Elias de Lemos (Correio9)
Um ditado popular diz que “a mentira tem pernas curtas”. Desde a campanha eleitoral de 2018, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) se apresenta como o patriota, cristão e defensor da família. Cinco anos depois, em 2023, as verdades estão sendo desenterradas e as mentiras estão caindo nos buracos de onde elas saem.
Um homem honesto roubaria joias? Um patriota contrataria um sistema internacional para fraudar eleições democráticas? Um cristão prega o ódio e o desprezo pelo sofrimento alheio? Um defensor da família se casa três vezes sem ser viúvo nenhuma vez?
Durante o exercício do mandato presidencial, Jair Bolsonaro usou e abusou do poder: sarcástico, irresponsável, debochado, desaforado, bruto, descortês, deselegante…
Incapaz de uma autocrítica e tampouco ouvir, ele e seus aliados não se deram conta do fracasso que foi o governo do ex-capitão. Mesmo assim, ele acreditou que seria reeleito e teve uma derrota acachapante para Lula em 2022. Custou acreditar, titubeou quando precisou entregar o cargo e tramou um golpe duro na democracia brasileira. Mas, apesar de toda a lambança de Bolsonaro e seu rebanho, a razão venceu e a democracia foi ferida, mas não ruiu.
A intentona golpista não foi por acaso! A cadeira e a caneta presidencial são fortes escudos – basta lembrar o indulto ao ex-deputado Daniel Silveira (já escrevi sobre isso aqui). Atrás da cortina da honestidade havia muito mais podridão, que só emergiu depois que ele perdeu os escudos.
Para piorar a situação, os aliados bolsonaristas no Congresso não têm colaborado com a defesa do ex-presidente. Afoitos, ilógicos e desprovidos de capacidade cognitiva para enxergarem o óbvio, a oposição ao governo Lula deu um tiro no pé e está cavando o buraco para sepultá-lo politicamente.
A criação da CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito), para investigar a tentativa de golpe do dia 8 de janeiro foi um erro fatal que está deixando a oposição em uma enrascada não imaginada.
Até agora, os que idealizaram e batalharam pela Comissão têm sido engolidos pela base aliada ao governo. Tentam tumultuar, mas sempre levam uma invertida dos preparados aliados ao governo. Um certo deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) não cansa de passar vergonha: cada declaração dele é uma paulada na cabeça. Em outras palavras, é a situação que está surfando na crista da onda e apontando os rumos da investigação.
Não por acaso! A apreensão da ultra-direita no Congresso é que os fatos têm aparecido e não é pouca coisa. Alguns, ainda, acreditam que Bolsonaro é o único que consegue mergulhar no esgoto e não se sujar. Basta observar o que está acontecendo com todos os mais próximos que o cercaram ao longo dos quatro anos de governo. Seus mais fiéis escudeiros estão afundando (alguns já afundaram no lamaçal).
Ao insistir na criação da CPMI, os aliados de Bolsonaro tinham o objetivo de responsabilizar o ministro da Justiça, Flávio Dino, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelos atos golpistas. No entanto, cada passo da Comissão vai em direção ao ex-presidente, Jair Bolsonaro.
E as provas contra o senhor Jair já são abundantes e não param de brotar. O depoimento do hacker Walter Delgatti à Comissão foi devastador. Ele deu nome aos bois e às vacas sem titubear. Afirmou que a deputada Carla Zambelli foi quem o contratou e o levou até ao então presidente para tratar do assunto. Segundo ele, na ocasião, Bolsonaro o pediu para invadir as urnas eletrônicas a fim de provar a inconfiabilidade do sistema eleitoral brasileiro. O então presidente o ofereceu indulto em caso de decreto de prisão contra ele. Ele teria afirmado que seria impossível a invasão porque as urnas não são conectadas à internet.
Bolsonaro, então, o pediu para usar um sistema contratado no exterior, o que caracteriza crime contra a Pátria (olha o patriota aí!). Mas, não para por aí!
O escândalo das joias sauditas colocou o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro no olho do furacão. Ele deu detalhes da dinâmica da falcatrua e expôs que foi seu pai, Mauro César Lourena Cid, quem vendeu o Rolex nos Estados Unidos e que entregou o dinheiro nas mãos de Bolsonaro.
Preso e abandonado pelo clã de Bolsonaro, Mauro Cid decidiu salvar a própria pele e fez acordo de delação premiada com a Justiça. Aí a nitroglicerina apareceu! O ex-ajudante revelou à Polícia Federal que presenciou reuniões em que Bolsonaro e militares trataram de golpe militar.
Segundo o depoimento de Cid, Bolsonaro se reuniu com integrantes da Marinha e do Exército. Nesses encontros, o Messias falou sobre uma “minuta de golpe”, detalhada, que previa ilegalidades como o afastamento de autoridades, a prisão do ministro do STF, Alexandre de Moraes e, também, do, na época, presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.
De acordo com Cid, o brigadeiro Carlos Batista, comandante da Aeronáutica, ficou em silêncio; o então comandante da Marinha, Almir Garnier teria dito: “minha tropa está pronta. No entanto, o comandante do Exército na época, general Freire Gomes não aceitou e ameaçou prender Bolsonaro: “Se você continuar com isso, serei obrigado a prendê-lo”, disse o general. Isso revela que por um triz, o Brasil não se tornou uma ditadura. O comando do Exército foi o fiel da balança.
No depoimento, Mauro Cid detalhou que no encontro os envolvidos trataram especificamente do rascunho golpista. E, além de militares, havia integrantes do “gabinete do ódio” na reunião.
Enlameado por Bolsonaro, o Exército está em uma enrascada sem precedentes. Na última semana o presidente do Superior Tribunal Militar, Joseli Camelo disse que “não há clima para anistia” aos militares golpistas. Ao Exército, só resta expulsá-los para limpar a imagem da instituição.
Ao depor na semana na CPMI, o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional, do governo Bolsonaro, general Augusto Heleno demostrou uma falta de controle exacerbada, falou palavrões e negou que Mauro Cid tenha participado da reunião golpista. Mas uma foto o desmente! Nela, Cid está sentado atrás do general mentiroso.
Em relação a Bolsonaro, não há mais dúvida: a questão não é “se”, é quando ele será preso! Porém, seus fiéis eleitores ainda acreditam na falácia de homem honesto, afinal, eles preferem uma mentira bonita a uma verdade feia.
* O autor é economista, professor, jornalista, escritor e editor-chefe do Correio9
OS TEXTOS ASSINADOS NÃO REFLETEM, NECESSARIAMENTE, A OPINIÃO DO CORREIO9
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