Elias de Lemos (Correio9)

As cidades grandes sempre conviveram com grande população de moradores de rua. No entanto, a situação que, até há alguns anos, era vista nesses centros urbanos e pouco percebida em pequenas cidades interioranas, se alastrou e está por toda a parte. E em Nova Venécia não é diferente; a situação de vida nas ruas da cidade é alarmante e crescente.
O problema, altamente complexo, existe em todo o Brasil, na Europa, nos EUA, e a tendência é se agravar. Em Nova Venécia, esta população é cada vez mais notada.
O Correio9 ouviu a equipe de abordagem desta situação no município. Três pessoas, do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) da Prefeitura de Nova Venécia, fazem o acompanhamento constante da condição dos moradores de rua.
A assistente social Aline Barbosa Souza explicou que a maioria da população de rua é composta de homens e em geral tem boa saúde física. De acordo com ela, tanto os homens, quanto as mulheres têm em comum o vício em álcool e drogas ilícitas.
É da combinação de álcool, drogas e desajustes familiares que surgem os moradores de rua em Nova Venécia. A assistente social disse que eles têm famílias e são moradores de Nova Venécia.
A maioria vem de prolongados desentendimentos familiares que levaram à perda dos vínculos, do afeto e da fraternidade familiar. “Nós procuramos as famílias em busca de fazer um trabalho de reinserção, mas de um lado, as famílias não aceitam o retorno e, de outro, eles não querem voltar para casa para não terem que seguir regras”, explicou Aline.
Ela citou o exemplo de um homem que dividia casa com um primo no Bairro Diadema. Para não ficar sozinho, enquanto o primo trabalha, ele foi morar na rua.
“Eles são desagregados familiares e quando se juntam a outros andarilhos, se reconhecem pela semelhança e acabam constituindo uma segunda família, uma vez que compartilham o mesmo modo de viver”, explicou Aline.
De acordo com ela, boa parte do grupo tem histórico de violência familiar, tentativas e até consumação de estupro. São situações que se repetem. Irmãos violando irmãs e pais violentando filhos e filhas.
O agente Deldebio Elvis Pinto – que integra a equipe do Serviço de Abordagem Social – explicou que eles pedem e ganham dinheiro, além de alimentação; sabem, inclusive, onde são os pontos mais rentáveis. No entanto, tudo o que recebem é destinado ao consumo de álcool e outras drogas.
Ele citou o exemplo de uma senhora que se queixou de ter ingerido muito alimento (bolo e pão de queijo). Explicou, também, que normalmente eles são unidos, especialmente quando não estão ingerindo bebida alcoólica. Dividem o que ganham, seja comida ou bebida. “Se um deles ganha uma marmita de comida, ele não come escondido, leva para o grupo e divide”, disse. Porém, quando estão sob efeito de álcool, as brigas se tornam comuns.
Aline disse que a maioria não possui nenhum documento. Nesses casos, a equipe providencia a documentação, muitos não têm nem certidão de nascimento.
Ela explicou que até o memento, apenas uma família aceitou o filho de volta. Segundo ela, o jovem vivia pelas ruas de Nova Venécia e acumulou uma dívida de droga e vinha sendo ameaçado. A família foi procurada, mas, se recusou a recebê-lo de volta. Depois de muitas ameaças, ele foi baleado, indo parar no hospital em estado grave. Somente depois disso o pai o aceitou em casa novamente. “Ele aceitou porque estava na iminência de perder o filho. O rapaz voltou para casa, deixou o vício e agora está bem, mas foi uma escolha dele sair daquela vida”, disse.
Uma moradora de rua era manicure; ela cegou um irmão em casa, foi morar na rua e há alguns dias, acertou uma cadeirada no rosto de um homem – que faz parte do grupo – o deixando cego do olho esquerdo. Viciada em álcool e drogas ela pesa 38 quilos.
Outro problema comum entre os moradores de rua são as doenças venéreas (doenças sexualmente transmissíveis), como AIDS e sífilis.
Um homem que vive nas ruas da cidade precisava fazer uma cirurgia e, durante os exames pré-operatórios ele foi diagnosticado com AIDS. Atualmente ele toma um coquetel de medicamentos.
Um ex-funcionário da Prefeitura era presbítero, viciou em álcool, perdeu o emprego, a família e, nas ruas, contraiu sífilis.
Tanto Aline, quando Deldebio concordam que os desajustes familiares começam cedo. “Muitas dessas pessoas foram violentadas na infância; não tiveram orientação espiritual e passaram necessidades básicas”, explicou Deldebio; que complementou: “Ninguém nasce bebendo um litro de cachaça por dia, isso vai acontecendo ao longo do tempo”.
A presença dos andarilhos incomoda o comércio, transeuntes e pessoas que usam as praças para a prática de exercícios físicos. No entanto, Aline explica que o problema é bem mais complexo: “A rua é pública e eles não podem ser impedidos de ficar lá. Se as famílias tomassem consciência e organizassem suas casas, suas relações, poderiam ajudar muito, mas, ao contrário, elas não querem”.
Ela explica que a exceção são os idosos, os quais são conduzidos para asilos, pois é obrigação do estado prestar assistência e cuidado.
Deldebio intervém e fala: “Quando a situação chega ao extremo – de o indivíduo preferir morar na rua – todos os laços familiares foram desfeitos, não há mais confiança, respeito e nem afeto”.
Ele não vê a situação com otimismo: “Quanto mais a cidade for crescendo, maior será este problema. É necessário fazer um trabalho com as famílias, mas é muito difícil identificar todos os casos em que há violações de direitos”.
Neste sentido, sem apoio das famílias, o trabalho da Assistência Social ajuda na garantia dos direitos e na redução de danos. Aline explica que algumas pessoas vêm de outras cidades em busca de emprego, mas não conseguem. Nestes casos a equipe disponibiliza passagem para o retorno à origem, mas que a maioria absoluta dos que habitam as ruas de Nova Venécia, atualmente, é daqui mesmo.
Ela alerta que muitos adolescentes estão se tornando pais e mães muito precocemente. Há muitos jovens sem estudo, estão fora da escola e não trabalham. Para ela, a resolução do problema não é nada simples, mas, empreender assistência pública específica é possível.
Dentre eles, os mais renitentes e problemáticos são os usuários de álcool e droga, os quais chegam a cometer crimes para sustentar o vício. Para esses, a resolução do problema é muito mais difícil. Não adianta abrigo ou oferta de oportunidade.
Talvez uma força-tarefa específica e permanente da municipalidade, envolvendo assistentes sociais, psicólogos, policiais sensíveis a esse quadro social, o próprio Judiciário, a Promotoria local, além da inciativa privada, possa minimizar a situação.
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