Terça-feira, 15 de junho: um dia para ser esquecido no Espírito Santo! Em um intervalo de dez horas, duas tragédias familiares fizeram seis vítimas na região Noroeste do Estado.
Por volta de 3h da madrugada, um drama sem precedentes seria o prenúncio da perplexidade na pacata cidade de São Domingos do Norte. O pedreiro Flávio Sandro Olmo, de 42 anos, matou a esposa, seus três filhos e depois se matou.
Todas as vítimas foram assassinadas enquanto dormiam. O pai premeditou o crime, esperou todos dormirem e então praticou o ato macabro. Os pequenos Anelise de Souza Olmo, de 4 anos, Ítalo de Souza Olmo, de 8, e a jovem Laisla de Souza Olmo, 19 anos, foram mortos por quem mais deveria protegê-los. Junto com eles, a genitora Eusivania Marcelino de Souza, de 40 anos.
Pela manhã, um homem assassinou o próprio irmão no distrito de Cachoeirinha de Itaúnas, no interior de Barra de São Francisco. Ele é Valter Francisco dos Santos e matou seu próprio irmão, Daniel Francisco dos Santos, a tiros.
Após cometer o crime, o suspeito fugiu do local e não foi mais visto. Ele atirou à queima-roupa e Daniel morreu no local do crime. A família está transtornada. Os irmãos eram tidos na região como pessoas que todos gostavam e não se sabe ainda o que motivou o crime.
Antes disso, na tarde de segunda-feira, 14, uma dupla ocorrência foi registrada em Mantenópolis. Um homem, identificado como Reinaldo Nunes, de 20 anos, tirou a própria vida após tentar matar sua companheira, uma jovem, identificada como Danieli Bianchi, de 28 anos, com quem tinha um relacionamento. Segundo a Polícia Militar, o homem atirou contra a companheira e, em seguida, disparou contra a própria cabeça. Ele morreu no local e a mulher foi socorrida e está internada no Hospital e Maternidade Sílvio Avidos, em Colatina.
É importante tentar entender o que motivou tantas tragédias familiares em um período tão curto de tempo.
Embora não haja uma resposta única, e mesmo que fiquem interrogações, alguns paralelos podem ser traçados.
Primeiro, não se pode acreditar que essas pessoas eram sãs. Possuíam insanidades mentais. Quem comete esse tipo de crime costuma ter pré-disposição para atos violentos. Flávio, por exemplo, era considerado um homem pacífico, sem antecedentes criminais nem histórico de violência familiar.
No entanto, ainda que não haja alguma hipótese na catástrofe da família dos irmãos francisquenses, existem, sim, elementos comuns a todos os casos. Há um padrão de frustração extrema, de aceitar a realidade, incapacidade de tomar decisões e, finalmente, fuga.
Os casos espantam porque os possíveis distúrbios mentais não foram detectados por quem convivia e conhecia bem esses assassinos.
Para a psicologia, em todos esses crimes, os autores são pessoas que já possuem transtornos – nem sempre diagnosticados – e, influenciados por alguma causa externa, como problemas financeiros ou até mesmo uma briga no trânsito, acabam entrando numa espécie de surto. Na tragédia em São Domingos do Norte, Flávio apresentava sinais de depressão, possivelmente decorrentes do processo de separação matrimonial, que estava em curso.
Cada um destes casos segue sua lógica independente.
Noticiamos dramas, acidentes, mortes de toda a natureza nas páginas e no site do Correio9, porém, o que tem assustado à equipe é que muito precocemente as pessoas têm cometido atos de agressão contra outras pessoas. E mais: isso vem acontecendo com pessoas cada vez mais próximas, como pais, filhos e parentes.
Histórias como essas são descritas na Bíblia, como em Gênesis, no caso dos irmãos Caim e Abel, que conta um fato envolvendo violência entre familiares.
No livro de Gênesis é contada a história de Caim e Abel, um irmão que matou o outro, história ainda recorrente nos dias de hoje. Mas, por que o fratricídio? Por pura inveja, porque Caim queria ser melhor que Abel. E na nossa era, o que tem motivado pessoas a chegarem a esses extremos?
Mesmo com tantos recursos tecnológicos que nos trazem a ilusão da proximidade, temos convivido, cada vez mais longe uns dos outros, e a indiferença nas nossas relações representa um dos principais motivos da crescente recorrência de crimes envolvendo familiares, mas, não só desse tipo.
Estamos nos tornando cada vez mais insensíveis uns com os outros. A cada dia estamos mais indiferentes com a vida das outras pessoas, independente de quem sejam as outras pessoas são, também, aquelas próximas: pais, mães, filhos, irmãos…. são pessoas que com as quais temos laços consanguíneos.
Mas, afinal, o que é família? Um dos pressupostos básicos da família é a convivência e o cuidado. Mas, o que é conviver e cuidar do outro, dos nossos? A harmonia contínua na convivência familiar exige que pensemos na maneira como gostaríamos que fôssemos cuidados.
Hoje, o outro pode estar doente, amanhã pode ser um de nós; e se estivermos doentes e precisarmos do outro? Se fôssemos uma criança, aspiraríamos por proteção e, nesse caso, como gostaríamos de ser protegidos? Vidas são interrompidas precocemente, mas a velhice pode chegar e quando chegarmos à idade senil, como gostaríamos de ser tratados por nossos cuidadores? Se estivermos com o companheiro ou a companheira, como gostaríamos de ser tratados? O que é ser pai, mãe? O que é ser irmão?
A dedicação a alguém é uma das tarefas mais nobres à qual podemos nos propor: cuidar, nos torna mais humanos para nós mesmos e para aqueles que recebem a nossa solidariedade. É tratar o outro como gostaríamos de ser tratados. Isso nos leva a contribuir para um mundo melhor.
Se não pensarmos sobre como tratamos e cuidamos das outras pessoas – se não procurarmos entender a apatia que permeia as nossas relações cotidianas – continuaremos a ser traídos por nós mesmos, e assim como Caim que foi tomado pela inveja, poderemos ser tomados por qualquer outro sentimento destrutivo, como os que fizeram vítimas, dilaceraram famílias, derramaram lágrimas e deixaram tristezas.
Em um momento em que tantas pessoas empunham a Bíblia no Brasil, o Correio9 deixa por fim a pergunta de um seguidor do movimento político-religioso rastafári, Bob Marley: “Se Deus criou as pessoas para amar e as coisas para usar, por que amamos as coisas e usamos as pessoas?”
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