O excelente momento do Flamengo, que o faz ser admirado até pelos torcedores dos outros clubes, tem levado muita gente a considera-lo o melhor time do clube desde a era de ouro de Zico, vivida intensamente entre os anos de 1980 e 1983 (com três títulos do Brasileiro, um da Libertadores e um Mundial).
Por conta disso, e pelo fato de eu ter acompanhado de perto aquele esquadrão do século passado (era, então, repórter setorista do Globo, no rubro-negro), inúmeros amigos e conhecidos, flamenguistas ou não, costumam me fazer uma pergunta pra lá de complicada, pela diferença de épocas e modo de jogar. E qual é ela?
– Quem desta equipe de Jorge Jesus seria titular no “onze” campeão do mundo, em 1981?
Uma resposta mais precisa, não tenho dúvida, só poderá ser dada daqui há algum tempo, com o desenrolar da história dos atuais jogadores no clube da Gávea. A da turma de Zico já está concluída e é das mais gloriosas. A atual, por enquanto, é apenas promissora, ainda que esteja se mostrando também encantadora.
Mas e se houvesse um hipotético jogo amanhã e os 22 titulares (onze de cada época) estivessem à disposição? Que time eu escalaria? Vamos discutir posição por posição?
Goleiro: Raul ou Diego Alves? Apesar do excelente currículo do “véio” (como era chamado por seus companheiros), o atual titular do time de Jesus me parece superior. Teve uma sólida carreira no futebol europeu (na época de Raul, nem se pensava na possibilidade de levar goleiros brasileiros para jogar no estrangeiro), é um excelente pegador de pênaltis e está se mostrando peça fundamental no elenco de Jesus (vide as quatro grandes defesas realizadas contra o CSA, no Maracanã). Meu goleiro, portanto, seria Diego Alves. Perdoe-me Raul, meu contador predileto de histórias folclóricas de futebol…
Lateral-direita: Leandro ou Rafinha? O ex-lateral do Bayern é um excepcional jogador. Não foi à toa que teve uma carreira tão bem-sucedida no competitivo futebol alemão. Mas Leandro… Bem, o “peixe-frito” foi simplesmente um dos melhores laterais-direitos do mundo, em todos os tempos. Na opinião de Carlos Alberto Torres, ninguém menos que o “capita do tri”, foi o maior na história do futebol brasileiro, melhor até que ele próprio. Leandro, portanto, sem sombra de dúvida.
Zaga central: Marinho ou Rodrigo Caio? Em um time que reunia virtuosos praticamente do goleiro ao ponta-esquerda, Marinho era exceção. Bom beque, sem dúvida: firme, corajoso e veloz. Mas tinha suas limitações no trato com a bola. Rodrigo Caio é tecnicamente superior. No combate aos atacantes adversários e na saída de bola. E faz gols, coisa raríssima na carreira de Marinho. Vou com Rodrigo Caio.
Quarto-zagueiro: Mozer ou Pablo Mari? O espanhol é uma das gratas surpresas no balaio de contratações rubro-negras neste ano. Seguro, tranquilo, bom cabeceador na defesa e no ataque. Em qualquer comparação com Mozer, porém, sai perdendo. O “vampiro” era dos jogadores mais talentosos daquela máquina que conquistou o mundo, surrando o Liverpool, em dezembro de 1981. Em seu jogo de estreia, entre os titulares, ainda moleque, foi substituído pelo então técnico Dino Sani (que posteriormente seria trocado por Paulo César Carpegiani) porque cortou “de letra” um cruzamento feito na área do Flamengo. Confiava cegamente na bola que tinha. E que bola refinada jogava. Fico com Mozer, sem pestanejar.
Lateral-esquerdo: Júnior ou Filipe Luís? Caso bem semelhante ao de Rafinha x Leandro. O ex-lateral do Atlético de Madrid é um baita jogador. Só que o “capacete” era um extraclasse. Formava com Zico e Leandro a “santíssima trindade” daquela equipe que encantou (e dominou) o Brasil, no início dos anos 80. E ainda voltou, em final de carreira, para brilhar no meio-campo, como maestro. Gênio. Escolho Júnior, com certeza absoluta.
Cabeça-de-área: Wiliam Arão ou Andrade? Com todo respeito ao atual titular e à impressionante evolução que teve, sob o comando de Jorge Jesus, não há termo de comparação. O “tromba” jogava tanto que roubava a bola dos rivais como um punguista daqueles tempos, batendo a carteira dos incautos. Quando se davam conta, já era. Andrade marcava e apoiava com igual eficiência. E chutava magnificamente de fora da área – como esquecer a bomba que explodiu na rede de Paulo Sérgio, no sexto gol da goleada de 6 a 0 sobre o Botafogo, em 1981? Um placar que valeu como um título. Inesquecível. Andrade é a minha opção.
Meia-armador (ou segundo volante, nos dias de hoje): Gerson ou Adílio? Esse é um dos duelos que o prosseguimento da carreira do atual titular pode modificar. Gerson marca muito mais que o “Brown” (que jogava mais solto, com a camisa oito), mas ainda não tem a eficiência do craque da cruzada nos passes e nas conclusões – Adílio fazia gols com muito mais frequência. No estilo “pegado” do futebol de hoje em dia. Gerson pode ser mais útil. Mas Adílio tinha mais talento. Por isso, ainda fico com ele, admitindo que esse jogo pode mudar, no futuro. Adílio, portanto.
Meia-esquerda: Zico ou Arrascaeta? Com todo o apreço pelo talento do uruguaio, não se compara humanos com semideuses. Arthur Antunes Coimbra, Arturzico, Zico é um dos maiores da história do nosso futebol e o autêntico messias rubro-negro. Zico, claro, óbvio, sem discussão. Em qualquer comparação entre os times de 81 e 19, o camisa dez será sempre a grande diferença.
Ponta-direta: Tita ou Éverton Ribeiro? Quem não viu Milton Queiroz da Paixão jogar pode ficar em dúvida, por causa da ótima fase e o belo futebol de Éverton Ribeiro, sem dúvida, um dos pontos de equilíbrio do time de Jesus. Mas Miltita, o Tita, era um jogadoraço. Como Éverton, começava escalado na ponta direita, mas deslocava-se por todo o campo. Ora no meio, ora na esquerda, ora na área – e era artilheiro. Cansou-se de fazer gols importantes e decisivos. Só não fez parte da seleção mágica de Telê Santana, em 82 (foi titular durante todas as eliminatórias), porque, birrento, resolveu que não queria mais jogar na ponta, mas de camisa 10, disputando posição com… Zico! O maior erro de sua carreira, como ele próprio admite nos dias de hoje. No duelo com Éverton, porém, fico com Tita.
Centroavante: Nunes ou Gabigol? Está aí uma disputa interessante. Porque, tecnicamente, Gabriel é melhor que o “João Danado”, que muitas vezes brigava com a bola. Só que, na hora da verdade, resolvia. E como! Não à toa, passou a ser chamado o “artilheiro das grandes decisões”. Vi Nunes decidir, com seus gols, o Brasileiro de 80 e o Brasileiro de 82, além de marcar no Mundial de 81 e em inúmeros campeonatos estaduais e outros jogos importantes. Por isso vou escolhê-lo. Vou de Nunes. Mas se Gabigol decidir a Libertadores, o próximo Mundial e ganhar mais um Brasileiro…
Ponta-esquerda: Lico ou Bruno Henrique? Quem não viu Lico jogar não tem noção da enorme importância tática que ele tinha naquele time de Carpegiani. Quando a coisa apertava, muitas vezes era pra ele, e não para Zico, que se tocava a bola – e ele a protegia como ninguém. Habilidoso, corajoso e incansável era outro que se deslocava por todas as partes do gramado e ajudava muito na marcação e na armação. Baita jogador. Mas Bruno Henrique está fazendo uma temporada excepcional no Fla. Impossível barrá-lo para escalar seu concorrente de 81. Bruno também é incansável no campo inteiro e um autêntico vendaval no ataque. Pra mim, disparado, a melhor contratação rubro-negra na temporada. Fecho a equipe com Bruno Henrique e durmo tranquilo.
Como ficou, então, o combinado 81/19? Vamos lá: Diego Alves, Leandro, Rodrigo Caio, Mozer e Júnior: Andrade, Adílio e Zico; Tita, Nunes e Bruno Henrique.
O técnico? Certamente, Jorge Jesus no lugar de Paulo César Carpegiani.
* Renato Mauricio Prado é jornalista, mas prefere se rotular como um “contador de histórias”. Começou no Jornal do Brasil em 1976 e se transferiu para O Globo em 1979, onde foi repórter, subeditor, editor, colunista, correspondente na Europa, editor executivo, gerente de produto (dos Jornais de Bairro), superintendente e, por fim, diretor executivo do jornal Extra, que ele criou e comandou durante os cinco primeiros anos de existência. Foi também comentarista esportivo nas rádios Globo e CBN e nos canais SporTV e Fox Sports. Aposentou-se após as Olimpíadas de 2016 para se dedicar a uma paixão: seus cães. Mora, atualmente, em Itaipava, mas segue ligado em tudo – principalmente, na área de esportes. É rubro-negro assumido, o que nunca o impediu de ser imparcial em seus comentários.
Comente este post