Roney Marcos Pavani
São dois os maiores medos na condição do homem: a loucura e a morte. Difícil dizer, de ambos, qual o mais terrível. O primeiro, embora não destrua necessariamente o corpo e, por isso mesmo, possa ser revertido ou minorado, é a única força capaz de erradicar o conhecimento adquirido ao longo da vida. De que adianta um corpo sadio em uma alma que não é mais dona de si? O segundo, por sua natureza, é fatal, e dispensa maiores reflexões. Que existe algo para além dele, é bastante provável. O universo não seria tão caprichoso ao ponto de nos dar apenas um mundo físico para viver. Admitir isso seria crer irracionalmente no acaso. Todavia, por mais sofisticadas e esperançosas que sejam as teologias desenvolvidas pelos quatro cantos do mundo, de rústicas tribos a suntuosas catedrais, nada é capaz de descrever com exatidão as circunstâncias da existência fora desse mundo físico.
Em outras palavras, por mais diversos que sejam os seus métodos, a loucura e a morte são idênticas em um ponto: uma vez que venham nos visitar, não importando a duração dessa visita, nos roubam a consciência e a vontade. O homem se torna ou um escravo – de outros homens, de anjos ou de demônios – sem saber para onde será levado; ou uma sombra atemporal que, para todos os efeitos, com ou sem sofrimentos, simplesmente é. Portanto, não é de surpreender que elas, longe de serem rivais, possam unir esforços de alguma forma.
Ora, o pavor da morte, ainda que provado em pequenas doses, conjugado com todos os esforços abusivos para evitá-la, pode enlouquecer uma pessoa. Igualmente, a loucura funciona como uma espécie de isca ou chamariz. Um homem louco não teme a morte e, por isso mesmo, torna-se imprudente e temerário diante dela. Pode pôr a sua vida ou a de terceiros em risco. Além disso, é claro, a loucura pode conduzir à morte de uma maneira mais direta, por meio do suicídio.
A princípio dissemos que não é possível determinar qual das duas é mais forte. Sim, porém o medo de morrer é, sem dúvida, o mais remoto. É natural, instintivo, existe desde os tempos das cavernas. O medo de enlouquecer, por outro lado, é refinado, pressupõe um certo nível de sofisticação e complexidade. É um temor urbano, social. Isso se reflete na história do homem enquanto espécie, mas também enquanto indivíduo. As crianças temem a morte – por meio de uma doença, de um acidente ou de um assalto, mas não fazem ideia do que é a loucura para poderem temê-la. Os muito velhos, por outro lado, estão bem próximos da morte e, por isso mesmo, adquirem com ela já um certo grau de intimidade. Grau suficiente para não se impressionarem, ao menos não tanto quanto o medo de se tornarem dementes e inválidos, e o constrangimento insuportável de terminarem os seus dias como um estorvo.
Que dizer, então, quando ambas – a morte e a loucura – investem ao mesmo tempo? A seguir-se a linha de raciocínio do parágrafo anterior, o momento perfeito para esse ataque é quando se está “a meio caminho desta vida”, para fazer referência aos primeiros versos da Divina Comédia, de Dante. O poeta não usou da expressão ingenuamente para dizer que foi naquele preciso momento quando achou-se a “errar por uma selva escura, longe da boa via, então perdida”. Jovem ainda para temer por sua vida, mas já velho o bastante para sentir a insanidade a lhe corroer o espírito.
Pois é precisamente nesse momento da vida, na longa transição da juventude para a velhice, que o homem se torna responsável por outras pessoas. Ou seja, é quando geralmente se dá em casamento, cria filhos e obtém o emprego dos seus sonhos. É quando tudo lhe parece poeticamente perfeito, tal qual uma estrofe dantesca.
Entretanto, ao mesmo tempo, a maturidade lhe dá a certeza de que a perfeição é irmã gêmea da instabilidade. O casamento se desfaz, somam-se erros irreparáveis na criação dos filhos, perde-se o emprego por razões que só a fortuna reconhece. Tudo o que foi construído durante anos, ou até décadas, pode ruir, e sua ruína será completa, uma vez que só se pode perder o que se tem. Diante disso, a possibilidade, por mínima que seja, de perceber que a vida foi um imenso desperdício, não é motivo para baixar a guarda e deixar os exércitos da morte e da loucura tomarem seu castelo de assalto?
A meia-idade é a época mais sombria da vida.
* O autor é mestre em História pela UFES e professor do IFES em Nova Venécia
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