* Leonardo Sakamoto
Quem disse que o PT de Lula e o PL de Bolsonaro não podem trabalhar juntos quando lhes convém? Por 45 votos a dez, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou, nesta terça (16), o projeto que isenta de punições os partidos políticos que descumpriram as cotas para mulheres e negros entre 2015 e 2022, entre outras anistias a crimes eleitorais.
Orientaram favoravelmente suas bancadas o PL, PT-PC do B-PV, PSB, PDT, PSD, MDB, Avante, Republicanos e Podemos. O Novo e PSOL-Rede foram contrários. Agora, o projeto vai para uma comissão especial e, daí, para o plenário.
Atropelaram assim a legislação que determina que partidos que não garantam 30% dos recursos de seu fundo eleitoral para candidatas mulheres e não reservem uma quantidade proporcional de recursos à quantidade de candidaturas de negros podem ser punidos. O que mostra que a preocupação com a pluralidade na política pode ser apenas discurso de campanha.
O momento exigia um sinal claro de que os partidos, que são a base da política nacional, acreditam que representatividade importa. Porém, ao permitir que a discussão sobre a anistia caminhe, a aprendizagem que poderia vir com a punição ficou mais distante.
Hoje, o sistema partidário brasileiro funciona como um clubinho masculino e branco, que dificulta a entrada de novos integrantes. Por exemplo, apesar de representarem mais de 51% da população brasileira, as mulheres foram apenas 17,7% do total de eleitos em outubro para a Câmara. Na última legislatura, eram 15%. Tem gente que celebrou o crescimento, chamando-o desavergonhadamente de “salto”.
Ressalte-se que o parlamento não está desconectado do tecido social do país, por certo, uma vez que a proporção de mulheres nos conselhos de grandes empresas ou entre o total de cargos executivos também é bem menor que o de homens.
Aumentar a participação de mulheres significa diminuir a de homens e, a de negros, reduzirá a de brancos. E isso tem gerado obstáculos, principalmente na política local. Líderes partidários, na sua maioria, homens brancos, chegam ao ponto de atuar para que mulheres e negros participem do pleito, para angariar votos a outras candidaturas, mas não tenham tanta exposição a ponto de serem eleitos.
Como retirar a imagem dos partidos políticos da UTI e garantir que representem não apenas as diferentes opiniões, mas a sua própria diversidade? Além de mulheres e negros, a população LGBTQIA+ e os trabalhadores têm representação no Congresso muito inferior do que sua fatia na sociedade. E isso tem impacto direto na formulação de políticas públicas e na defesa de direitos.
É impossível que uma Câmara composta de homens, brancos, héteros, empresários, por mais boa vontade que tenha (e boa parte não tem) possa entender a realidade de outros grupos historicamente excluídos de sua cidadania e falar por eles. Há aspectos que dizem respeito à vida e dignidade das mulheres que não temos legitimidade para discutir e decidir, mas muitos acham que são donos dos úteros alheios.
As estruturas partidárias são autoritárias e pouco democráticas, com regras internas que mudam ao sabor do vento, favorecendo quem está em seu controle. Isso faz com que se pareçam mais com feudos do que com instâncias de debate e construção coletiva. A Reforma Política discutiu, discutiu e acabou por facilitar – para o curto prazo – a reeleição de quem já está no poder. Com isso, perdemos uma boa oportunidade para melhorar nossa democracia e reduzir nosso machismo e racismo estruturais.
A votação de hoje apenas reconhece que “mudança na política” muitas vezes é um slogan de marqueteiro resgatado do limbo de quatro em quatro anos.
* O autor é jornalista e colunista do portal UOL
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