O Brasil ganhou, nesta quarta-feira (19/9), um novo patrimônio cultural. Em reunião no Forte de Copacabana, no Rio de Janeiro, o Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural aprovou por unanimidade o registro da literatura de cordel como patrimônio imaterial. Na parte da tarde será avaliado o tombamento do Acervo Arthur Bispo do Rosário como patrimônio material. Nesta quinta-feira (20/9), quatro outros bens serão avaliados: Procissão do Senhor dos Passos, em Florianópolis (SC), Sistema Agrícola Tradicional das Comunidades Quilombolas do Vale do Ribeira (SP) e os terreiros de candomblé Ilê Obá Ogunté Sítio Pai Adão, em Recife (PE), e Tumba Junsara, em Salvador (BA).
“Sou suspeito para falar do cordel. Minha bisavó, nascida no Crato (CE), me fez na infância e adolescência um leitor voraz de cordel. Contribuiu muito para a minha formação, para as minhas referências, para ser quem eu sou”, destacou o ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão. “Tenho respeito e admiração pelo trabalho heroico feito pela Academia Brasileira de Literatura de Cordel para manter o gênero vivo, para que ele fosse reconhecido como importante gênero literário, de grande relevância e significado. Considero absolutamente adequado e justo o reconhecimento da literatura de cordel como patrimônio cultural brasileiro e espero que mais brasileiros tenham acesso a ela”, acrescentou.
“O cordel é uma manifestação cultural que se tornou filha genuína da inteligência artística brasileira”, afirmou o presidente da Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC), Gonçalo Ferreira. “O registro é a consequência natural desta importância que o gênero tem para o nosso país”, observou.
O fundador da Associação dos Escritores, Trovadores e Folheteiros do Estado do Ceará (Aestrofe), Klévisson Viana, comemorou o registro da literatura de cordel como patrimônio imaterial brasileiro. “Esse reconhecimento é de extrema importância. O Brasil tem uma das literaturas populares mais ricas do planeta, tanto em quantidade como em qualidade”, destaca.
“O cordel é uma tradição viva que se renova o tempo todo, que procura dialogar com cada período histórico. Hoje, são raros os cordelistas que não têm uma página na internet para divulgar o seu trabalho”, completa Viana, que é autor de mais de 200 folhetos de cordel e de 38 livros, um deles – O Guarani em Cordel – vencedor do Prêmio Jabuti em 2015.
Apesar de ter começado no Norte e no Nordeste do país, o cordel hoje é disseminado por todo o Brasil, principalmente por causa do processo de migração de populações. Em todo o país, é possível encontrar esta expressão cultural, que revela o imaginário coletivo, a memória social e o ponto de vista dos poetas sobre acontecimentos vividos ou imaginados.
A Literatura de Cordel no Brasil é o resultado de uma série de práticas culturais em que os cantos e os contos constituem as matrizes para uma série de formas de expressão. Na formação da cultura brasileira, da qual a literatura de cordel faz parte, tanto indígenas quanto africanos e portugueses adicionaram práticas de transmissão oral de suas cosmologias, de seus contos e de suas canções.
Arthur Bispo do Rosário
Com uma vida repleta de mistérios, o artista sergipano Arthur Bispo do Rosário ganhou destaque no universo da arte contemporânea sem querer. Seguindo as vozes que o ordenavam a reconstruir o mundo, deu início a suas obras, produzidas sem o propósito de serem consideradas culturais e que geraram debates sobre os limites entre a arte e a loucura.
A coleção principal é formada por 805 peças, entre elas estandartes, indumentárias, vitrines, fichários, móveis, objetos (recobertos com fio azul ou não) e vagões de espera. O acervo é composto por peças elaboradas em diversos materiais, como vidro, madeira, plástico, tecidos, linhas, botões, gesso, e diversos itens recolhidos do lixo e da sucata.
Sobre o Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural
O Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural é o órgão colegiado de decisão máxima do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), instituição vinculada ao Ministério da Cultura (MinC), para as questões relativas ao patrimônio material e imaterial.
São 26 conselheiros que representam os ministérios da Educação, das Cidades, do Turismo e do Meio Ambiente, o Instituto Brasileiro dos Museus (Ibram), o Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos), o Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), a Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB), a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e mais 13 representantes da sociedade civil, com especial conhecimento nos campos de atuação do Iphan.
Saiba mais sobre o Cordel, novo patrimônio do Brasil
Entre versos, rimas e cantoria, a Literatura de Cordel, registrada nesta quarta-feira como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, é uma expressão cultural popular que abrange não apenas as letras, mas também a música e a ilustração. É um gênero literário, veículo de comunicação, ofício e meio de sobrevivência para inúmeros cidadãos brasileiros: poetas, declamadores, editores, ilustradores (desenhistas, artistas plásticos, xilogravadores) e folheteiros (como são conhecidos os vendedores de livros).
Apesar de ter começado no Norte e no Nordeste do país, o cordel hoje é disseminado por todo o Brasil, principalmente por causa do processo de migração de populações. Hoje, circula com maior intensidade na Paraíba, Pernambuco, Ceará, Maranhão, Pará, Rio Grande do Norte, Alagoas, Sergipe, Bahia, Minas Gerais, Distrito Federal, Rio de Janeiro e São Paulo. Em todos esses locais, é possível encontrar essa expressão cultural, que revela o imaginário coletivo, a memória social e o ponto de vista dos poetas sobre os acontecimentos vividos ou imaginados.
A Literatura de Cordel no Brasil é o resultado de uma série de práticas culturais em que os cantos e os contos – e suas variantes – constituem as matrizes a partir das quais uma série de formas de expressão se forjou. Na formação da cultura brasileira, da qual a literatura de cordel faz parte, tanto indígenas quanto africanos e portugueses adicionaram práticas de transmissão oral de suas cosmologias, de seus contos, de suas canções.
A questão da harmonia sonora é muito ressaltada pelos poetas. Além das razões estéticas, há uma explicação histórica para isso. No início do século XX, quando a literatura de cordel se consolidou como um sistema editorial próprio, os poetas desenvolveram um modo particular de comercializar seus livros nos mercados e feiras livres. Carregavam consigo os exemplares e montavam uma banca em que os folhetos eram exibidos (por esse motivo os poetas da literatura de cordel também são chamados de poetas de bancada).
Para atrair curiosos e compradores, os poetas costumavam cantar em voz alta trechos dos poemas, contando dramas, tragédias, romances e sátiras. No momento mais importante da narrativa – quando o desfecho da história de aproximava – o canto era interrompido e o final da história só poderia ser conhecido por aqueles que comprassem o folheto. Assim, a métrica perfeita era a condição para que o poeta pudesse exercer sua performance com maestria diante do público.
Na região do Pajeú, no sertão de Pernambuco, a declamação ainda hoje é praticada cotidianamente pela população. Atualmente, os declamadores gravam suas performances em discos e vídeos, que são comercializados em festivais e feiras de literatura de cordel. Além da declamação, outro modo particular de jogo verbal se difundiu e se popularizou no Brasil: o desafio – ou peleja – se define como uma disputa oral, em geral entre duas pessoas, cujo objetivo é vencer o adversário por meio do virtuosismo poético diante do público. Além da viola, instrumento mais comum na cantoria, a rabeca também era utilizada por alguns cantadores.
A literatura de cordel faz parte da vida social dos brasileiros. Ao longo do tempo, por meio das trocas e empréstimos culturais com a música, o cinema, o teatro, as novelas e as redes sociais, o cordel se atualizou e se transformou, sem perder a identidade, a originalidade e sua estética própria, particular.
Origens
A literatura de cordel é um gênero poético que resultou da conexão entre as tradições orais e escritas presentes na formação social brasileira e carrega vínculos com as culturas africana, indígena, europeia e árabe. Trata-se de um fenômeno cultural vinculado às narrativas orais (contos e histórias de origem africana, indígena e europeia), à poesia (cantada e declamada) e à adaptação para a poesia dos romances em prosa trazidos pelos colonizadores portugueses. Os poetas brasileiros no século XIX conectaram todas essas influências e difundiram um modo particular de fazer poesia que se transformou em uma das formas de expressão mais importantes do Brasil.
O cordel se inseriu na cultura brasileira em fins do século XIX, forjado como a variação escrita da poesia musicada por duplas de cantadores de viola, de improviso, conhecida como repente. A expressão literatura de cordel não se refere num sentido estrito a um gênero literário específico, mas ao modo como os livros eram expostos ao público, em cordeis.
No entanto, cada vez mais essa expressão foi sendo associada a um conjunto de edições de baixo custo, adaptações de textos provenientes das mais diversas fontes (obras até então manuscritas, narrativas orais, peças de teatro cômico) destinadas a um número cada vez maior de leitores pouco familiarizados com a escrita. Por esse motivo, diversos procedimentos editoriais foram introduzidos a fim de tornar a leitura mais fácil: diminuição do tamanho da obra ao enxugar o livro por meio do emprego de textos curtos, uso de papel de baixa qualidade e redução dos preços.
Os poetas costumam definir a literatura de cordel como um gênero literário que obrigatoriamente possui três elementos: métrica, rima e oração. Esses três elementos da poética do cordel constituem os fundamentos que precisam ser apropriados por quem deseja produzir um cordel. Ao compor um cordel com métrica, rima e oração, o poeta aciona os resultados de um longo aprendizado, de uma formação que não se obtém na escola, mas a partir do convívio com outros poetas, ou seja, a partir uma tradição coletiva que se transmitiu ao longo de gerações.
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