Elias de Lemos (Correio9)
As redes sociais mudaram, completamente, a maneira da sociedade se comunicar, e o WhatsApp se tornou a principal ferramenta de comunicação da atualidade. É uma forma de compartilhamento diferente das demais, é mais barato que mensagens de texto e ligações telefônicas, mas, não é apenas por isso. Tem, também, a praticidade. É mais fácil para uma pessoa responder a uma mensagem no WhatsApp, em vez de atender a um telefonema.
Com as vantagens que oferece aos usuários – o baixo custo, a privacidade e a possibilidade de conversa em grupos – o WhatsApp se tornou o principal meio utilizado por pessoas que organizam festas na capital do Espírito Santo, Vitória, regadas a sexo, muita bebida alcoólica e drogas.
Orgia. Bacanal. Suruba. O Correio9 teve acesso a um grupo de WhatsApp destinado à organização deste tipo de “diversão”. O grupo é administrado por um casal de Vitória. Além da capital, as festas da luxúria acontecem, também, nos municípios de Serra e Vila Velha. Como um interessado em participar, o autor da reportagem conversou com os organizadores e, também, com pessoas que já participaram destes bacanais.
Prazer, aventura, sexo sem limite e muita bebida. Esses são os principais ingredientes que fazem parte do cardápio dessas festas secretas cujo objetivo é a prática de sexo liberado entre quem quiser. Em datas comuns, chegam a durar dois dias. Mas, se for em feriados prolongados, podem durar mais. No entanto, a maioria não dura mais do que um dia de intensas maratonas sexuais.
Os organizadores negam a existência de drogas, admitem que as festas são à base de bebida, sendo muita cerveja e algumas outras destiladas (quentes). No entanto, a “dona do pedaço” é a catuaba.
Comida? Não, não se come em orgia.
Os participantes incluem empresários, políticos, funcionários públicos, profissionais liberais, jovens e estudantes, entre outros. Ao contrário dos organizadores, eles admitem a ocorrência de uso de drogas nesses ambientes.
Nesta reportagem, o Correio9 traz uma investigação sobre o universo das orgias que acontecem na região metropolitana da Grande Vitória. Para isto, entrevistou homens e mulheres que participam ou organizam estas ‘surubas’, e “convidados” que têm o hábito de participar dessas festas. Foi assim que a reportagem descobriu, um pouco, sobre o que está oculto por trás desse universo que desperta tanto o imaginário das pessoas, e que é cercado por uma “rede de silêncio sepulcral”.
TUDO É AGENDADO PELA INTERNET
O ‘anonimato’ da internet permite aos usuários darem o primeiro passo para experiências sexuais reais, favorecendo a marcação de encontros individuais e da prática em grandes grupos. Grupos que são formados por mulheres, homens e casais que procuram realizar suas verdadeiras fantasias participando de orgias envolvendo até 100 pessoas.
A reportagem do Correio9 obteve depoimentos de pessoas que buscam aventuras, combinando orgias, com pessoas de vários bairros, e de outras cidades para a festa da luxúria. Muitas delas se encontram pela primeira vez minutos antes de praticarem sexo.
As festas são organizadas, exclusivamente, por meio de grupos de conversa no WhatsApp. Segundo os organizadores, nem sempre os frequentadores se conhecem; outros vão pela primeira vez, enquanto muitos são assíduos e acompanham a ‘todas’.
Além do grupo que trata da organização das festas, são distribuídos links em grupos que combinam encontros sexuais pelo WhatsApp. Os “grupos de sexo” são os principais instrumentos de disseminação da propaganda das “surubas”. Segundo o organizador, não tem falha: “Basta marcar que a festa acontece”.
OS CONVIDADOS
A reportagem vai usar os nomes fictícios de “Dudu” e “Lara”, para designar os dois organizadores. Ele informou que a surpresa gera um clima de expectativa e empolgação maiores. Disse, também, que não costuma convidar amigos ou conhecidos por prejudicar o clima da festa: “Se você convidar só conhecidos ou seus amigos, não vai ser a mesma coisa. As pessoas não se soltam, elas ficam intimidadas com a presença do parceiro”, garante.
No entanto, ele diz que não significa que as pessoas não possam se conhecer. Ele explica, também, que organiza festas para dois tipos de convidados. A mais comum é a realização de “surubas”, para encontro entre pessoas de algum grupo da rede social (ele e Lara fazem parte de vários desses grupos). O segundo tipo envolve uma dada quantidade de homens, que pode chegar até 50, e prostitutas contratadas.
Existem algumas regras para participar das festas sem prostitutas. Casais e Mulheres são bem-vindos, mas, homens não entram sozinhos, precisam estar acompanhados de um casal.
O CUSTO DAS FESTAS
As orgias com prostitutas são mais caras devido ao custo dos “serviços profissionais”. Neste caso, depende da quantidade contratada e do tempo de duração da festa. A este custo, somam-se bebidas e aluguel do local, saindo a partir de R$ 500, por participante. Eles explicam que esta ‘modalidade’ envolve pessoas de poder aquisitivo maior.
Já os bacanais, entre pessoas de grupos de WhatsApp, têm custo mais reduzido, a partir de R$ 100, por pessoa, mas pode sair mais barato, dependendo da quantidade de participantes.
O LOCAL E O AMBIENTE
De acordo com os organizadores, o ambiente precisa ser o mais discreto e o mais confortável possível para os convidados. Normalmente, não tem cama para todos, mas eles garantem que tem colchões suficientes. Além disso, tem sofás, cadeiras e mesas. “Cada um tem uma fantasia diferente, isso elimina a necessidade de ter camas para todos”, afirma Lara.
Eles alugam mansões, casarões ou sítios. Preferem os locais com piscina e amplas áreas externas. O que não pode faltar é camisinha. Os pacotes ficam espalhados por todos os cantos, somando centenas de preservativos, todos retirados em postos de saúde pública.
Dudu afirma, categoricamente, que as mulheres são as que mais se abrem para novas experiências sexuais. “É mais fácil conseguir mulheres do que homens para um bacanal. A liberdade sexual feminina é uma realidade que assusta muitos homens”, diz.
É PROIBIDO OBRIGAR
Se algum convidado não se sentir confortável, se não estiver no “clima”, não precisa fazer nada. Segundo o organizador, a pessoa pode ficar de voyeur: “Se a pessoa tiver vontade, participa, caso contrário, não”.
Mas, ele ressalta que há situações em que os organizadores precisam intervir. “Se alguém está inibido, a gente conversa mais, toma mais uma cerveja, uma catuaba. Temos que fazer de tudo para que a pessoa funcione, que se sinta à vontade. Tem dado certo”, afirma.
E se alguém ficar sobrando, o que raramente acontece, eles dão um jeito. “Chego numa boa pra pessoa, ofereço mais uma cerveja, um vinho, apresento a alguém e daí começa”, explica Dudu.
COMO FUNCIONA A ORGANIZAÇÃO
Dudu e Lara sabem como conquistar seu público: pela propaganda boca a boca. Eles preparam a casa, compram os suprimentos, especialmente, cerveja e catuaba. Já o repertório musical é elaborado com a participação de todos. Cada convidado escolhe seis músicas e enviam, antecipadamente, para a montagem da “trilha sonora do sexo”.
O organizador explica que o começo é “meio frio”. Antes de começar a “rolar o clima”, as pessoas começam a se aproximar, rolam beijos e depois tudo acontece “naturalmente”. “Eu cuido para que todos saiam satisfeitos da minha suruba, para que indiquem aos amigos. É assim que tenho ampliado minha lista de participantes.
Ele afirma que consegue fazer até 10 surubas sem chamar as mesmas pessoas.
DROGAS SÃO PROIBIDAS, MAS…
Os organizadores não permitem o uso de drogas nas festas, no entanto, admitem que nesses encontros secretos, há situações que fogem do controle: há drogas pesadas, como ecstasy, cocaína e LSD, sexo sem proteção, mulheres constrangidas e até agressões físicas.
Além disso, “clientes muito ricos acham que podem tudo”, declara.
Outro problema comum é a preferência de muitos homens, a maioria, por sexo sem proteção. De acordo com Dudu, em geral, os homens não dão importância ao uso de preservativo.
PARTICIPANTE CONTA A SUA EXPERIÊNCIA
A reportagem conversou com um homem de 39 anos (nome fictício: Marcelo), e uma mulher de 29 (nome fictício: Luana). Ambos já participaram de uma festa dessas. Ele conta que foi convidado por um amigo, para participar de uma festa “íntima” que aconteceu numa casa em Vitória. Ele não soube dizer a quantidade de pessoas que havia no local, mas, segundo informou, era pelo menos 60 pessoas.
A orgia começou na tarde de um sábado e entrou pela noite. Segundo ele, foram aproximadamente dez horas de farra, sexo sem limite e sem proteção, bebidas, energético, estimulante sexual e drogas.
Marcelo dá detalhes do que rolou: “Foi organizada pra todo mundo se divertir e ficar à vontade. Quando eu cheguei, já havia vários convidados e outros estavam chegando, a casa já estava toda preparada, havia uma churrasqueira que já estava pronta, cerveja, uísque, vodka, redbull e catuaba. Rolou de tudo… Fiz sexo com quatro mulheres. Três delas aceitaram tudo. Inclusive sexo sem camisinha”.
Luana disse que a organização é “fundamental para que nada saia do controle”. Ela, inclusive, já ajudou a organizar, mas, prefere participar de festas organizadas por outras pessoas. A organização é muito trabalhosa. “Quem organiza tem o papel de selecionar os convidados, escolher o lugar onde vai acontecer a festa e, principalmente, passar segurança aos participantes”, explicou ela.
Ela mora em Vitória e participa de orgias há pouco mais de dois anos. É casada e foi ao lado do marido que teve a oportunidade de conhecer e participar de orgias.
Segundo ela, a última festa de que participou teve “umas 70 pessoas”. “Meu marido e eu conhecemos um casal e nos tornamos amigos. Eles, sempre, participavam de surubas. Nos convidaram, aceitamos e passamos a fazer parte do grupo”, contou à reportagem. Mas, ela lembra de que antes de indicar alguém, “é preciso ter certeza de que a pessoa é maior de idade, responsável e respeitosa”.
Para ela, o mais importante das festas íntimas é a regra do respeito. “A única regra é o respeito. Em uma suruba, as pessoas precisam fazer o que querem e só”, enfatizou.
A mesma opinião é comungada por Marcelo, que disse: “Não pode haver ‘forçação de barra’, cada um precisa entender o que está acontecendo. Mas, tirando isso e pondo o respeito, o lance é deixar rolar”, explicou ele.
O QUE É MAU COMPORTAMENTO?
O desrespeito pode causar a expulsão de um participante. Segundo Lara e Dudu, homens que não sabem ouvir “não” e pessoas que tentam tirar fotos são eliminados na hora. “Não é porque você está em uma suruba que precisa transar com todo mundo. Por isso, se a mulher disser não e o cara insistir, ele está fora, e, se foi indicado por alguém, a pessoa que o indicou também. Além disso, tirar fotos é, terminantemente, proibido”, explica.
COMO SE APROXIMAR DE ALGUÉM?
Se a farra está rolando e um convidado quer participar – com um determinado grupo ou relação -, Lara explica como chegar de forma respeitosa: “Se aproxime de algum dos participantes e pergunta se você pode entrar ou se pode assistir. Se a resposta for sim, é só chegar. Se for não, procure outra turma, não tem uma só possibilidade”.
Ela explica, também, que o fato de estar em uma suruba não significa transar durante todo o tempo. “O organizador não pode ficar o tempo todo cuidando das pessoas, a não ser que alguém esteja realmente deslocado e incomodado com isso. Durante a festa, você transa, aí para, toma um drink, fica de voyeur… E fica tudo bem”, garante ela.
QUEM TEM FETICHES
Os organizadores explicam que é comum pessoas com fetiches participarem das festas. Segundo eles, isso não é proibido, mas que precisa ser comunicado antes. “Às vezes, algumas pessoas têm fantasias muito bizarras e isso acaba atrapalhando o andamento da festa para as demais”, concluiu.
Sexo grupal, ainda que seja tabu para muita gente, é uma das mais frequentes fantasias sexuais. Seja para incluir mais um homem ou mulher ao casal, seja para realizar a troca de parceiros, esse tipo de prática é mais comum do que você provavelmente pensa.
Termos usados (fonte: Wikipédia)
ORGIA
A orgia era, originalmente, uma cerimônia de culto a Dionísio (ou Zagreu), celebrada amplamente na Arcádia, com danças de mascarados, tochas e sacrifício de animais de modo aleatório para evocar o próprio sofrimento do deus nas mãos dos Titãs. A orgia que explica o papel dos Titãs no desmembramento de Dionísio supostamente foi composta por Onomácrito. A arte da Grécia Antiga, bem como alguns textos patrísticos, indicam que as orgias envolviam cobras.
A orgia pode ter tido manifestações anteriores ao culto de mistérios formais, como sugerido pelos ritos violentamente extáticos descritos na mitologia grega, como o celebrado por Átis em honra de Cibele, e reflete-se na autocastração voluntária de seus sacerdotes no período histórico. A orgia tanto do culto dionisíaco quanto do culto a Cibele visavam a quebrar barreiras entre os celebrantes e a divindade através de um estado de exaltação mística.
BACANAL
Bacanal (do latim Bacchanalia) eram, na Roma Antiga, os rituais religiosos em homenagem a Baco (ou Dionísio), deus do vinho, por ocasião das vindimas, em que havia um cerimonial sério e contrito, de início, seguido por uma comemoração pública e festiva. As bacanais foram introduzidas em Roma e vindas do sul da península itálica através da Etrúria. Eram secretas e frequentadas somente por mulheres durante três dias no ano. Posteriormente, os homens foram admitidos nos rituais e as comemorações aconteciam cinco vezes por mês. Ao invadirem as ruas de Roma, dançando, soltando gritos estridentes e atraindo adeptos do sexo oposto em número crescente, as bacanais causaram desordens e escândalos.
Nas bacanais ocorriam as mais grotescas vulgaridades, bem como todo tipo de crimes e conspirações políticas nas suas sessões noturnas.
SURUBA
Adjetivo de uso obsoleto. Significa: excessivamente bom; com grande capacidade; excelente: um aluno suruba. Substantivo feminino Informal. Pejorativo Relacionamento caracterizado pelo grande número de escândalos. Pedaço grande de madeira; porrete ou cacete. Tabu. Relação sexual realizada em grupo; sexo grupal; orgia ou bacanal.
VOYEUR
Voyeur é o substantivo masculino com origem no francês que descreve uma pessoa que obtém prazer ao observar atos sexuais ou práticas íntimas de outras pessoas.
Para muitas pessoas, o ‘voyeurismo’ (ou mixoscopia) é visto como uma psicopatologia, que consiste em um desvio da conduta sexual que é considerada “normal” pela maioria.
No idioma francês, a palavra voyeur significa “aquele que vê”, e por isso descreve uma pessoa que gosta de observar os outros sem participar, tirando fotos ou gravando momentos íntimos ou privados de outros indivíduos.
Nota do autor
(Como esta reportagem foi produzida)
Em 27 de fevereiro de 2018 o Correio9 publicou uma reportagem intitulada WhatsApp do Sexo (http://correio9.com.br/exclusivo-whatsapp-do-sexo/). Esta é uma das reportagens mais visualizadas no site do diário, com quase 100 (cem) mil acessos. Até hoje, depois de muito tempo que foi publicada, a matéria atinge entre 1500 a 2000 acessos/mês. Certamente o link do conteúdo está sendo compartilhado em grupos de WhatsApp por todo o país, pois há muitas visualizações de cidades grandes, como Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Brasília, Recife, Porto Alegre, Fortaleza, Belo Horizonte e outras, além de possuir, também, acessos de brasileiros que residem em outros países, conforme verificação de estatísticas no painel de dados do Correio9.
Durante quatro semanas, a equipe esteve infiltrada em grupos que oferecem sexo pelo aplicativo. A reportagem começou a ser produzida no final de dezembro de 2017, quando duas fontes informaram a ocorrência. Daí, a próxima tarefa foi encontrar um meio de ingressar em algum desses grupos. O que aconteceu na última semana de janeiro de 2018.
Depois de produzida a reportagem, nos desligamos de todos os grupos, ficando, inclusive, sem nenhum contato. Eu já sabia da existência dessas festas. Agora, pouco mais de um ano depois, decidi escrever sobre o tema. No entanto, a falta de contato era um problema. Foi aí que me lembrei de um nome (diferente e grafado de forma inusitada) de um estudante de arquitetura da UFES.
Procurei e o encontrei no Facebook. Expliquei que eu havia feito parte dos grupos, mas que havia formatado meu telefone e, portanto, perdido os contatos. Por seu intermédio, fui adicionado novamente.
A partir de então, foram mais quatro semanas trocando mensagens com pessoas que participam de bacanais. O resultado está aí.
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