risco de um homem morrer assassinado é 40% maior que o de uma mulher.
Para a Organização Panamericana de Saúde, a proporção “normal” da violência se situa entre zero e cinco assassinatos para cada 100 mil habitantes. A partir de dez mortes, já se acende o sinal de alerta. Quando um país como o Brasil alcança uma taxa de homicídios na população geral de 25,2 mortes a cada 100 mil habitantes e 51,6 a cada 100 mil, entre os jovens, não há como deixar de reconhecer a extrema gravidade da situação.
Os números não mentem e mostram o quanto está errada a política de segurança pública e o combate ao mercado de drogas.
Na prática, a Segurança Pública no Brasil não combate o tráfico de drogas, afinal, ele só cresce. Em Nova Venécia, por exemplo, está em todos os bairros e em dezenas de ruas. Por que este mercado cresce tanto? Porque o trabalho policial está concentrado no combate de pessoas que traficam, não na eliminação da chegada e da circulação das drogas. Há uma ideia errada de que matando pessoas envolvidas com tráfico se acabará com ele.
No entanto, onde haver demanda, a oferta se faz. Enquanto o Brasil não tiver uma política nacional de combate e controle de drogas, essa hecatombe de jovens vai continuar. Mães, pais, irmãos, tios e avós continuarão chorando. Comunidades continuarão sob o signo do medo e a perplexidade vai acabar se tornando comum até acostumarmos com ela e acharmos “normal”.
Nova Venécia já foi uma cidade bucólica. Mas, nos últimos anos, o município passou a conviver com fatos que antes eram assunto de televisão, eles se tornaram comuns e muitos o encaram como se fossem normais. Porém, nem tudo que é comum é normal. Estamos vivendo uma anomalia sem precedentes em Nova Venécia e parece que isso não vai parar por aí.
* O autor é economista, professor, jornalista, escritor e editor-chefe do Jornal Correio9
Comente este post