
Faleceu na manhã desta segunda-feira (24), dona Zulmira Salvador Toscano, aos 88 anos. A família não informou a causa da morte e comunica que o velório será restrito aos familiares devido ao número crescente de casos de covid-19.
Dona Zulmira era viúva, ela foi casada com o saudoso seu Orman Toscano, ex-prefeito de Nova Venécia, que esteve à frente do Executivo Municipal na década de 70, falecido em maio de 2020.
Aos 88 anos Dona Zulmira deixa 9 filhos, 22 netos, 6 bisnetos e 1 tataraneto a caminho.
Abaixo, um texto escrito pela neta Izabela Toscano Bassetti.
UM CAFEZINHO E UM PEDAÇO DE QUEIJO COALHO
“Nunca gostei de cozinhar”. Espanto foi o que senti ao ouvir essa frase saindo da boca dela.
Zulmira desde cedo se encantou pelo ramo da saúde. Jovem de alma bondosa, e de vesícula não tão boa assim, foi para a capital a princípio por uma cirurgia e na saída do hospital recebia a proposta de continuar lá. Não como paciente, mas como estudante de enfermagem. Não foi. Sentiu saudades antes que o verbo se tornasse ido. Duro fazer papai voltar de carro sozinho para o interior.
A vida toda foi desse jeito, apegada à família. Dedicada ao marido e aos filhos. Nove filhos. Ela aprendeu assim. Depois de crescidos, os meninos começaram a trabalhar na roça. E lá de longe vinha ela. Numa mão, a cesta com as broas quentinhas, na outra a garrafa com a boca apertada que só para trancafiar o calor ali dentro e o cafézinho chegar pelando para a meninada, como se não bastasse o mormaço de meio da tarde já bem conhecido de um país tropical: “[Eu] chegava lá de surpresa, todo mundo com fome, ficava feliz, né?[…] Por que [a broa] assadinha na hora com cafezinho quente… comia todo mundo junto…”.
Nas férias os sobrinhos resolviam aparecer. A meninada entupia cada poro da casa e desafiava a criatividade da nossa personagem na cozinha. E sempre tinha comida “nem que fosse um queijo frito com ovo”, como ela faz questão de enfatizar. Mas nunca tinha só queijo e ovo frito. Para ocasiões como essa, ela tira da manga uma carta guardada com todo carinho: o toucinho do céu.
Receita simples de sabor angelical. Se você perguntar a ela como faz, num sorrisinho despretensioso ela vai falar: “faz com o que tem. Leite, um coco, açúcar até adoçar o gosto da gente e o trigo até dar um ponto assim de mingau”. Antes de completar a explicação, se você der um de besta, ela sai andando e te deixa a ouvir passarinhos no quintal. Quando der por si, todos os ingredientes estarão na mesa. De fininho ela deu duas voltas na cozinha, pegou tudo que precisava e já ligou o liquidificador para te mostrar como faz. Eita, dona Zulmira.
Com toda essa proatividade, destreza e incapacidade de seguir fielmente uma receita, assim como as melhores cozinheiras fazem, quem poderia imaginar que todo esse talento viria a contragosto? ”Nunca gostei de cozinhar, mas cozinhei desde os 8 anos até hoje”. Chega a ser irônico. Desde criança cozinhava sem querer. E hoje, com 87 anos continua, porque só isso resta a ser feito. Pergunta se ela larga o fogão. Não larga. Se antes fazia um dia ter 28 horas para cumprir seus itinerários, agora ela arranja na cozinha uma obrigação para não se amigar com a inércia. Agora, é a produção de queijos que a ocupa no dia a dia e ainda garante uma renda extra.
O queijo então se tornou um convidado recorrente nos cafés da tarde. Sempre acompanhado de um cafezinho bem quente e uma boa conversa para botar os assuntos em dia. O papo flui entre vídeos com áudio estourado e interrupções daqueles mesmos sobrinhos que ligam de todo canto do Brasil só para ouvir como dona Zulmira está passando. Então, enquanto não retornamos a nossa conversa analógica, eu tomo meu cafezinho e como um pão com queijo.
Inclusive, você sabe como é feito um queijo? Tome mais um gole de seu café enquanto dona Zulmira te explica:
“O queijo é a cada 10 litros… E tem o coalho, né? O coalho tem a tampinha…então a tampinha é a medida. 10 litros de leite pra uma tampinha de coalho. Aí você põe, mistura e deixa uns quarenta minutos. Ele talha, aí você vai e corta aquela coalhada bem cortadinha, deixa a massa assentar, ir pro fundo […] Aí tá na hora de coar. Coa. Separa o soro da coalhada. Vai separando até endurecer a coalhada e você bota na forma. Aí vira o queijo. Bota o sal por cima, mais tarde vira ele e bota sal do outro lado. No outro dia desinforma. Aí você vai cuidando do queijo, rala ele de um lado, do outro…acerta….tampa os buraquinhos. Quem gosta come ele fresco, quem quer ele curado tem que esperar uma porção de dias.”
Comente este post