Elias de Lemos (Correio9)
O Rio Grande do Sul vive uma de suas piores tragédias climáticas. As chuvas que duraram mais de uma semana (e continuam a cair em muitas regiões) colocaram o Estado inteiro em situação de calamidade, deixando um rastro de mortes, desaparecidos, desabrigados, desalojados e muita destruição. As imagens mostram um misto de dilúvio e um cenário de guerra.
A catástrofe tem causado muita dor, angústia e sofrimento aos gaúchos. A situação se iniciou em 26 de abril, quando o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), ligado ao governo federal, emitiu um alerta de tempestade para o Estado. Naquele momento, a previsão era de chuvas em algumas regiões gaúchas.
No entanto, a situação foi piorando nos dias seguintes e a chuvarada acabou atingindo 364 – dos 497 – municípios do Estado, deixando cidades embaixo d´água (não é sentido figurado, é literal).
Além das perdas e do sofrimento humano, a devastação levou animais e causou um desastre ambiental. No momento, a mobilização de autoridades governamentais, militares, bombeiros e voluntários é para resgatar pessoas ilhadas, desaparecidas, encontrar mortos, meios de fornecer itens básicos às vítimas e o resgate de animais.
Quando encerrar esta fase de socorro, virá o trabalho de limpeza, consertos, reconstrução e recolocação dos desalojados e desabrigados. Um trabalho que vai levar tempo, mas, existe a esperança de que só será uma fase. O que não será uma fase são as cicatrizes que os nossos irmãos do Sul vão carregar em suas mentes, em suas almas. Famílias inteiras morreram; filhos perderam pais e pais perderam filhos…
A tragédia gaúcha comove o Brasil e o resto do mundo, fazendo surgir uma onda de solidariedade sem precedentes no País. O papa Francisco orou pelo Rio Grande do Sul e os governos italiano e uruguaio ofereceram ajuda. O Brasil inteiro está mobilizado fazendo doações e voluntários chegam de todos os cantos.
Na segunda-feira (6), em entrevista ao Jornal Nacional, o governador gaúcho, Eduardo Leite (PSDB), disse que todas as 27 unidades da federação têm enviado ajuda ao Estado.
O assunto domina todos os noticiários e redes sociais. Porém, a origem do cataclisma não está sendo discutida e é esperado que seja colocada à mesa de discussão em um debate contínuo para prevenir novas ocorrências. Afinal, não é a primeira tragédia climática no Brasil e, tampouco no mundo. Em abril deste ano, Dubai enfrentou situação parecida como a que vemos no Rio Grande do Sul, e a China também sofreu com as inundações.
Em 2011, a Região Serrana do Rio de Janeiro passou por um pesadelo. Entre a noite do dia 11 de janeiro (uma terça-feira) e a madrugada do dia 12, chuvas de grande intensidade caíram sobre várias cidades, causando destruição, mortes e desaparecidos (muitas pessoas jamais foram encontradas).
Dois anos depois, foi a vez de Santa Catarina enfrentar a fúria da natureza.
Em 2022, oito estados brasileiros tiveram grandes inundações com registro de mortes: Bahia (1); Espírito Santo (1); Minas Gerais (2); Paraná (2); Rio de Janeiro (4); Sergipe (2); Santa Catarina (4) e São Paulo (1).
Em 2023, o castigo atingiu, mais uma vez, o Estado de São Paulo e, há pouco mais de um mês, um desastre devastou a Região Sul do Espírito Santo.
Todos esses eventos têm nome e sobrenome: a mudança climática causada pelo aquecimento global, tão negados por parte da sociedade brasileira que não acredita em aquecimento global (mas, acredita em Terra plana).
Desmatamento florestal e emissão de CO2 são, apenas, dois exemplos das causas da mudança climática que pode comprometer a possibilidade de vida na Terra. Mas, o negacionismo tem agravado o problema que parece ser irreversível.
No Brasil, a Floresta Amazônica sofre com as queimadas e a derrubada de árvores para dar lugar ao agro e ao garimpo ilegal. Este é o ponto: a geração de riqueza material (econômica), em troca dos prejuízos naturais irreversíveis. Mas, parte da sociedade parece não entender que riqueza econômica se esvai, de uma forma ou de outra: enquanto se está vivo, pode ser perdida e quando morremos, somos obrigados a deixar tudo para trás (caixão não tem gaveta).
A discussão sobre a mudança climática vem de longe! Há 32 anos (em 1992) líderes do mundo inteiro se reuniram durante 12 dias, na cidade do Rio de Janeiro, para a Eco-92 (ou Rio-92), considerada, até então, a maior conferência mundial já realizada para discutir questões ambientais. Porém, pouca coisa mudou de lá para cá, menos a degradação ambiental.
A sociedade humana ainda não tomou consciência de que o meio ambiente é um patrimônio e não um recurso, e quem se desfaz de seu patrimônio empobrece. Tudo o que a humanidade produziu e produz, depende da terra e do meio ambiente que habita sobre ela.
O aquecimento global está aí, apresentando suas consequências de forma violenta e que não terão fim se não aprendermos que não somos donos da natureza, mas, parte dela; que dependemos dela para existirmos e não há outro modo de vida se não for a conciliação das necessidades humanas e a preservação ambiental.
Um bom exemplo para esse aprendizado são os povos indígenas que lutam para preservar as suas terras. A luta indigenista se dá porque esses povos têm consciência de que fazem parte da natureza, não são proprietários dela. Eles sabem que sem ela, não há vida, por isso, extraem do ambiente em que vivem apenas o necessário para viver.
No entanto, o “homem branco” (expressão escalafobética) não vê dessa forma. Para o tal homem, qualidade de vida não é viver bem, não é bem-estar, não é ter paz: é o acúmulo de riqueza; é o sentimento de superioridade em relação ao outro. Na canção do saudoso Raul Seixas: é o “ouro de tolo”.
Lembrando Nicolau Maquiavel: “O homem esquece mais facilmente a morte do pai do que a perda do patrimônio”.
Nessa toada, eventos climáticos serão cada vez mais frequentes e mais violentos, assim como terremotos e maremotos. Teremos que conviver com isso, ou vamos recuar? Até quando a riqueza estará na frente da vida?
Em um vídeo que circula nas redes sociais, uma mulher afirma que o Rio Grande do Sul “está sofrendo a ira de Deus”. Porém, é de conhecimento geral que Ele é perfeito, não comete pecado. Logo, Ele não pode ter ira, pois, a ira é um dos sete pecados capitais.
Trata-se de reconhecer os alertas da ciência sobre meio ambiente e as mudanças climáticas. Quem nega a ciência está fazendo acordo com a morte, nesse momento em que tudo o que a ciência nos disse está se confirmando.
Neste sentido, a música “As aventuras de Raul Seixas no Mundo de Thor” resume tudo o que está acontecendo. Abaixo alguns versos dessa obra-prima:
Tá “rebocado” meu “cumpadi”?
Como os donos do mundo piraram?
Eles já são carrascos e vítimas do próprio mecanismo
que criaram!
Buliram muito com o “praneta”,
O “praneta” como um cachorro eu vejo,
Se ele já não “guenta” mais as pulgas, se livra delas
no “saculejo”!
* O autor é economista, professor, jornalista, escritor e editor-chefe do Correio9
OS TEXTOS ASSINADOS NÃO REFLETEM, NECESSARIAMENTE, A OPINIÃO DO CORREIO9
COMO AJUDAR OS GAÚCHOS
Para ajudar com o cenário, o governo do Rio Grande do Sul reativou a chave Pix para doações em dinheiro.
A conta bancária “SOS Rio Grande do Sul”, a mesma utilizada no auxílio às vítimas dos temporais que atingiram o Estado em 2023, aceita contribuições de pessoas físicas e jurídicas. Eis os dados para doação: conta – SOS Rio Grande do Sul chave Pix – CNPJ 92.958.800/0001-38.
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