Elias de Lemos (Correio9)
Em 2015, ao responder numa entrevista sobre a permanência da, então, presidenta Dilma no cargo, o atual presidente Jair Bolsonaro afirmou: “Espero que o mandato dela acabe hoje, infartada ou com câncer, ou de qualquer maneira”.
A ex-primeira-dama, dona Marisa Letícia, esposa do ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, morreu no dia 2 de fevereiro de 2017, aos 66 anos, em razão de complicações causadas por um AVC hemorrágico.
Quando ela foi internada no hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, começaram a circular, em grupos de WhatsApp, mensagens de médicos desejando a sua morte e algumas até sugeriam uma forma de abreviar seu fim.
Logo após o anúncio da morte da ex-primeira-dama a internet foi inundada de comentários chocantes, a exemplo do que aconteceu quando foi divulgada a internação de dona Marisa.
O menino Arthur Araújo Lula da Silva, neto do Lula, morreu no dia 1º de março de 2019, aos 7 anos de idade, e os comentários maldosos acerca do falecimento geraram revolta nas redes sociais.
Como se fosse normal, internautas comemoraram a perda do ex-presidente com mensagens desumanas, enquanto outros reagiram com risadas nos posts publicados por veículos de comunicação noticiando a morte da criança. Isso mesmo: comemoraram a morte de uma criança de 7 anos.
Em todas essas ocasiões, os apoiadores do Lula manifestaram indignação pela falta de humanidade, compaixão e empatia com a dor do outro.
No entanto, ainda não havia sido confirmado que Jair Bolsonaro testara positivo para o novo coronavírus, mas a torcida pela sua morte já começara. Depois da confirmação, a hashtag “força corona” tornou-se uma das mais presentes nas redes sociais.
Neste sentido, extremistas de direita e de esquerda se igualam: pela inexistência de humanidade, compaixão e empatia com a dor do outro. Não me refiro aqui à ‘direita’ nem à ‘esquerda’, mas aos extremistas dos dois lados.
Estes dois comportamentos expõem a face mais perversa do povo brasileiro. Não, apenas, pela ausência mínima de decência diante de alguém que está morto, ou que está sofrendo pela perda de um ente ou de alguém que corre o risco de morrer, mas pela morte do diálogo e da razão. Enfim, quando a política não tem mais lugar, pois ela está morta: quando se torce pela eliminação do adversário pela morte, não pela sua derrocada nas urnas ou no Congresso, mas, por diferenças ideológicas, a democracia entra em derrocada.
Os dois extremos levaram a política brasileira a uma degradação que lembra o mundo da pistolagem: uma vez que não se consegue derrotar o inimigo, passa-se a maquinar a sua eliminação, a sua morte.
Neste ambiente, os princípios básicos da convivência são eliminados e cada lado passa a viver com a sua razão, com a sua verdade.
Mas, como chegamos a esse nível de barbárie? Como uma nação pode sofrer tamanha ruptura em tão pouco tempo?
Depois de quase três décadas de luta para governar o País, a esquerda chegou ao poder em 2003. Lá ficou por treze anos; os oito primeiros foram de bonança, mas depois a economia foi enfraquecendo até começar a encolher; o desemprego aumentou e simultaneamente os escândalos de corrupção engendraram uma crise política sem precedentes no Brasil. E, para completar o cenário degradante, a politização do judiciário e da imprensa ajudou a pavimentar o caminho da tragédia política brasileira.
Se sentindo traída pela esquerda que prometera ética política, parte da população se revoltou. A ação do judiciário e da imprensa assentiu a mudança para o outro extremo, saindo da esquerda para a extrema direita.
O País entrou em um ambiente infestado por sentimentos ideologizados, deflagrando um clima hostil entre partidários que apoiam uma agenda de propostas beligerantes como antítese dos antagônicos aos seus posicionamentos.
Assim, a política abandonou o debate para cair no mais profundo desentendimento, levando a uma colisão entre convicções que, como a água e o óleo, não se misturam, jamais.
Nesse ambiente, sem alguma liderança nacional, criou-se o discurso do “nós e eles”. Essa emblemática ambivalência causou uma repentina divisão capaz de unir as pessoas em lados opostos de tal forma que a razão foi abandonada.
Para a direita, a esquerda “não vale nada”, aliás, o presidente Bolsonaro disse: “Vamos metralhar essa petralhada”. O que isso quer dizer? No outro extremo, a esquerda pensa o mesmo sobre a direita. Ambos desejam a morte do outro.
Esses dois conjuntos de emoções apaixonadas e ideologizadas resultaram, implacavelmente, na produção de uma sociedade que vive uma guerra ideológica.
E quem já discutiu política sabe o quanto é difícil esclarecer quem está enganado. Mas, em se tratando de extremistas, essa possibilidade é inexistente.
Os dois lados erram, mas, não estão totalmente errados! Só que não reconhecem suas fraquezas!
Vivem com suas razões, sem separarem o joio do trigo! É muito importante separar o que deve e o que convém, ou não, à sociedade.
Só enxergando e fazendo esta separação será possível remendar o nosso tecido social. Os dois lados têm intenções. O problema é as quais interesses elas atendem.
* O autor é economista, professor, jornalista, escritor e editor-chefe do Correio9
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