CRÔNICA
* Rodrigo Neves
Quando a vizinhança soube da traição fora uma festança só:
— Mas é bestalhão mesmo!
Como todo corno é o último a saber, com Álvaro não fora diferente. As más-línguas dizem que Álvaro pegara a mulher e o amante juntos na cama. Pegara-os no ato. O coitado nada fizera. Parece até que gostara da cena.
Uma espécie de voyeurismo. Fingiu que não viu a cena. Já o amante ficara desesperado, queria se explicar: “Não é o que está pensando!”. Aurélia permanecia calada. Não disse uma palavra. Mesmo depois de ver para crer, a besta, não colocara a mulher na rua. Pelo contrário, deu-lhe presentes. Flores. Os amigos falavam: “Álvaro, aquela mulher não presta!” e ele irredutível: “Entra por um ouvido sai pelo outro”. Era louco pela mulher, era um desses homens que ficam cegos por uma mulher; fazem de tudo para agradá-las. São capazes até de perdoar uma traição. Era o seu caso, vivia pela esposa. Até a mulher o interpelou outro dia:
— Por que não me deixa? Já lhe trair muitas vezes.
E ele:
— Isso passa! Coisa de momento!
Amava-a demais, desde de menino. Não se importava com as traições diárias. Certo dia, pegara Aurélia com um vizinho, na cozinha. Estavam vestidos, ainda não tinha acontecido nada, só umas beijocas. O vizinho não gostou que Álvaro tinha chegado bem na hora. O diabo do vizinho ainda comentou com um Fulano: “Quando eu ia entrar com casca e tudo, o corno chegou!”. A situação estava insustentável. Aí o pai teve de intervir:
— Que dom para ser corno é esse, meu filho? Largue essa cachorra!
— É de Aurélia que eu gosto.
Um caso perdido. Se sentia bem com a situação, às pessoas é que falam muito, até demais… O que não aceitava, de modo algum, era o divórcio. Chorava só de pensar. Caía num choro de criança. Berrava: “Isso nunca!”. “Fugia do divórcio; como o diabo foge da cruz”. Outro dia comentou com o pai que se Aurélia o deixasse daria cabo da própria vida. O pai ficou aturdido. Mas como todo dia chega ao fim, seu casamento também chegara. Fora no dia 23 de setembro…, dez anos depois do casamento.
O divórcio
Foi um choro só. Parecia uma criança que rala o joelho no chão. Uma cena risível. Mas Aurélia estava decidida. Já não aguentava mais aquele marido poltrão. Foi difícil, mas o divórcio saiu. No mesmo dia Álvaro tentou dá cabo na própria vida. Pegou um revólver e apontou contra a cabeça: “É hoje que viro homem!”. O pai chega, toma a arma, e abraça o filho. Ama-a muito. A vida parecia não ter sentido. Um mês depois, já era um alcoólatra. Sua vida era beber. Bebia dia e noite. Vivia para a bebida. Sempre chorando e falando em Aurélia: “Eu amo aquela mulher!”. O pai já não sabia o que fazer com o filho. Teve que interná-lo em uma clínica psiquiátrica. “O caso dele é loucura!”. Já fazia um ano que estava internado. Estava bem melhor, uma boa aparência, não bebia, nem vontade tinha. Esquecera até Aurélia. Um novo homem. Depois de mais um ano, enfim a liberdade: “Está curado!”.
O recomeço
Um homem feliz. Depois de tanto tempo sozinho, conheceu uma moça. Era mais jovem que ele. Um doce de mulher. Vestido longo, etc., etc. O casamento foi instantâneo. Estava muito feliz, o sogro o amava: “Álvaro, tu és um cabra bom!”. Logo veio o primeiro filho. Depois o segundo.
— Tudo o que sempre quis!
O reencontro
Certo dia voltando do trabalho, parou em uma floricultura. Queria agradar a esposa. Ia levar rosas, parece que vermelhas. Deu uma olhada pela loja, e, de repente deu de cara com Aurélia: “Não é possível!”:
— Você! : — disse ela espantada.
A loucura o dominou. Todo aquele amor. Caiu no choro, ajoelhou-se aos pés de Aurélia e berrava:
— Eu te amo! Sempre te amei!
Ela petrificada. Não disse nada.
Ele continuou agarrado aos pés de Aurélia, beijando-os.
* O autor é estudante do curso de licenciatura em Geografia do IFES – Campus Nova Venécia
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