Elias de Lemos (Correio9)
Quando se pensa que o show de horrores esgotou seu repertório, vem mais. É inesgotável! Em um evento pró-armas, realizado em Brasília, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (o 03), filho do ex-presidente Jair Bolsonaro fez uma afirmação inacreditável. Em cima de um carro de som ele afirmou que “professor doutrinador é pior que traficante de drogas”. Normal para quem não tem nenhum apreço pela educação e a cultura.
Ele disse: “Não tem diferença de um professor doutrinador para um traficante de drogas que tenta sequestrar e levar os nossos filhos para o mundo do crime. Talvez até o professor doutrinador seja pior”. Inacreditável, não é?
Após a afirmação, ele foi criticado por todos os lados do cenário político, mas, mesmo assim, inacreditavelmente, ele usou as redes sociais para reafirmar sua declaração contra os educadores e educadoras. E não parou por aí, também disparou ataques contra o ministro da Justiça, Flávio Dino, que determinou que a Polícia Federal (PF) investigue os discursos do 03.
Além disso, “Duduzinho” usou um artifício que sempre criticou: a vitimização à lá “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. “Um ministro da Justiça mobilizar a PF para investigar minha analogia sobre doutrinadores, que se aproveitam da posição de professores para escravizarem pela ideologia, agirem como traficantes que escravizam pela droga, ambas as situações propiciadas pela ausência do pai no dia a dia dos filhos, é mais um degrau da escalada autoritária no Brasil”, escreveu no Twitter. Olha quem está falando em autoritarismo!
E o devaneio não para por aí”, em seguida, Eduardo Bolsonaro afirma que a PF está sendo usada para atender “desejos autocratas comunistas”. Ele continua: “Lamentável ver a Polícia Federal, instituição da qual orgulhosamente faço parte (para vergonha da PF), ser utilizada politicamente para satisfazer desejos autocratas de comunistas, enquanto verdadeiros criminosos parecem não incomodar tanto”. De uso das instituições a favor de interesses escusos ele e seu “papito” entendem muito bem.
Sem nenhum pudor, sem nenhuma vergonha, o deputado volta a praticar aquilo que sabe fazer melhor: utilizar fake news: “Impressiona um ministro que é tão ágil na hora de se beneficiar politicamente, ter sido tão lento, logo na ocasião em que agir rápido não lhe daria benefícios, como no 8 de janeiro”.
O 8 de janeiro foi um dia de vergonha para o País quando a democracia sofreu o seu pior ataque desde o fim do regime militar (em 1985).
Apesar da acusação e das tentativas de atribuir a intentona golpista ao ministro Flávio Dino e ao presidente Lula, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investiga os atos golpistas avança em outra direção: está claro que o mentor do golpe é o pai de Eduardo Bolsonaro, o ex-presidente, em conluio com outros desejosos da perpetuação de Jair no poder. Entre eles, o senador capixaba, Marcos Do Val (Podemos).
Como um intelectual de boteco, sem nenhum compromisso com a verdade e o apego exacerbado à mentira, Eduardo Bolsonaro foi além ao criticar o Ministério da Justiça e a Venezuela e comentou sobre a CPMI. “A Venezuela é o país mais violento do mundo e o Brasil vai voltar a caminhar nesse sentido, infelizmente vai roubar muita vida de inocente porque os caras do Ministério da Justiça não querem dar o acesso à legítima defesa a todos nós”.
De acordo com o Instituto de Economia e Paz (IP), o país mais perigoso do mundo atualmente é o Afeganistão, seguido pelo Iêmen e pela Síria.
Na semana passada ele foi humilhado na internet ao cometer um erro primário, típico de quem desprezou as aulas de geografia. Estupidamente, ao criticar a reforma tributária do governo Lula, o 03 postou um mapa do Brasil colocando os estados da Bahia e Sergipe na Região Sudeste, sendo que eles se localizam do Nordeste. E o Estado de São Paulo ele tirou do Sudeste e levou para a Região Sul. Isso foi feito por um deputado federal, filho de um ex-presidente! Vergonha alheia pouca é bobagem! Depois ele apagou a publicação, mas o “leite já estava derramado”.
Na declaração estapafúrdia contra professores, se por um lado ele ofende os educadores, por outro, Eduardo Bolsonaro acabou enaltecendo traficantes. Além da investigação determinada, à PF, pelo ministro Dino, o PSOL e deputados acionaram o Supremo Tribunal Federal (STF), a procuradoria Geral da República (PGR) e o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados para apurar a fala criminosa de Eduardo.
A declaração contra os educadores é um estímulo para ações contra os professores, para impedi-los de lecionar conteúdos que não sejam aceitos pela sua visão de mundo. É importante, também, contextualizar que a fala foi feita em um evento pró-armas em um momento com recorrentes ataques violentos às escolas e ao professorado Brasil afora. Ataques que têm deixado rastros de sangue e dilacerado famílias.
O discurso tresloucado de Eduardo Bolsonaro constitui um exemplo dos tempos que vivemos entre 2019 e 2022 e que lutamos para que fique, apenas, na lembrança. Um período em que seu pai e toda a corja de apoiadores instituíram um novo paradigma investindo contra a escola pública e aqueles que a duras penas a põem em funcionamento – alunos e alunas, professores e professoras e demais profissionais da educação.
Foram colocados como os novos inimigos da pátria a serem combatidos. No entanto, se o paradigma é novo, a forma de atuação dos Bolsonaro e sua turma não o são. Como seus correlatos regimes nazifascistas, a mentira tem sido a principal arma do bolsonarismo para desclassificar e desacreditar os adversários e criar um clima social e político de que é necessário eliminá-los para o bem da Nação.
Defender a escola pública é capital. É a mais catalizadora e inclusiva de todas as instituições republicanas. E é, em determinada medida, por isso que ela é sistematicamente atacada pelos bolsonaristas vorazes defensores dos privilégios de alguns e das desigualdades reinantes na sociedade brasileira.
O que eles querem é evitar que a escola pública, mesmo que minimamente, se configure como uma ameaça ao status quo, seja pela inclusão dos “outros” que sempre estiveram alijados, seja pela possibilidade de crítica que a educação representa.
Mas, ainda há esperança! Se por um lado o bolsonarismo é herdeiro daquilo que de pior tivemos em nossa história, por outro lado, nossa herança é outra: estamos ao lado de Paulo Freire, Nísia Floresta, Anísio Teixeira, Maria Lacerda de Moura, da Pagu, Mário de Andrade, Florestan Fernandes, Aparecida Joly Golveia e de milhões de professores e professoras que, anonimamente e silenciosos fazem a diferença na infância e na transformação do mundo para melhor.
É na direção desses exemplos que devemos avançar para derrotar o que o bolsonarismo representa: uma tragédia.
* O autor é economista, professor, jornalista, escritor e editor-chefe do Correio9
OS TEXTOS ASSINADOS NÃO REFLETEM, NECESSARIAMENTE, A OPINIÃO DO CORREIO9
Comente este post