Eliana Lemos
Não resta a menor dúvida de que Evidências é o maior hit da música sertaneja. Não é de hoje que a canção, composta por José Augusto e Paulo Sergio Valle – gravada por Chitãozinho e Xororó em 1990 – é a mais cantada em karaokês do País, tanto que virou um segundo hino nacional.
Mas, como explicar e a quem creditar esse sucesso estrondoso? Desde que foi tocada no momento solo do tecladista John Fossitt, nos shows de Bruno Mars no The Town, e entoada pela multidão, a música virou pauta. A discussão nas redes sociais e sites de notícias é se a dupla tem direito de comemorar o êxito da obra.
Diferente de hits chicletes que, como diz meu primo Erivelton, é como “puns que explodem”, contaminam o ambiente, e se esvaem; Evidências foi caindo no gosto do público aos poucos. Veio numa crescente, ao longo dessas três décadas e é difícil prever aonde ainda vai chegar.
É bom lembrar que ela não foi amparada por uma dança, uma coreografia como outros sucessos, Ai Se Te Pego, por exemplo. Evidências se fez por si mesma, sem nenhum subterfúgio a não ser sua letra poética de fácil entendimento e a melodia marcante.
Não dá para negar que a música tem um apelo fácil que faz com que o público se identifique e não resista em entoar um verso ou outro em qualquer oportunidade. Até o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) ministro Luís Roberto Barroso, admitiu recentemente cantarolar o hit em suas noites de karaokês.
Não tenho dúvidas de que Chitãozinho e Xororó são responsáveis pelo sucesso de Evidências, sim. Até os compositores da canção reconhecem essa evidência, com o perdão do trocadilho, não resisti (risos).
Embora já tenha sido gravada por outros cantores, é da versão de José e Durval que todos se lembram. Para dizer a verdade, nunca prestei atenção nas outras interpretações dessa canção, nem na do Roberto Carlos.
No mercado fonográfico brasileiro, assim como em outras áreas da indústria cultural, o criador na maioria das vezes é o que menos ganha, em todos os sentidos. Não é por acaso que compositores, poetas, roteiristas e escritores em geral vivem correndo atrás do prejuízo e muitos vendem o almoço pra comprar a janta.
Não é o caso dos autores de Evidências, ambos são profissionais reconhecidos e valorizados no meio artístico. José Augusto, além de compor, fez muito sucesso nos anos 80 e 90 como cantor e emplacou vários hits nas paradas de sucesso da época. Já Paulo Sergio Valle, pode-se dizer que é medalha de ouro no ranking dos letristas brasileiros. Com mais de 900 músicas gravadas é reconhecido em boa parte do mundo. Só nos Estados Unidos já foi gravado por cerca de 80 cantores, entre eles, a diva do jazz Sarah Vaughan. É dele a letra do Samba do Verão, uma das canções brasileiras mais famosas mundo à fora.
Para mim, Evidências e Chitãozinho e Xororó estavam predestinados. É aquele caso que um precisa do outro para se tornar o que se nasceu para ser. Não que os irmãos Lima não fossem reconhecidos antes dessa música; no final dos anos 80 a dupla já era uma das maiores do gênero, com vários hits nas paradas de sucesso, milhares de discos vendidos e agenda lotada de shows; mas ainda estava limitada ao cenário rural, ao povão, para ficar mais precisa. Evidências possibilitou aos irmãos romper as fronteiras de estilo musical, sendo cantada por gente de todas as classes.
Com cinquenta anos de carreira Chitãozinho e Xororó estão, na minha opinião, num patamar acima de todas as outras duplas sertanejas do Brasil. É indiscutível a qualidade vocal que só melhorou com o tempo, graças ao perfeccionismo e o zelo de Xororó com o que chama de sua enxada. Além da preocupação com a voz, nesse meio século de estrada os irmãos paranaenses foram certeiros na escolha de repertório – que inclui clássicos do sertanejo e outros estilos como samba, pagode e até bossa nova. Ao contrário de outras duplas que passam por altos e baixos, brigas e até separações, José e Durval completaram as bodas de ouro sem nenhuma rusga pública, se há desentendimento entre eles, fica nos bastidores.
Muitos internautas reclamaram porque a dupla se refere a Evidências como “nossa música”; não vejo nenhuma apropriação indevida. Essa discussão toda é uma grande bobagem, falta de assunto, porque não se pode contestar o direito de pais adotivos se referir ao filho adotado como nosso, embora não os tenha gerado e parido, eles o criaram e o educaram dando a criança um lugar no mundo, referência de família. Nesse caso é a mesma coisa, o resto é conversa fiada.
* A autora é jornalista, roteirista, escritora, pesquisadora do Instituto Ipsos e articulista exclusiva do Jornal Correio9
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