Elias de Lemos (Correio9)
Uma manobra rápida do presidente da Assembleia Legislativa do Espírito Santo (ALES), Erick Musso (Republicanos), antecipou em mais de um ano a eleição da Mesa Diretora da casa. Em apenas três dias, Musso mudou a Constituição Estadual, convocou e realizou a eleição em que ele, sem concorrente, foi reeleito.
Foi, sem dúvida, uma ação autocrática, antidemocrática e mal formulada. Ele, e seu grupo de apoiadores não avaliaram o impacto de tamanho disparate. Ele tinha em mente, apenas a ambição de se manter no cargo, sem o mínimo zelo pela democracia.
O poder Legislativo representa o centro nevrálgico do debate democrático. A Assembleia é a casa do debate. Mas, Erick Musso desprezou o diálogo e a transparência ao surpreender a população capixaba e a quem poderia se opor à sua atitude imperial.
A oposição recebeu a surpresa sem nenhuma chance de se organizar ou barrar o golpe de Musso e seus aliados. O projeto que permitiu a antecipação da eleição sequer deveria ter sido apresentado, mas, foi aprovado na segunda-feira (25 de novembro). Na quarta-feira (27) o golpe foi efetivado com a reeleição do atual presidente, em uma votação que deveria acontecer em fevereiro de 2021.
No entanto, a repercussão foi imediata gerando críticas por todos os lados. A manobra jogou Erick Musso na berlinda e a chapa não resistiu à pressão e foi obrigada a renunciar na última quarta-feira, uma semana depois de iniciada a polêmica e de muito desgaste para o presidente.
Além dele como presidente e Marcelo Santos (PDT), como vice, a futura Mesa Diretora seria composta também pelo Torino Marques (PSL), 2° vice-presidente; Adilson Espindula (PTB), 1° secretário; Freitas (PSB), 2° secretário; Marcos Garcia (PV), 3° secretário; e Janete de Sá (PMN), 4° secretário.
O anúncio da convocação da eleição, há uma semana, deixou os opositores perplexos. Ao todo, 29 dos 30 parlamentares estaduais participaram da eleição. A ausência foi Theodorico Ferraço (DEM), que não estava no plenário. Votaram contra a chapa os deputados Fabrício Gandini (Cidadania), Iriny Lopes (PT), Luciano Machado (PV), Dary Pagung (PSB) e Sergio Majeski (PSB).
O deputado Sergio Majeski (PSB) cobrou transparência: “Eu confesso que estou chocado. Eu nem tenho palavras para o que está acontecendo aqui. As pessoas não sabiam disso. Isso não é democrático”.
Em seguida o deputado Fabrício Gandini (Cidadania) protestou contra o tempo de cinco minutos (isso mesmo, cinco minutos) destinado à apresentação das chapas, sendo que a de Musso já estava pronta: “Ninguém tem problema em perder. Eu estou pedindo razoabilidade da Presidência para um prazo maior para que a gente se organize e inscreva as chapas”.
Por sua vez, a deputada Iriny Lopes (PT) demonstrou perplexidade e criticou a rapidez da eleição: “Eu também estou muito surpresa. A eleição de uma Mesa Diretora requer tempo e conversa. Nós não estamos aqui fazendo registro. Estamos falando da Mesa Diretora do Poder Legislativo. Precisamos de um mínimo de tempo condizente com relevância da eleição”.
O último oponente a falar foi o deputado Luciano Machado (PV). Ele faz parte da atual Mesa Diretora. “Não vejo necessidade de ser votado esse ano. Fui surpreendido com a informação de que a votação já seria hoje. Como primeiro-secretário da atual Mesa, deveria ter sido comunicado. Tenho a impressão de que eu não sou de confiança. Sempre tive uma relação cordial e de respeito com os outros parlamentares”, disse.
O estelionato promovido pelo grupo do presidente solapou a democracia e o colocou sob suspeição. A pressa impediu qualquer chance de escolha dos demais deputados. Tudo foi feito por baixo dos panos. Um verdadeiro golpe mascarado de democracia.
Mas, para Musso e seu grupo, tudo estava dentro da normalidade, uma vez que estava dentro da lei feita de forma casuísta para atender aos seus interesses. Ele só não contava com a reação, também, fora da ALES.
Confirmada a sua recondução ao cargo, como tem sido corriqueiro na política brasileira, no discurso da “vitória”, Musso citou a Bíblia e o nome de Deus para justificar o golpe encabeçado por ele.
Além de invocar a Bíblia, ele declarou que o Poder Legislativo manterá o apoio ao Executivo: “Nós vamos continuar dando estabilização e governabilidade ao Executivo. Quando o interesse público, a estabilização dos Poderes, o bem-estar das pessoas estiver (sic) à mesa, as divergências políticas e partidárias serão colocadas de lado”.
No entanto, as palavras do presidente não coadunam com a sua atitude golpista. Bem-estar de quais pessoas? De Musso e seu grupo. “…Divergências políticas serão colocadas de lado…”, não foi isso que ele fez ao manipular sorrateiramente a sua reeleição, levando vantagem sobre os opositores.
A atitude do presidente da ALES precisa ser refletida. Qual o seu interesse nessa antecipação? Qual o sentido da perda de tempo com uma proposta esdrúxula como essa? Por que ele se expôs a tamanho desgaste político?
Logo após o anúncio da eleição, em um grupo de WhatsApp, jornalistas conjecturaram sobre os reais interesses do deputado, e eles, supostamente, têm a ver com a corrida eleitoral de 2022. Para consolidar sua estratégia ele precisa garantir a sua permanência na Presidência a fim de controlar a tramitação de projetos de interesse do governo do Estado; portanto, exatamente o contrário do que pronunciou em seu discurso.
Ironicamente, Musso é filiado ao partido Republicanos, mas, a sua manobra não foi nenhum pouco republicana.
* O autor é economista, professor, jornalista, escritor e editor-chefe do Correio9
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