Elias de Lemos (Correio9)
A música Alvorada Voraz, lançada em 1986 no disco Rádio Pirata Ao Vivo, é uma composição de Luis Schiavon, Paulo Pagni e Paulo Ricardo (o quarto componente da banda era Fernando Deluqui). A letra tem as características marcantes da banda com estilo pop e canções altamente politizadas. O RPM foi uma banda que usou e abusou o rock para falar de política.
Alvorada Voraz se tornou conhecida do público há 37 anos. No entanto, parece que foi composta hoje, criticando os horrores causados pela sangrenta Ditadura Militar, a corrupção dos poderosos, a escalada da violência no Brasil traduzindo aquele momento do País como um filme de terror.
De lá para cá são quase quatro décadas, mas a música é muito atual, dado que aquele filme de terror, descrito na letra que fala da realidade, continua em cartaz.
A música aborda a violência que impera no Brasil, a qual transmite um medo constante e faz a população refém dele dentro de uma sociedade igualmente refém da marginalidade dos marginais assumidos e dos marginais engravatados que infestam a política brasileira; mas que se dizem honestos, homens de bem e não têm o menor pudor em falar o nome de Deus.
A composição aborda e denuncia o nosso comodismo que nos põe como expectadores desse filme trágico que corrompe, mente e mata.
Infelizmente, desde antes da música, vivemos nesse lamaçal; depois dela o filme permaneceu atualíssimo e mais uma vez estamos “nesse mundo assim, vendo o meu tempo passar”.
“Fardas e forças/Forjam as armações/Farsas e jogos/Armas de fogo/Um corte exposto/Em seu rosto amor”. Mudou alguma coisa?
A música tem duas versões, a segunda foi feita no ano de 2002, quando o filme continuava em exibição. Agora há ingredientes de sobra para uma terceira versão e, apenas, por um milagre daqui há 10, 15, 20, 30 anos a letra não terá subsídio para se atualizar.
Na primeira versão, são cantados fatos criminais de grande repercussão, a indecência na política, crimes dos homens de gravata e a repugnante tortura dos militares: “O caso Morel, o crime da mala, Coroa-Brastel, o escândalo das joias. E o contrabando de um monte de gente importante envolvida. Juram que não torturam ninguém. Agem assim pro seu próprio bem”. Você ouviu falar de algum escândalo de joias ultimamente? Alguma semelhança com os dias atuais? Ou seria apenas coincidência?
Para a segunda versão, as questões abordadas vão do final dos anos 1980 até a virada do século: “O caso Sudam, Maluf, Lalau, Barbalho, Sarney. E quem paga o jornal é a propaganda, pois nesse país é o dinheiro quem manda. E juram que não corrompem ninguém”. Alguma semelhança com os dias atuais? Ou seria apenas coincidência?
A política brasileira sempre foi um esgoto habitado por vermes, ratos e baratas (com algumas poucas exceções).
No entanto, na atualidade parece que nossos políticos fazem curso de baixaria, dissimulação, de como cambalachar, mentir melhor, chega a ser inacreditável a capacidade deles, tamanha é a calhordice.
E parece que a capacidade e a desfaçatez na política é um terreno sem fronteiras. Vence quem mente melhor, e nisso, há muitos PHD’s no Brasil. Se existisse prêmio Nobel de corrupção, não sobraria para nenhum outro país, o Brasil estaria no topo da lista.
Mas, por que uma tragédia dessa permanece tão enraizada no país?
A corrupção na política brasileira é de conhecimento universal. O mundo inteiro sabe. Porém, em uma democracia, qual o papel do eleitor na corrupção? Seria a corrupção uma característica dos políticos ou o eleitorado também está corrompido?
Vou citar um exemplo: na eleição municipal de 2012 eu estava na casa de um amigo e conversávamos sobre a disputa eleitoral, quando a esposa dele perguntou: “Em quem nós vamos votar? Ele respondeu: em fulano, porque foi ele quem deu o lote”. Precisa explicar?
Esse mesmo amigo se intitula Direita e não vota no Lula porque o Lula “é corrupto”. Esse mesmo amigo vota no Bolsonaro porque ele “é honesto”. Esse amigo é corrupto ou não?
No Brasil, eleição é um vestibular para escolher os novos corruptos; se bem que quando o cara é bem corrupto mesmo ele é amado e não perde o posto. Quanto mais safado, mais ele convence o eleitor. Enquanto os votantes continuar com essa paixão cega por políticos, vamos continuar na lama, buscando culpados e defendendo ladrões.
Acorda Brasil, já passou da hora da alvorada voraz. Até quando vamos permanecer assistindo a esse filme de horror?
* O autor é economista, professor, jornalista, escritor e editor-chefe do Correio9
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