Elias de Lemos (Correio9)
O casamento entre o prefeito de 65 anos e uma adolescente, de 16 anos, na cidade de Araucária, no Paraná, deu o que falar e acendeu a discussão sobre o assunto. Um dia depois do casamento, ele nomeou a mãe da menina para a Secretaria de Cultura do município. Diante da repercussão do caso, ela foi exonerada do cargo.
Não se trata de julgamento sobre sentimentos e nem sobre a vida de ninguém. Mas, de refletir sobre a perpetuação de uma cultura que se repete no tempo.
O Brasil se formou como uma sociedade patriarcal em que esse tipo de relacionamento se tornou um padrão. No período colonial, o “senhor” era o proprietário de tudo e de todos. Era ele quem mandava na produção, era o dono dos escravizados, das suas filhas e seus serviçais.
Assim, era comum o marido ser bem mais velho que sua jovem e bela esposa. Esse sempre foi um artifício usado pelos homens para se sentirem mais joviais, poderosos e invejados. É um tipo de relacionamento baseado na desigualdade, sem correspondência de igualdade. O que predomina é a hierarquia social, física e econômica ente o casal.
Por outro lado, essa desigualdade estrutural gera desdobramentos, como gravidez precoce (muito arriscada), violência doméstica, abandono dos estudos e manutenção da diferença entre gêneros.
A lei permite o casamento a partir de 16 anos, desde que seja autorizado pelos responsáveis. Nesse ponto surge mais um lado dessa perversão social: não raro, pais e mães são os próprios facilitadores, oferecendo suas filhas em troca de favorecimento econômico. São inúmeras histórias assim. Como a do Paraná.
Neste caso específico trata-se de negociação mesmo. O casamento, a nomeação para um cargo de confiança com um salário gordo expõem um nepotismo velado: o uso da esfera pública para interesses particulares.
Mais do que o casamento, é preciso considerar que – de acordo com o que foi noticiado depois – ele já namorava a adolescente desde que ela tinha treze anos. Aí configura pedofilia mesmo! É abuso de verdade. Ademais, a mãe “cobrou vantagem” em troca do casamento da filha. Aliás, tudo foi feito com anuência dela. Tudo censurável.
Uma mãe deveria zelar pela integridade da filha e mostrar a ela uma visão de futuro e não a entregar a uma eterna dependência financeira. Um idoso deveria ser protetor de pessoas mais jovens por meio de conselhos e da sabedoria que a vida lhe deu.
É abominável se valer da diferença de idade, da posição social e política, como aconteceu nesse caso, para se casar e exibir uma “ninfeta”. Que menina não gostaria de morar em um palácio, confortável, com luxo, sem se preocupar com dinheiro ou trabalho? A questão é o preço exigido para isso. Em busca de um príncipe, acaba encontrando um sapo.
O patriarcado é um sistema marcado pela desigualdade entre homens e mulheres. Nele, o exercício de poder pertence ao homem, enquanto a mulher fica reduzida com possibilidades limitadas e submissa ao papel masculino.
A sociedade patriarcal privilegia homens por meio das principais instituições que modelam as relações sociais como família, religião e trabalho, entre outras. O sistema proporciona poder aos homens para se colocarem acima das mulheres e decidir sobre quais posições elas devem ocupar na sociedade.
Por ter surgido no ambiente familiar, o homem era o dono da família com poder total sobre a mulher e suas filhas. No entanto, algumas mudanças vêm acontecendo em razão da luta feminina por mais espaço. Alguns especialistas consideram que o movimento feminista, por exemplo, é um reflexo da sociedade patriarcal.
São muitos exemplos cotidianos que podemos citar como reflexos da sociedade patriarcal, iniciando pelo simples e perigoso fato de mulheres não se sentirem seguras para sair na rua sozinhas, principalmente à noite. Porém, de forma mais ampla, podemos destacar a violência contra mulheres e a discriminação no mercado de trabalho.
Até quando isso vai durar? Só o tempo poderá responder, mas, as mulheres seguem gritando e o feminismo não tem volta, veio para ficar.
Em um artigo publicado em 2018 na Revista Bula, a doutora Rebeca Bedone recomenda: “Mulheres, estudem! É libertador não depender de um homem”.
* O autor é economista, professor, jornalista, escritor e editor-chefe do Correio9
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