Eliana Maria Lemos
A musa do verão brasileiro já não é mais a ‘Garota de Ipanema’, e sim uma tal de Jenifer que um cara conheceu no ‘Tinder’. A ‘moça’ em questão, não é namorada dele, e talvez por isso, imagino que não inspirou nenhum verso mais elaborado como: “Moça do corpo dourado, do sol de Ipanema o seu balançado é mais que um poema, é a coisa mais linda que já vi passar…”, muito pelo contrário, é descrita como perua e capaz de fazer “umas paradas que eu não faço com você…”.
Criada por Tom Jobim e Vinicius de Moraes, há quase 60 anos, a canção ‘Garota de Ipanema’ não foi um hit de um único verão, é uma obra-prima da bossa nova que já foi gravada em diversos idiomas por cantores do mundo inteiro, gente como Frank Sinatra, por exemplo. Virou um símbolo da MPB de excelentíssima qualidade. Um cartão de visita dos poetas brasileiros, de uma época em que se fazia música e letra. Quando, mesmo os compositores mais marginalizados ou considerados bregas, tinham algo a dizer e sabiam como fazê-lo.
Se olharmos para trás, na história da música brasileira, em todos os seus gêneros, vamos constatar o óbvio, muito se perdeu em qualidade e criatividade nas duas últimas décadas. A impressão que eu tenho é de que tudo que deveria ser criado, em termos de qualidade no cenário musical, foi feito antes dos anos 2000. Pelo menos no que se refere ao que está sendo tocado nos meios de comunicação do País. É claro que toda regra tem exceções e vez ou outra, muito raramente até, aparece uma música que compensa a gente dedicar o tempo para ouvi-la.
No geral, o que tem feito sucesso nas duas últimas décadas são hits completamente descartáveis. A indústria fonográfica só investe em ‘porcarias’ e há uma padronização em alguns gêneros que enjoa. É o coletivo se sobrepondo ao individual.
No caso do sertanejo, por exemplo, atualmente o que vigora na área são as músicas que falam de baladas, bebedeira e ‘modão’. O corno de antes, que chorava a perda da mulher, hoje continua chifrudo, porém, está sempre num bar, bebendo com outras, postando nas redes sociais para que a dita cuja perceba o que perdeu. Já perdi a conta das músicas que ouvi nos últimos anos com essa temática. Ah!, quase me esqueci, e quem canta geralmente é malhado, tatuado, com o cabelo ‘estiloso’, roupas modernas e calças bem justas. Foi-se o tempo em que as duplas tinham cada uma o seu estilo. Hoje, tem que agradar ao mercado e por isso tem que adotar o “uniforme”.
As letras que outrora tinham profundeza como:
“Este é o exemplo da vida / Para quem não quer compreender / Nós devemos ser o que somos / Ter aquilo que bem merecer”.
Hoje são rasas como:
“Eu quero tchu, eu quero tcha / Eu quero tchu tcha tchá thcu thcu tchá / Tchu tcha tchá tchu tchu tchá”, ou coisa parecida.
Nos outros gêneros a coisa não muda muito, tem praticamente zero de renovação. Tem bandas de rock e pagode, que estão no mercado há mais de trinta anos cantando as mesmas músicas. Outras encerraram a carreira por 15, 20 anos e voltaram cantando os sucessos antigos. No pop, idem. Dois exemplos recentes: o Grupo Rouge, e pasmem, o Balão Mágico. No caso desse último, os integrantes conquistaram o público na infância, nos anos 80. Cresceram, casaram, tiveram filhos e voltaram no ano passado cantando ‘Ursinho Pimpão’, ‘Super fantástico’, e outras canções daquela época. Está com a agenda lotada de shows!
A efervescência musical ocorrida nas décadas de 60,70 e 80 praticamente não aparece mais. Digo não aparece, por que acredito que sim nós temos ainda muita gente talentosa fazendo música boa no Brasil, só que, infelizmente, essas pessoas não aparecem. Não existe uma preocupação da indústria de encontrar e investir nesses artistas.
Nos anos 60, 70 e 80, os festivais de música, promovidos por redes de rádios e televisões, possibilitaram que muitos talentos fossem revelados, entre eles Elis Regina, Chico Buarque, Edu Lobo, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Alceu Valença… Essas competições foram, durante muito tempo, uma grande janela para cantores e compositores da MPB. Mas, com o tempo, foram diminuindo e praticamente acabaram. Atualmente são poucas e em sua maioria acontecem na Internet, sem atingir o grande público. Por outro lado, é através da mesma Internet que alguns novos cantores têm conseguido a visibilidade necessária para chamar a atenção de produtores musicais.
Nos últimos anos, os realitys shows musicais, como ‘The Voice Brasil’ (apresentado atualmente na Rede Globo em versões adulto e infantil), Fama, Ídolos, entre outros; são a esperança de muitos cantores brasileiros de saírem do anonimato e alcançarem o sucesso. Porém, não sei qual é o mistério que faz com que poucos ganhadores consigam permanecer na mídia.
Esta situação do mercado musical brasileiro tem como maior exemplo o cantor Roberto Carlos, considerado a realeza da MPB. No passado, aclamado pelo público e pela crítica, o rei ainda se mantém como um dos recordistas em venda de disco no país e no mundo. Com mais de 120 milhões vendidos, suas cifras são astronômicas. Ele se mantém ativo com shows em diversos países, mas nos últimos anos tem perdido muito da sua relevância no cenário da música, consequência de suas apresentações monótonas e a falta de novidades. Há mais de uma década sem lançar um álbum inédito, Roberto tem se limitado a fazer parcerias com artistas mais pops, como a cantora Jennifer Lopez, e, mais recentemente, com o espanhol Alejandro Sanz. O seu especial de fim de ano que, antigamente era aguardado com ansiedade, reunia as famílias brasileiras e era campeão de audiência; ultimamente minguou de tal forma que virou meme na Internet.
* A autora é jornalista, roteirista, escritora, pesquisadora do Instituto Ipsos e articulista exclusiva do Jornal Correio9.
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