Elias de Lemos (Correio9)
Em um mês de governo, o confronto entre o presidente Lula, de um lado, e o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, do outro, tomou conta do noticiário. O motivo da queda de braço entre os dois é a taxa básica de juros, a Selic, cuja variação repercute em toda a economia.
Lula ganhou a eleição com o compromisso de fazer a economia do país crescer e, com isso, retomar a geração de empregos por meio de investimentos públicos e programas de transferência de renda aos mais pobres.
Com a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Transição, Lula assegurou os recursos para a adoção de programas de transferência de renda, como o Bolsa Família. No entanto, na área econômica, ainda não apareceu uma proposta ou projeto de investimentos que possam dar o pontapé na retomada.
Vários Ministérios – Saúde, Meio Ambiente, Justiça… – já apresentaram para onde apontam seus giroscópios. Porém, o Ministério da Economia não tem agido devidamente sobre a questão do crescimento. Sem apresentar uma forma para responder ao problema do crescimento econômico e do emprego, a incerteza permanece.
Na visão de Lula, a taxa de juros fixada pelo BC atrapalha o crescimento. Com isso, ele começou a criticar duramente o presidente do Banco Central. Lula classificou a taxa como “uma vergonha”.
Campos Neto rebateu dizendo que a queda da Selic depende de ações do governo e cabe a Lula tomar as medidas que permitam a redução.
As críticas de Lula vão além do nível da Selic, dado que o BC é independente, cujo presidente tem mandato eletivo e, portanto, Lula não pode demiti-lo. Antes da independência bastava trocar o presidente e dar a ordem para baixar.
A Selic é a taxa de juros de referência da economia brasileira. Seu nível é definido pelo Conselho de Política Monetária (Copom) do BC, de acordo com a sua avaliação sobre a economia como um todo.
Neste sentido, a economia brasileira apresenta duas grandes fissuras: uma é o desemprego crônico; a outra é a pressão inflacionária. No entendimento do BC, o controle da inflação deve ser prioridade, pois se afrouxar a política monetária, a inflação pode sair de controle e a situação pode ficar muito pior.
Do outro lado, o entendimento do governo é de que vale a pena ter um pouco mais de inflação para favorecer o crescimento.
Quando o Copom vê a inflação aumentando, ele aumenta a Selic. Com isso aumentam, também, todos os juros cobrados em empréstimos, financiamentos e crediários. Com o crédito mais caro, empresários e consumidores adiam suas decisões de compra. Cai a demanda, por parte dos consumidores, e os investimentos, por parte das empresas e, com isso, a tendência é de que os preços baixem ou parem de subir. Teoricamente, a inflação é controlada.
De março de 2021 a agosto de 2022 – durante o governo Bolsonaro – o Copom aumentou a taxa básica de juros 11 vezes consecutivas por causa da inflação. A Selic saiu de 2% e atingiu 13,75%, patamar que permanece desde então.
Ao classificar a taxa de juros como “uma vergonha” e insistir em sua queda, Lula está se arriscando em terreno movediço. A economia brasileira está calejada com experiências semelhantes nas décadas de 1980 e até meados dos 1990, quando os problemas econômicos eram tratados com medidas heterodoxas que não passavam de remédio paliativo.
A taxa de juros é o efeito e não a causa; a questão não é a Selic alta, mas o que a eleva a níveis tão altos e o que a impede de cair. Quando o presidente do BC disse que a queda depende de ações do governo, ele quis dizer o quê?
Há um “segredo” por trás disso que não é discutido claramente. A Selic é a taxa paga pelo governo aos seus emprestadores de dinheiro. Aí entra a história do equilíbrio fiscal. Sem folga no orçamento e endividado até à cabeça, o governo gasta uma montanha de dinheiro pagando juros que poderiam ser destinados para investimentos, se não fosse o compromisso com os juros da dívida governamental que está em R$ 5,87 trilhões.
Informações do próprio BC indicam que de agosto de 2021 a julho de 2022, o governo gastou R$ 586 bilhões com o pagamento de juros, isso equivale a 6,31% do PIB (Produto Interno Bruto).
É também quase o dobro do volume de dinheiro gasto com juros entre agosto de 2020 a julho de 2021. Naquele período, quando a Selic oscilou entre 2% e 4,5% ao ano, os juros totalizaram R$ 323,5 bilhões, ou 3,94% do PIB.
No dia 1º de fevereiro o Copom reuniu-se pela primeira vez no governo Lula. Em comunicado, afirmou que “incertezas no âmbito fiscal” fundamentavam expectativas sobre a alta da inflação. Traduzindo: o BC disse que a possibilidade de aumento de gastos do governo pressionava a inflação.
Lula torceu o nariz! Não gostou nenhum pouco e, em entrevista à Rede TV, disse que o crescimento da economia depende da queda da taxa de juros. Ele, no entanto, não disse do que depende a queda da taxa de juros. A taxa está alta? Está! Precisa cair? Precisa. Mas como fazer isso? O nó está aí.
A economia não admite ideologia, nem interferência política. Não se reduz os juros por pura vontade, mas com base na observância de dados da realidade. É isso que o Copom tem feito e Lula quer que seja ignorado. Do ponto de vista teórico e prático não é uma boa ideia. Aliás, é uma péssima ideia.
Parece que a campanha eleitoral não acabou. Os discursos do presidente dão a impressão de que ainda está em campanha. Um mês se passou desde a posse e nenhum norte foi apresentado para a economia.
Lula precisa entregar o que prometeu na campanha e isso passa pela retomada da economia. No Brasil, se tem emprego o povo perdoa, mas sem isso a vaca vai para o brejo.
O governo está bem avaliado, mas a lua de mel tem prazo de validade, ela não dura para sempre e se os resultados prometidos não forem apresentados, a tensão política tende a se aprofundar.
Ao criticar o Banco Central pelo nível da taxa de juros e com isso atribuir a ele a trava do crescimento, o presidente está se esquivando da imensa responsabilidade que tem que encarar no âmbito fiscal. Parece, na verdade, que está querendo se eximir de responsabilidades futuras quanto a um eventual fracasso que se desenha na política econômica.
* O autor é economista, professor, jornalista, escritor e editor-chefe do Correio9
OS TEXTOS ASSINADOS NÃO REFLETEM, NECESSARIAMENTE, A OPINIÃO DO CORREIO9
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