Elias de Lemos (Correio9)
A taxa de câmbio disparou esta semana provocando especulações em relação ao futuro da economia brasileira. Alguns especialistas atribuem a alta à fala irresponsável do ministro da economia, Paulo Guedes, sobre um novo AI-5, especialmente, porque em menos de um mês duas pessoas ligadas ao alto escalão do governo falaram sobre o assunto. Antes de Guedes, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL) falou sobre o tema. Para outros o problema está relacionado aos fundamentos da economia.
Previsão econômica não é nada fácil. Prever a taxa de câmbio não é uma tarefa simples. Assim como atribuir a causa das mudanças que vêm ocorrendo não é uma coisa banal.
Como todo preço, a taxa de câmbio é determinada pelo jogo entre oferta e demanda. É o equilíbrio entre as duas que determina o valor de uma moeda em relação a outra e a estabilidade do mercado cambial.
A taxa de juros, também, é um elemento fundamental para definir a taxa de câmbio. Se ela está mais alta os investimentos em Reais oferecem retorno maior. Se ao contrário, as taxas de juros caem, o retorno de investimentos em Real fica menor e desestimula o investimento em moeda nacional. Nesse caso, a demanda por Reais cai, enquanto aumenta a procura por Dólares e o Dólar sobe.
A taxa básica de juros no Brasil, a Selic, vem de uma trajetória de queda e, atualmente, em 5% ao ano está no mais baixo patamar de sua história desde 1994, quando nasceu o Real. Ela já foi a maior taxa de juros do mundo e isso atraía capital especulativo para o Brasil. Na medida em que ela vai caindo, cai, também, o interesse de investimento estrangeiro no País.
Outro fator fundamental para a determinação da taxa de câmbio é o saldo entre exportação e importação.
A equipe econômica do governo já deixou claro qual é o objetivo da política econômica. Na política fiscal, o cumprimento do teto de gastos e a busca por superávits primários (economia de dinheiro para pagar juros da dívida) são os objetivos. No jargão do economês, trata-se de uma política fiscal contracionista. A prioridade é o controle da dívida e não a realização de investimentos produtivos.
Por outro lado, a queda da taxa de juros caracteriza uma política monetária expansionista, no jargão econômico. As taxas de juros estão caindo e são a principal aposta do governo para restabelecer a economia.
No entanto, tanto o lado fiscal quanto o monetário incentivam este cenário no qual o Dólar se valoriza perante o Real. É o oposto do que ocorreu nos últimos anos.
Do fim do governo Lula até os anos Dilma, os gastos públicos estimularam a economia e a taxa de juros se mantinha em patamares altos, comparada ao resto do mundo. Nesse caso, os dois incentivos levavam a um aumento da demanda por Reais frente ao Dólar e, consequentemente, a uma valorização do Real frente ao Dólar.
Agora, além do déficit fiscal, o Brasil está mergulhado em outro rombo: o déficit em transações correntes (balança comercial negativa), causado pela queda contínua das exportações.
O acumulado, de janeiro a outubro de 2019 é negativo em US$ 45,567 bi e US$ 54,825 bi em 12 meses, ou 3% do PIB. A estimativa do Banco Central era de saldo negativo de US$ 36,3 bilhões, ou 2% do PIB para todo o ano. Mas, se novembro e dezembro seguirem na mesma tendência dos meses anteriores, o rombo pode ser o dobro do previsto. No mesmo período de 2018 o déficit foi de US$ 41,540 bilhões.
Em outubro o buraco nas contas externas chegou a US$ 7,87 bilhões, de acordo com dados divulgados na segunda-feira, 25, pelo Banco Central (BC). Este foi o pior resultado para outubro desde 2014, quando o saldo negativo foi de US$ 9,305 bilhões.
O Banco Central (BC) estimava déficit de US$ 5,8 bilhões para o mês. Em outubro de 2018, a conta corrente foi deficitária em US$ 2 bilhões.
O investimento estrangeiro no País somou US$ 6,8 bilhões em outubro. Em outubro do ano passado, tinha somado US$ 8,418 bilhões. No ano, o indicador soma US$ 62,126 bilhões, contra US$ 60,789 bilhões no mesmo período de 2018. Nos 12 meses encerrados em outubro, o investimento soma US$ 79,5 bilhões, ou 4,35% do PIB, contra 4,43% do PIB vistos até setembro. Ainda assim, o montante é mais do que suficiente para cobrir o déficit em conta corrente de 3% do produto nos 12 meses.
Os investimentos estrangeiros somaram saída de US$ 4,552 bilhões em outubro, após saída de US$ 3,497 bilhões em setembro. No ano, o resultado é negativo em US$ 6,248 bilhões. Em 2018, houve saída de US$ 6,403 bilhões no mesmo período.
Dos investimentos em renda fixa, saíram US$ 3,347 bilhões. Considerando apenas as negociações no País nesse segmento, o resultado foi negativo em US$ 2,835 bilhões no mês passado. No ano, a conta é negativa em US$ 3,917 bilhões.
O fluxo de investimentos estrangeiros na Bolsa de Valores resultou em saída de US$ 1,877 bilhão no mês, considerando tanto aplicações na bolsa brasileira quanto na Bolsa de Nova York. No acumulado do ano até outubro, a conta é negativa em US$ 4,468 bilhões.
Em viagens internacionais, os brasileiros gastaram US$ 1,506 bilhão em outubro, contra US$ 1,603 bilhão em outubro do ano passado. Os estrangeiros que vieram ao País deixaram US$ 442 milhões, contra US$ 456 milhões no mesmo mês de 2018.
Dessa combinação resulta um déficit na conta de viagens de US$ 1,063 bilhão no mês de outubro. No ano, o resultado é negativo em US$ 9,878 bilhões, contra US$ 10,510 bilhões um ano antes. Em 2018, a conta ficou deficitária em US$ 12,346 bilhões.
Além disso, a estagnação da economia favorece a desconfiança do mercado externo. No início do ano a previsão do Banco Central para o Produto Interno Bruto (PIB) de 2019 era de 2,6%. A previsão anunciada pelo Relatório Focus, na última segunda-feira, pelo BC, é de 0,91%. No ano, o acumulado é de 0,7%.
Na realização do “megaleilão” do Pré-Sal, o mercado externo já havia mandado um recado de desconfiança na economia brasileira. A expectativa do governo era de arrecadar U$ 106,5 bilhões, mas empresas estrangeiras não demonstraram interesse, a própria Petrobrás comprou quase tudo e o valor arrecadado foi de U$ 69,9 bi.
Na linguagem econômica o Brasil enfrenta déficits gêmeos: quando há déficit fiscal e déficit nas contas externas. Por enquanto, o volume de reservas garante um cenário sem preocupações. Mas, isso tem um limite.
* O autor é economista, professor, jornalista, escritor e editor-chefe do Correio9
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