Elias de Lemos (Correio9)
Como dizia – o antropólogo, escritor e político brasileiro – Darcy Ribeiro: “A crise da educação no Brasil não é uma crise; é um projeto”. Infelizmente, a perseguição ideológica, instaurada no Ministério da Educação do Governo Bolsonaro, mostra que este pensamento fica cada vez mais explícito nas instituições de ensino, principalmente, nos últimos dias, com o anúncio do corte de 30% das verbas das universidades federais.
A agonia das universidades públicas teve início em 2015 com a crise político-econômica que se instaurou no país. Desde então, as universidades públicas vêm recebendo menos verbas para as suas demandas, afetando a todos, sem distinção: docentes, discentes, técnico-administrativos, empresas terceirizadas – que prestam serviços nas instituições – e a sociedade de um modo geral, que é atendida em diversos projetos de extensão universitária e nos hospitais universitários.
O efeito do sucateamento das universidades ficou dentro do ambiente acadêmico, sem um debate com a sociedade. Tanto a população, quanto a mídia só vieram a questionar um pouco a situação das universidades quando o Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) sofreu um incêndio devastador, em setembro do ano passado, em grande medida, pressionados pela grande repercussão nacional e internacional.
O corte de verbas de 30% no orçamento de todas as universidades federais do Brasil anunciados pelo Ministro da Educação, Abraham Weintraub, na última terça-feira, 30, atingirão todas as categorias dos setores terceirizados, como, por exemplo: vigilância, portarias, restaurante universitário, transportes e serviços gerais prestados.
Outro setor de estrutura atingido pela medida é o abastecimento de energia elétrica nas instituições. Não vai haver dinheiro suficiente para o pagamento das contas de energia.
Pior, a medida atingirá diretamente as bolsas de pesquisa, ensino e extensão, prejudicando a sua existência e o desenvolvimento de pesquisas científicas.
O corte de verbas no valor de R$ 5.7 bilhões, inicialmente, atingiria somente as universidades federais da Bahia, de Brasília e a Fluminense e que esse corte era uma retaliação política a essas instituições, que se posicionaram contra o governo Bolsonaro.
Porém, o governo decidiu ampliar o corte para todas as universidades federais no valor de R$ 6.9 bilhões, incluindo os Institutos Federais (IF´s).
É importante esclarecer que as universidades federais são a casa do saber e do conhecimento científico e benéficas para a sociedade, na medida em que proporcionam avanços tecnológicos, sociais e culturais para todos.
A posição do governo é gravíssima porque o objetivo é promover um verdadeiro desmonte na educação pública e gratuita, punindo aos que não concordam com o governo. Isto é ditadura. Isto é o que se chama de doutrinação, tão combatida no discurso presidencial, mas que só vale para os outros, não para o governo. É como um aforismo popular que diz: “Faça o que eu mando, mas não faça o que eu faço”.
O momento é de mobilização de todos os brasileiros para combater essas medidas entendendo a importância da universidade federal, mostrando para toda a sociedade o quanto elas são importantes e necessárias para o desenvolvimento econômico e social do Brasil.
Se o governo de Jair Bolsonaro faz uso de mentiras para se promover e alcançar os seus objetivos, as universidades unidas podem combatê-lo com verdades.
A universidade é um lugar de produção de conhecimento, de eventos, sim, de mobilização, de debates, de seminários que se voltam a questões relevantes para a sociedade, lugar de liberdade de expressão, lugar de relação com a sociedade, com os movimentos sociais, com os diversos setores da sociedade.
É inadmissível que um gestor público possa ser motivado por algum tipo qualquer de punição e perseguição a setores da sociedade. Ao gestor cabe o socorro das universidades – se houver problemas – e não fazer punições a uma universidade ou outra. O que causa estranheza neste bloqueio é que ele não é unidimensional, para todas as universidades. Ele discrimina algumas universidades e faz um bloqueio nestas universidades. Isso, sim, causa surpresa.
Mas o corte de verba, também, não foi surpresa, porque temos, infelizmente, um governo que está em guerra contra a educação e a ciência no Brasil. Um governo que quer impor sua doutrinação ideológica a qualquer custo.
O governo Bolsonaro nunca foi capaz de apresentar qualquer tipo de projeto para a educação brasileira (bem como para nenhuma outra área) e transformou o Ministério da Educação na ponta de lança de uma agitação ideológica, afirmando que a educação brasileira é tomada por pessoas de esquerda, é perdulária, doutrina os estudantes, desqualificando todo o trabalho de formação, de pesquisa que é feito nas universidades. Toda esta falácia visa impor a sua doutrina.
Em se tratando da UnB, foi claramente porque o candidato derrotado na eleição presidencial, Fernando Haddad, esteve em um evento promovido pelo Centro Acadêmico da Universidade, na semana passada. Ele esteve no evento e foi recebido por estudantes.
Não foi um evento oficial da universidade, mas um evento de um órgão de representação estudantil. Não que a universidade não pudesse convidar um político, que também é professor, para um evento oficial.
O encontro levou milhares de pessoas à UnB e em seguida a verba da universidade foi cortada. É uma coisa infantil, mas infelizmente, a infantilidade e a picuinha – com setores da sociedade organizada – são as marcas deste governo.
O fato de o professor Luis Felipe Miguel ter criado o curso “O Golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil”, que foi replicado na UFBA e em outras universidades, pode ter sido o estopim para a retaliação imposta pelo ministro.
Semana passada, por exemplo, este mesmo ministro falou que os cursos de Filosofia e Sociologia tinham de ser fechados porque “não davam retorno à sociedade”. É um governo que não tem o menor respeito pelo conhecimento, nem pelo princípio constitucional, no Brasil, da autonomia universitária.
É um governo que não respeita quem pensa, pelo contrário, valoriza e enaltece a ignorância. É um governo que não quer proporcionar à população, uma educação humanista, essencial ao seu processo de desenvolvimento civilizatório, mas, paradoxalmente, prega a deseducação, a alienação e a violência social.
Universidades estão organizando uma greve para o dia 15 de maio; o ideal seria uma atividade que ao mesmo tempo fortalecesse a coesão interna das instituições e por outro lado aumentasse o diálogo com a sociedade. Porque isso é outra coisa que incomoda o governo.
Eles querem intimidar professores e universidades a qualquer custo, para romper com o debate social e o (des)governo que se instalou no Brasil desde janeiro. No entanto, pelo contrário, é um momento oportuno para o fortalecimento do diálogo entre a academia e a sociedade, de a universidade mostrar para a sociedade qual é o seu papel. Só assim, será possível resistir aos desmandos deste governo e construir um Brasil mais justo e menos autoritário.
PS: Depois da reação negativa, o governo disse que a verba retirada das universidades será utilizada na educação básica. Com isso, vai convencer àqueles que areditam em papai noel e no coelhinho da páscoa.
* O autor é economista, professor, jornalista,
escritor e editor-chefe do Jornal Correio9
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