O Cangaço foi um dos movimentos mais marcantes do início do Século XX no Nordeste Brasileiro, composto por homens que não tinham muito a perder e largavam os trabalhos na lavoura para começar uma vida no banditismo. A figura mais conhecida do cangaço é Virgulino Ferreira da Silva, Lampião. Nascido em Serra Talhada, em Pernambuco, cresceu como um trabalhador do campo e também trabalhava como artesão. Numa de suas buscas por gado, entre os espinhos da caatinga, furou o olho direito ficando cego desse. Isto fez com que posteriormente fosse chamado de Rei de um só olho, ou como escreveu o New York Times, “Lampeão de um olho só”.
A entrada no Cangaço aconteceu em 1919, após seu pai ser assassinado pela Polícia a mando de um coronel. Junto com seus dois irmãos entrou no bando de Sinhô Pereira, maior cangaceiro até então, dali fazendo sua trajetória. A rapidez no gatilho lhe deu o apelido do instrumento que iluminava as noites sertanejas e a capacidade de liderança fez com que ele substituísse Sinhô Pereira e tomasse conta do bando, tornando-se o líder.
Lampião criou a estética adotada pelo cangaço e pelo sertanejo, que é conhecida até os dias de hoje. Alfabetizado desde criança trouxe inovações para os bandos. Era também muito vaidoso, o que fazia com que importasse perfumes franceses para utilizar nos momentos especiais. Outro fato curioso sobre a personalidade de Lampião era que ele bordava e costurava, dessa forma muitas das vestimentas que ele e seus homens utilizavam eram feitos pelo próprio Virgulino, que ajudou a perpetuar as imagens desses homens que andavam pelo sertão vestidos com muita pompa.
O ritmo Xaxado, que é um dos percussores do Forró, nasce também com o bando de Lampião, sendo uma dança onde o passo era marcado pela batida da bandoleira da espingarda, sendo assim uma diversão para o grupo que utilizava os instrumentos do combate.
As mulheres não podiam entrar nos bandos e seguir junto com os cangaceiros, mas isso mudou quando, passando pela Bahia, em 1930, Lampião conhece Maria Bonita e ela foge com o bando. A entrada de Maria Bonita era tida como um rapto de Lampião, mas posteriormente foi descoberta uma carta deixada pela mesma para o seu esposo onde ela relata já ser apaixonada pelas histórias contadas sobre Virgulino. Outra mulher de destaque no Cangaço é Dada, que foi companheira de Corisco, única mulher a pegar em armas e chegou a liderar o bando quando Corisco se feriu em combate.
A literatura do sertão contou as histórias de Lampião e seu bando, o que ajuda a reforçar o imaginário sobre o cangaceiro. O cordel “A chegada de Lampião no inferno” de José Pacheco é um dos mais conhecidos cordéis vendidos até hoje, além de diversas composições sobre a história do cangaceiro.
O cinema também tem diversas obras sobre o tema, como o conhecido “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, de Glauber Rocha, no período do Cinema Novo, até “Baile Perfumado”, que relata o cotidiano dos cangaceiros.
A morte de Lampião se deu na fazenda de Angicos, em Sergipe, quando uma volante comandada pelo Tenente João Bezerra fez uma emboscada e entrou no esconderijo ao amanhecer e metralhou os 11 cangaceiros que dormiam ali. Dentre eles, Lampião e Maria Bonita (veja informações detalhadas no quadro abaixo).
Nos últimos 80 anos, a imagem de Lampião vem se modificando, pois aquela figura que aterrorizava o sertão já é vista como alguém que lutava contra os coronéis que oprimiam o povo. Essa maneira de enxergar o cangaço parte também do distanciamento com o ocorrido, já que é possível uma análise sobre o Cangaço enquanto um reflexo do total abandono que os sertanejos eram submetidos pelos governos no momento, deixando com que esses coronéis tivessem vida e morte das pessoas em suas mãos.
Missa
A XXI Missa do Cangaço lembrou, neste sábado (28), os 80 anos de morte de Lampião, Maria Bonita e cangaceiros, na Grota do Angico, em Poço Grande, em Sergipe, local onde o bando de Lampião foi emboscado. A celebração foi comandada pelo padre Agostinho dos Anjos, com a presença de Expedita, única filha do mais conhecido casal de cangaceiros.
Como foi a morte de Lampião e de seu bando?
No dia 27 de julho de 1938, o bando acampou na fazenda Angicos, situada no sertão de Sergipe, esconderijo tido por Lampião como o de maior segurança. Era noite, chovia muito e todos dormiam em suas barracas. A volante chegou tão silenciosamente que nem os cães perceberam. Por volta das 5:00h do dia 28, os cangaceiros levantaram para rezar o ofício e se preparavam para tomar café; quando um cangaceiro deu o alarme, já era tarde demais.
Não se sabe ao certo quem os traiu. Entretanto, naquele lugar mais seguro, o bando foi pego totalmente desprevenido. Quando os policiais do Tenente João Bezerra e do Sargento Aniceto Rodrigues da Silva abriram fogo com metralhadoras portáteis, os cangaceiros não puderam empreender qualquer tentativa viável de defesa.
O ataque durou cerca de vinte minutos e poucos conseguiram escapar ao cerco e à morte. Dos trinta e quatro cangaceiros presentes, onze morreram ali mesmo. Lampião foi um dos primeiros a morrer. Logo em seguida, Maria Bonita foi gravemente ferida. Alguns cangaceiros, transtornados pela morte inesperada do seu líder, conseguiram escapar. Bastante eufóricos com a vitória, os policiais apreenderam os bens e mutilaram os mortos. Apreenderam todo o dinheiro, o ouro e as joias.
A força volante, de maneira bastante desumana para os dias de hoje, mas seguindo o costume da época, decepou a cabeça de Lampião. Maria Bonita ainda estava viva, apesar de bastante ferida, quando foi degolada junto com o restante do bando. Os corpos mutilados e ensanguentados foram deixados a céu aberto, atraindo urubus. Para evitar a disseminação de doenças, dias depois foi colocada creolina sobre os corpos. Como alguns urubus morreram intoxicados pela creolina, este fato ajudou a difundir a crença de que eles haviam sido envenenados antes do ataque, com alimentos entregues pelo coiteiro traidor.
Percorrendo os estados nordestinos, o tenente João Bezerra exibia as cabeças – já em adiantado estado de decomposição – por onde passava, atraindo uma multidão de pessoas. Primeiro, os troféus estiveram em Piranhas, onde foram arrumados cuidadosamente na escadaria da Prefeitura, junto com armas e apetrechos dos cangaceiros, e fotografados. Depois, foram levados a Maceió e ao sudeste do Brasil.
Do sudeste do País, apesar do péssimo estado de conservação, as cabeças seguiram para Salvador, onde permaneceram por seis anos na Faculdade de Odontologia da UFBA. Lá, tornaram a ser medidas, pesadas e estudadas, na tentativa de se descobrir alguma patologia. Posteriormente, os restos mortais ficaram expostos no Museu Antropológico Estácio de Lima localizado no prédio do Instituto Médico Legal Nina Rodrigues, em Salvador, por mais de três décadas.
Durante muito tempo, as famílias de Lampião, Corisco e Maria Bonita lutaram para dar um enterro digno a seus parentes. O economista Sílvio Bulhões, filho de Corisco e Dadá, em especial, empreendeu muitos esforços para dar um sepultamento aos restos mortais dos cangaceiros e parar, de uma vez por todas, a macabra exibição pública. Segundo o depoimento do economista, dez dias após o enterro de seu pai, a sepultura foi violada, o corpo foi exumado, e sua cabeça e braço esquerdo foram cortados e colocados em exposição no Museu Nina Rodrigues.
O enterro dos restos mortais dos cangaceiros só ocorreu depois do Projeto de Lei nº 2.867, de 24 de maio de 1965. Tal projeto teve origem nos meios universitários de Brasília (em particular, nas conferências do poeta Euclides Formiga), e as pressões do povo brasileiro e do Clero o reforçaram. As cabeças de Lampião e Maria Bonita foram sepultadas no dia 6 de fevereiro de 1969. Os demais integrantes do bando tiveram seu enterro uma semana depois.
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