* Camilo Maia Moraes
Josil Moreira Maciel, nascido aos 5 de março de 1966, filho de Nelson Gonçalves Maciel e Izabel Moreira Maciel, pai de Lucas Braun Maciel, é morador de Nova Venécia que todo morador de Nova Venécia, ausente ou presente, conhece.
Foi professor de escolinha de futebol e handebol, já foi dono de bar e há mais de 20 anos é servidor da Prefeitura Municipal, encontrando-se temporariamente afastado de suas atividades.
Aprendeu desde pequeno, vendo a mãe atuar na cozinha, a fazer qualquer tipo de prato, desde feijão com arroz, a moqueca, a lasanha, a bolo, a doce e pão feito em casa à excelência.
As receitas culinárias de Josil poderiam render um artigo muito útil, mas esse tema fica para outro dia.
A receita importante para hoje, que temos como aprender vendo Josil repeti-la todo dia, com capricho, com esforço, muitas vezes sem alguns ingredientes, às vezes sem grãos de sal, é receita sagrada de luta pela vida.
A cidade sabe que há mais de dois anos Josil vem enfrentando tratamento de saúde, afetada de início por uma cirrose, que evoluiu a um diagnóstico mais recente de neoplasia, com prognóstico que agora indica a necessidade de um transplante de fígado.
Acabei tomando conhecimento de seu quadro de saúde em razão de uma luta paralela que ele também trava contra o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS para a manutenção de um benefício previdenciário, que veio a ser judicialmente restabelecido recentemente.
Nesses contatos, fico observando Josil a falar sempre positivamente sobre cura, sobre gratidão a quem o ajuda, aos profissionais de saúde que o assistem, a Deus, e sobre sua fé. Depois ele manda para a panela do papo uma mensagem virtual de autoajuda a respeito de fé e esperança, adiciona um vídeo Tik Tok sobre gratidão e positividade, e o mexido vai ficando com aquele cheiro de receita boa e abençoada, de boa cozinha, de quem não reclama e não se lamenta.
No outro dia, Josil repete a receita. Com as mãos à massa ele relata, sem murmúrio, sem pesar, sobre os detalhes do tratamento, seus deslocamentos a Vitória, as consultas, os exames e mais exames, e o sonhado transplante. Logo em seguida, procura se informar sobre quando o INSS vai pagar seus atrasados para que ele possa custear as coisas. E enquanto aguarda a autarquia apresentar os cálculos, comenta sobre um aparelho celular que comprou para fazer uma rifa, terminando a conversa com firmeza, falando novamente em Deus, sempre agradecendo, sempre agradecido, sem reclamar, sem lamentar.
No youtube, é fácil encontrar vídeo engraçado e divertido em que Chico Xavier, durante um Pinga Fogo, da TV Tupi, São Paulo, exibido nos idos de 1971, conta um episódio pelo qual passou durante um voo comercial que seguia de Uberaba para Belo Horizonte, em 1959, quando a aeronave veio a ser atingida, conforme alerta do piloto, por um “vento de cauda” que levou todos os passageiros, apavorados, a começaram a gritar, ao que ele mesmo passou também a berrar “valeeeeei-me, meu Deus”, pedindo, nas palavras dele, “pela misericórdia de Deus com escândalo, mas com fé”. Em meio àquele caos e às suas súplicas, veio a ter com Chico seu mentor espiritual, Emmanuel, desenvolvendo-se diálogo íntimo mais ou menos assim: – Por que é que você está gritando? – Você não acha que estamos em perigo de vida? – Estão, e o que que há com isso? Há muita gente em perigo de vida, vocês não são privilegiados. – Mas se estamos em perigo de vida eu vou é gritar: socoooorro, meu Deus! – Você não acha melhor parar com isso e dar um testemunho da sua fé, de sua crença na imortalidade da alma? – Eu estou com medo e apavorado, sou uma pessoa humana e estou com medo de morrer nesta hora, neste desastre. – Então cale a boca e morra com educação para não afligir a cabeça dos outros com seus gritos, morra com fé em Deus. – Eu só queria saber como que a gente pode morrer com educação.
Arrancando gargalhadas da plateia presente no auditório, Chico, do alto de sua elevada espiritualidade, lembrava que, em meio às turbulências da vida, sejam as turbulências que derrubam um avião ou que só o sacodem e assustam os passageiros, sejam as “turbulências” de uma enfermidade, que também nos sacodem ou que nos derrubam, muitas vezes costumamos nos desesperar, por sermos, como bem disse Chico, pessoas humanas.
Por seu lado, Josil, hoje calejado pela provação por que passa, conta coisas que me fazem lembrar Emmanuel:
– Camilo, eu não costumo reclamar. Às vezes eu choro no meu quarto, em casa, mas não reclamo com ninguém da minha situação e eu tenho fé em Deus que vou me curar.
– Camilo, nesse tempo todo, sempre que se fecha uma porta Deus vem e abre outra porta para mim.
– Camilo, com o meu fígado novo eu não vou aumentar a minha fé. Eu vou manter a minha fé. Porque eu já tenho minha fé em Deus.
Qualquer um que lute alimentado por receita assim já venceu; tanto a luta quanto a batalha; independentemente do que quer que seja.
Venho prestando, Josil, nesses nossos contatos à distância, bastante atenção ao modo de preparo e espero conseguir fazer cozidos assim nas pequenas ou nas grandes topadas da vida, que muitas vezes me levam, que muitas vezes nos levam a lamentos vãos.
Na tentativa de retribuir as lições, o que posso lhe dizer é que acredito que as portas que Deus nos abre não nos transformam ao passarmos de um lado para o outro. A gente entra do jeito que é e segue com aquilo que tem de verdade. Continue, portanto, adentrando com firmeza as portas que Deus vem lhe abrindo apegado ao tesouro que você já construiu – fé inabalável. Que amarrado à sua fé você consiga seu transplante, continue cozinhando com prazer e viva mais 60 anos. E lá na frente, quando outra porta se lhe abrir, siga sem medo, com fé, pois somos todos imortais.
* O autor é servidor público federal e foi autorizado por Josil Moreira Maciel a publicar este artigo no Correio9
OS TEXTOS ASSINADOS NÃO REFLETEM, NECESSARIAMENTE, A OPINIÃO DO CORREIO9
Comente este post