CRÔNICA
* Eliana Maria Lemos
Quando eu era criança sempre que me exibia um pouco levava um ‘passa-fora’ da minha vó: “Para de se amostrar!”. Ou: “deixa de ser amostrada menina!”. Naquela época o máximo que a gente conseguia de exibição era só entre os íntimos. Hoje os tempos são outros. Vivemos a era da exposição total, em que tudo, mas tudo mesmo, é filmado, postado e dividido com o mundo nas redes sociais. Não basta existir, tem que se mostrar, senão, que graça tem?
Para os jurássicos, como eu, antecessores da internet, essa exposição excessiva às vezes assusta. Confesso que não vejo necessidade de postar cada passo que dou, o que estou bebendo ou comendo.
Prefiro usar minhas redes para divulgar minhas ideias, não minha vida. Mas sei que sou a exceção, não a regra.
O costume atualmente é postar tudo, nada mais fica restrito. A coisa é tão explícita que tem muita gente fazendo disso a profissão, ganhando rios de dinheiro mostrando o dia a dia na internet. Tem para todos os gostos, desde as blogueiras de moda até o cara que chuta uma bola e grita: “receba” (tá ficando milionário com essa bobagem).
É tanto digital influencer, e alguns tão esquisitos, que eu na minha ingenuidade e desinformação, me pergunto: a quem influenciam? Aí fico sabendo que são seguidos por milhares e milhares de pessoas. Como pode? Que mundo raso é esse que estamos vivendo, em que muitos preferem acompanhar a vida alheia pela internet a viver as suas próprias vidas?
O mais divertido disso tudo é não precisar mais esperar para saber de uma fofoca sobre as celebridades. Hoje os bafões acontecem em tempo real, no mundo virtual. Quem não acompanhou o último round entre a atriz Luana Piovani e o ex-marido Pedro Scooby foi porque não quis.
De Portugal onde reside ela soltou os cachorros contra o surfista, pai de seus três filhos. Ele por sua vez não deixou barato, postou prints de conversas e rasgou o verbo. Foi uma lavação de roupa suja em público.
Mas Luana não é a única famosa que usa a internet para expor suas mazelas. São muitos os que utilizam suas redes sociais pra reclamar ou resolver suas pendências, aproveitando a visibilidade para obter o respaldo popular para suas demandas.
O medo do cancelamento também tem feito muitos cederem aos desafetos para não ficar mal com a opinião pública, perder patrocínio ou clientes e consequentemente, dinheiro.
Mas, o cúmulo do absurdo, em tratando dessa pauta, é a gente perceber que no desespero para se mostrar, muitos estão criando problemas para si mesmos. São muitos os casos de pessoas que faltam ao trabalho alegando doença e postam fotos se divertindo na hora do trampo sendo flagrados pelos chefes nas redes.
Teve gente que perdeu emprego por isso. Nos últimos dias, o que mais a gente tem visto na internet são as imagens e vídeos da invasão aos três poderes em Brasília. Enquanto quebravam e destruíam tudo que encontravam pela frente os terroristas iam gravando tudo e postando em suas redes. Resultado: facilitaram o trabalho da justiça que está usando esse material para identificar e prender os vândalos.
Parece que o complexo de Narciso, o personagem da mitologia grega que morreu por contemplar a própria imagem, está mais atual do que nunca.
* A autora é jornalista, roteirista, escritora e articulista do Jornal Correio9
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