Elias de Lemos (Correio9)
Há um ditado popular que diz que se deve “fazer o bem sem olhar a quem”. No entanto, em tempos de intolerância, falta de empatia e extremismos, gestos de compaixão e solidariedade se tornam raros. Talvez o comportamento geral, nos dias atuais, possa explicar a surpresa que o gesto do veneciano Daniel Lubiana Portas, de 28 anos, causou em quem assistiu ao vivo e em quem tomou conhecimento pelas redes sociais.
No domingo, 28 de junho, depois de tantos dias de reclusão – desde que começou a pandemia do novo coronavírus – Daniel decidiu sair com a filha, Liz Oscar Lubiana, de dois anos, e a mãe, dona Dalila Lubiana, para um breve passeio de carro e espairecer as duas.
Era início da tarde quando saíram com destino à Gameleira, na região da APA da Pedra do Elefante, em Nova Venécia. Ele contou ao Correio9 que foi, apenas, “uma volta”, com os devidos cuidados para não se exporem aos riscos de contaminação.
O passeio durou pouco tempo e transcorreu tranquilamente. Porém, na volta para casa, Daniel se deparou com uma cena que lhe chamou a atenção. Ele narrou que dirigia rumo à Cidade Alta, quando no início da subida da Avenida Guanabara (em frente a um supermercado), viu uma mulher deitada no meio da rua.
“Vários carros estavam passando, havia pessoas na rua também, mas ninguém parava. Não havia como eu parar na hora, então eu mudei a rota e dei uma volta no quarteirão para retomar pelo mesmo caminho e ver o que acontecia”, disse.
Daniel retornou e parou o carro próximo à mulher. Ele desceu do veículo, se agachou próximo dela e perguntou por que ela estava lá. Em resposta, a mulher, transtornada, pediu para deixá-la, pois ela queria morrer.
Diante da reação dela, ele foi espirituoso e procurou acalmá-la; pediu a ela para se levantar se dispondo a ajudá-la a caminhar até o ponto de ônibus, há poucos metros de onde ela estava. Ela aceitou!
Sentado ao lado da mulher, no ponto de ônibus, ele continuou a conversa, momento em que descobriu o nome dela: Anita. Ela foi se descontraindo e, foi aí que ele lhe fez uma proposta: se ela o esperasse, sentada no banco do ponto, ele compraria um presente para ela. Novamente ela concordou!
Após o combinado, Daniel se dirigiu a uma padaria no Centro da cidade e comprou uma caixa de bombons. Ele disse que ficou em dúvida se ela esperaria ou não.
Porém, de volta ao ponto de ônibus, ela estava esperando, sentada no mesmo lugar em que fora deixada. Ele conta que ao vê-lo retornando, ela abriu um “grande sorriso”. Daniel sentou-se ao lado da senhora Anita, abriu a caixa de chocolates e ofereceu-lhe um bombom. Ela aceitou, ele pegou um também, e os dois comeram enquanto conversavam.
Em seguida, ele perguntou se ela tinha família. Anita respondeu que mora com uma irmã; Daniel propôs levá-la em casa, novamente ela aceitou sorridente!
O carro só possui dois lugares na cabine, mas, possui carroceria! Ela subiu e eles partiram; do início da subida da Guanabara, para o Bairro Betânia.
Ele parou na descida da rua em que ela mora, no Betânia. Ela desceu do carro e foi feliz para casa!
Daniel, dona Dalila e a pequena Liz seguiram para a reclusão da quarentena. Deixou Anita em casa e com uma situação emocional estabilizada. Ele e a família seguiram mais felizes ainda!
Ao chegar em casa, ele não parava de pensar no assunto! Pensou tanto que resolveu compartilhar com os amigos, em sua rede social no Facebook.
Ele publicou um texto junto com as fotos feitas pela mãe (ele disse que não a viu fotografar):
Hoje eu conheci Anita!
Voltando do meu passeio com a Liz, me deparei com uma pessoa jogada no meio da rua, prestes a ser atropelada.
Parei o carro e perguntei por que ela estava ali; logo ela me respondeu que queria morrer, que era pra deixá-la ali. Levantei-a e disse que iria comprar um presente se ela me esperasse sentada no ponto de ônibus.
Corri à padaria, comprei uma caixa de bombons. Quando eu voltei ela estava lá sentadinha no mesmo lugar, me esperando, mostrei a caixa a ela, logo o rosto dela abriu um grande sorriso.
Sentamos, comemos um bombom cada um, conversamos um pouco e ela pediu que eu a levasse em casa.
Às vezes julgamos as pessoas por estarem bêbadas ou jogadas no chão, mas nem sabemos por qual motivo ela se encontra naquela situação, talvez um filho doente, falta de dinheiro, a perda de um ente querido ou perda de sentido da vida. Precisam só de um pouco de afeto e carinho para mudarem de estado de espírito e quem sabe levantarem dali e seguirem em frente. No fundo, TODOS NÓS buscamos a FELICIDADE.
Sou grato à senhora Anita por ter adoçado meu domingo e ter me dado uma grande lição.
Para sua surpresa, a publicação rendeu muitos comentários dos amigos; o que seria normal. Porém, eles foram compartilhando e compartilhando! E os amigos dos amigos, também! Até que o assunto chegou na página “Quebrando o Tabu”, do Facebook, uma das mais importantes do Brasil.
A página tem mais de dez milhões e meio (10.743.878) de curtidas e mais de onze milhões e seiscentos mil (11.677.384) seguidores.
No “Quebrando o Tabu”, a publicação de Daniel recebeu, até à noite desta terça-feira (07), 43 mil curtidas, 932 comentários e 4,4 mil compartilhamentos.
Daniel não entendeu! Ele disse que só quis compartilhar, com os amigos, uma experiência que lhe gratificou muito!
Na conversa com a reportagem do Correio9, se sentiu surpreso com a repercussão de um ato tão comum; em seguida corrige: “Se repercute tanto, é porque não é comum, né!? Mas, deveria ser! Eu pensei que fosse!”
“Eu cresci em uma família que sempre vi se incomodando com tudo que estava errado em volta. Eu aprendi que não adianta eu estar bem enquanto tem um monte de gente que não está”, disse.
“Desde criança eu sempre vi meu avô [Adélio Lubiana] ajudando todo mundo que procurava por ele. Minha avó [Rosa Bortolon Lubiana] era; era não, ainda é, a mesma coisa! Minha mãe [Dalila] e meu pai [Renato César de Moura Portas], também! Eu e minha esposa [Mila Christie Oscar Santos], também, vivemos assim. Foi assim que aprendi!”, falou Daniel.
Em seguida, falou como pai: “Minha filha tem me ensinado, ainda mais, o que é dedicação: dedicação é a gente se propor a resolver o que precisa ser resolvido, é assim que somos com os filhos. Por que não podemos ser assim com as outras pessoas?”
Coincidência ou não, nada é por acaso! Anita usava um boné alaranjado; na frente do acessório estava escrita a palavra inglesa “help”. Se Anita conhece o significado da palavra ou não, não importa! O importante é que naquela tarde de domingo, Anita recebeu o que ela mais precisava. Um gesto, comum para Daniel, transformou um momento de desespero em um momento de alegria e solução!
Quantos hoje não vivem tantas angústias, como às da Anita? Quantos, destes mesmos, podem fazer alguma coisa? Se o que falta é um exemplo, aí está um!
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