Por Elias de Lemos – eliasdelemos@correio9.com.br
Na coluna publicada no dia 13 de junho analisei a heterodoxia da Lava Jato, as quais já eram conhecidas, denunciadas por muitos e negadas por outros. Exemplos não faltam: o vazamento do áudio ilegal da conversa de Lula e Dilma, as prisões preventivas que se alongam por anos, os acordos para aplicação de recursos da Petrobras, o estabelecimento de um preço para libertar os executivos da Construtora OAS.
Todos podem discordar, parcialmente ou completamente, da parcialidade do então juiz Sergio Moro e da minha análise. É minha análise dos fatos. Faz parte da democracia aceitar opiniões e críticas quando feitas de forma civilizada. Como a serenidade e a acuidade fazem parte do jornalismo.
O post da coluna difundiu e dividiu opiniões nas redes sociais. O debate político quando não ultrapassa os limites da civilidade e está interessado na troca de ideias e não na destruição do lado contraditório deve ser incentivado, mesmo que ele aconteça de forma contundente. Os debates desapaixonados e sérios contribuem para que pessoas reflitam sobre intenções implícitas e construam opiniões cujos significados fazem sentido para suas vidas.
Dito isto, julguei interessante voltar ao assunto porque muitos comentários afirmaram que eu havia produzido um texto sensacionalista, sem critérios para atacar o agora ministro da Justiça e defender a esquerda. Fui chamado de imoral, enquanto outros diziam que “bom mesmo é deixar bandido solto”. Na prática, meu texto não fala absolutamente nada do que os ‘leitores’ comentaram nas redes sociais. Parece que eles leram uma coisa e comentaram sobre outra.
A reação das pessoas e a expressão inoportuna de muitos comentários têm uma só explicação: estão vendo seu deus cair por terra. Bastava uma leitura minimamente atenta e desarmada para perceber que estamos diante de uma fraude processual sem precedentes. Que o verdadeiro bandido é o juiz. Enquanto eles falam sobre política e defendem um lado, eu faço jornalismo e não tenho lado nenhum. Sinto-me livre para dizer que Lula é egocêntrico e que Bolsonaro é burro.
Não costumo ler todos os comentários em minhas redes sociais, conto com a ajuda da equipe do Correio9, que monitora a nossa comunicação para responder aos leitores e combater informações falsas, porque é muita coisa. Mas, neste caso, resolvi me debruçar e fazer uma análise do que encontrei. Abaixo (sem correção dos erros de português), estão alguns comentários:
“Vivi pra ver que combinar ou tramar de prender vagabundos e ladrões.. é imoral.”
Ao autor deste comentário, falta o discernimento do que é certo e errado. Ele concorda com a ação ilegal do juiz, enquanto condena a ação de outras pessoas. Qual a lógica disso? O juiz pode infringir a lei, porém, as demais pessoas devem segui-la. Lhe pergunto porque um juiz “trama” se ele tem a lei. Ele não se atenta para o fato de que se houve trama, não há prova e se não há prova, não há crime.
“Certo mesmo é deixar bandido solto né????”
Onde está o bandido? Quem é bandido? E a quem interessa a prisão do bandido? Como você pode afirmar que alguém é bandido? Neste caso, pergunto-lhe: de onde tirou suas convicções? De livros, universidades, da TV ou das redes sociais?
Em relação à declaração de que Moro acertou a ida para o Supremo Tribunal Federal (STF), em troca da colaboração com a eleição de Bolsonaro, um desavisado comentou:
“Pra desespero dos vagabundos kkk.”
O que falar sobre isso? Não entendeu a gravidade da situação e nem se dá conta de que ele pode ser o maior prejudicado. Não se dá conta do absurdo que é um juiz forjar provas para incriminar alguém para retirá-lo do debate democrático. Se há crime, porque a necessidade da trama?
O próximo se julga conhecedor da verdade e professor de jornalismo:
“Caro Elias, fazendo parte da imprensa como você faz, penso que o certo é: analisar a veracidade do que foi divulgado pois a própria Telegrama já afirmou com os diálogos apresentados podem terem sido todos adulterados. Parece que você é daqueles jornalistas que fazem questão de divulgar e comentar fatos que sequer tenham sido investigados. Lamentável.”
E não é só isso. Assim como o juiz que atuou com julgamento prévio, ele também, me julga: “…Parece que você é daqueles jornalistas que fazem questão de divulgar e comentar fatos que sequer tenham sido investigados.” Indubitavelmente, este, não conhece o meu trabalho.
O próximo é a narrativa de um “intelectual”:
“Toda a opinião publicada está baseada em diálogos cuja veracidade do conteúdo não está comprovada e cuja fonte não se pode comprovar como sendo, de fato, a mesma que realizou os ataques virtuais sofridos por Moro e pelos procuradores. É espantoso ver o achincalhamento público feito pelo autor do texto ao Ministro Sérgio Moro e ao Procurador Deltan a partir de migalhas publicadas por um site de credibilidade duvidosa cuja fonte, ao que tudo indica, é criminosa, isso tudo no claro intento de manchar suas reputações. Além disso, com base em tais “provas” o autor do texto reputa ao ex-juiz federal e ao procurador do MPF o lugar de centro da imoralidade jurídica do país, logo no Brasil em que tal posto é atribuído à Suprema Corte não apenas pelo julgamento de um caso isolado, mas a partir de reiteradas e rotineiras decisões que distorcem a ordem jurídica pátria, assassinam dispositivos jurídicos constitucionais e claramente são contrárias ao interresse público. Aliás, falando em centro da imoralidade jurídica, foi interessante ver a recepção dada ao Sérgio Moro e à cúpula do Governo Bolsonaro no Estádio Mané Garrincha ontem. Tratamento bem diferente daquele dado por alguns brasileiros ultimamente aos Ministros do STF… Como é possível julgar imoral um SUPOSTO diálogo obtido pela forma mais imoral possível, que é cometendo um crime contra um direito fundamental??? Como???!!!! Ao meu ver, é muita desonestidade intelectual.”
Ele condena a forma como foi feita a obtenção das conversas espúrias da Lava Jato. Condena o trabalho jornalístico. Porém, elogia torcedores incautos em um estádio recepcionando um homem que não trabalha, que não pensa, que não age, que não tem prudência, que não se dá conta das suas responsabilidades, que despreza a paz e estimula a violência. Para ele, vilão é quem age dentro da lei. Se o juiz é famoso e a televisão fala que ele é honesto, ele é. Do mesmo modo que se a televisão vive dizendo que dado político-ex-presidente é bandido, ele é. Não importa se não tem provas contra ele. Do mesmo modo, não importa se tem provas contra o juiz: a televisão fala que o juiz é um deus. E isso basta.
“Imoral é quem pública esse conteúdo !!!”.
Uma só pergunta: você que escreveu isso sabe o significado das palavras ‘moral’ e ‘imoral’?
A maioria dos comentários foi carregada de paixão e de ideologias de quem fala contra a doutrinação, sem se dar conta de que está doutrinado. Por terem uma visão distorcida da realidade leram o texto com a certeza de que sou do ‘contra’, de que ataquei a reputação de um homem honesto. Por mais que o texto atacasse o Moro, sem uma visão enviesada, a leitura não deu margem a outra possibilidade que não fosse comprovar a tese de que Moro não é o que dizem. Mas, para quem foi enganado em uma mentira tão grande e tão bem tramada, fica difícil aceitar a realidade.
O que fica bem evidente naqueles comentários é a violência, a agressão, a falta de respeito e a desumanidade. Por mais que entendamos os processos que levam à desumanização do adversário ou mesmo os mecanismos que fazem com que pessoas pacatas se tornem monstros descontrolados quando devidamente estimuladas, não consigo encontrar uma palavra melhor do que “insano” para me referir a quem manifesta tal comportamento. E um sentimento que não seja o de pena.
Preferem seguir “líderes” que propõem soluções fáceis e violentas para o vazio que ostentam no peito e carregam em suas vidas. Como as lideranças que prometem paz através da imposição do silêncio ao outro.
É interessante como se dá a formação de manadas pela identidade reativa a um outro grupo ao invés da percepção das características do seu próprio grupo.
Tais reações não passam de um espasmo de euforia de falsos intelectuais, analfabetos políticos e funcionais, que seguem o rebanho que se diz inteligente e corroboram com a deterioração do ambiente social, através da degradação da sua própria percepção mental, prejudicando a consecução dos objetivos a que todos nós estamos defendendo. Se persistir a insanidade mental, e o não reconhecimento de que foram enganados, a instabilidade política em que mergulhamos nos últimos anos vai persistir.
Se a corrupção moral e intelectual não acabar, não vai haver qualquer razão para esperar melhoria progressiva no combate à corrupção. As corrupções moral e intelectual estão aflorando, na medida em que valores éticos e princípios dogmáticos estão sendo desprezados, em nome da defesa das verdades de alguns.
Fazer jornalismo é dar a ‘cara a tapa’. E é isto que fazemos aqui. O que escrevemos hoje fica escrito e pode ser guardado para nos cobrar lá na frente. Não fazemos jornalismo olhando para o agora. Estamos olhando lá na frente. E é lá que quem se enganou agora, vai comprovar o afundamento de uma mentira.
Você ficou sabendo da entrada do ator Selton Mello no seriado Game Of Thrones? Saiu em vários grandes portais brasileiros e a galera na internet compartilhou loucamente a notícia. Um show, se a informação não fosse um boato inventado por um empresário brasileiro apenas para ‘zoar’ e ver até onde a história poderia chegar. E ela foi longe: mais de 500 tuítes com o link, mais de 3 mil compartilhamentos no Facebook, mais de 13 mil curtidas, matéria no UOL, Ego, Bandeirantes, O Dia e vários outros sites.
Somos a geração que lê o título, comenta sobre ele, compartilha, mas não vai até o fim do texto. Somos a geração que não tem apreço pelos livros, pelo estudo e pela verdade. Somos a geração que prefere uma mentira bem contada a uma verdade dura.
Nunca achei que a informação alienasse as pessoas ou nos deixasse mais burros, pois sei que a informação é o que fazemos dela. Ela é sempre um reflexo da nossa inteligência, do nosso eu, para o bem e para o mal. Mas é verdade que as redes sociais causaram, sim, um efeito esquisito nas pessoas. A timeline corre 24 horas por dia, 7 dias da semana e é veloz. Daí que muita gente acaba reagindo aos conteúdos com a mesma rapidez com que eles chegam. Nas redes sociais, um link dura em média 3 horas. Esse é o tempo entre ser divulgado, espalhar-se e morrer completamente. Se for uma notícia, o ciclo de vida é ainda menor: 5 minutos. Não podemos nos dar ao luxo de ficar de fora do assunto do momento, certo? Então é melhor emitir logo qualquer opinião ou dar aquele compartilhar maroto só para mostrar que estamos por dentro e que somos inteligentes. Não precisa aprofundar, daqui a pouco vem outro assunto mesmo.
PS: o título desta coluna foi a resposta enviada por um leitor, quando ele fez o maior de todos os comentários e eu disse: há um mal-entendido aí, você leu a matéria?
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