Por Izabel Maria da Penha Piva
Para nós, ocidentais, o Natal é uma data em que celebramos o nascimento do Menino-Jesus. Independente do dia certo, o cristianismo afirma que Deus se fez homem para revelar à humanidade o seu amor e promover a salvação de nossas almas.
O dia certo do nascimento de Jesus, no entanto, não é conhecido, como escrevi anteriormente. E nem se encontra em nenhuma referência escrita, seja sagrada ou não. Mas sabemos que os povos antigos comemoravam as festas do solstício de inverno próximo a 21 de dezembro, onde a noite mais longa do ano dava início a um período em que estas se tornariam cada vez menores, e a luz, ou o sol, voltaria a se fortalecer em dias mais extensos, trazendo vida depois de um tempo de inverno.
Na Roma antiga, por exemplo, esta festa estava associada à figura de Mitra, uma divindade persa adotada pelos romanos, que representava a luz e tinha como símbolo o sol. Sua comemoração acontecia em 25 de dezembro com o festival do “sol invicto”. Por todo o império as pessoas cantavam, comiam, bebiam e trocavam presentes desejando bons presságios a todos.
Teólogos acreditam que uma das táticas empregadas pelos primeiros cristãos, ainda no século I, para expandir a prática do cristianismo, seria a aculturação de rituais religiosos, que mesclados aos ensinamentos judaico-cristãos, se tornaram imprescindíveis para a difusão da nova religião, até então tendo como representantes mártires e divulgadores da Boa-Nova trazida por Jesus.
A festa do Natal nasceu nesse contexto. Realmente a data do nascimento de Jesus está em discussão nos primeiros séculos da era cristã, quando um teólogo grego conhecido como Clemente de Alexandria registra diferentes possibilidades de datas para o nascimento do Salvador, dentre elas, dias entre março e maio. Mas historiadores eclesiásticos acreditam que o Papa Júlio I, que viveu seu pontificado entre 337 e 352, século IV, em plena antiguidade tardia, tenha estabelecido a data de 25 de dezembro como Natal.
Outra versão nos fala que Constantino, imperador de Roma entre 306 e 337, teria oficializado a festa solar como a do nascimento de Cristo. Há, inclusive, uma lenda em que explica porque o imperador permitira o culto cristão, até então perseguido e condenado pelos romanos. A mitologia afirma que este, em luta, teria visto no céu uma cruz e ouvido uma voz que lhe afirmava: “Esse é o meu sinal e com ele vencerás”. Ao colocar o desenho da cruz nos escudos de seus soldados, vencera a batalha. Dessa maneira, o imperador associava a figura de Cristo à sua.
Guardadas as devidas proporções em relação à importância econômica e política para a adoção do cristianismo pelo Império Romano, o fato é que um calendário produzido no ano de 354 já fazia referência da data de 25 de dezembro como Natal.
No Brasil, o Natal chegou com os portugueses. Ainda sem a referencia à figura do Papai Noel, as festas natalinas concentravam-se nas atividades religiosas como as novenas e as missas do galo.
Já no início do século XIX há referencias de gravuras do pintor francês Debret que retratam homens escravizados levando cestas com pães e doces de tabuleiros para serem entregues em casas de senhores, como presentes de Natal. Frangos e leitões assados, recheados com farofas, completavam as comemorações do almoço de Natal nas famílias mais abastadas. Quanto aos pobres, além das missas, pouco se comemorava.
As árvores de Natal, tão comum aos nossos dias, eram um costume europeu, divulgado por Lutero, após a reforma protestante. Estavam enfeitadas com doces, consumidos na noite especial. O presépio, criado por São Francisco, no início do século XIII, também tornou-se usual aos nossos dias, e é uma lembrança lindíssima do que teria acontecido no nascimento de Jesus, segundo os evangelistas Mateus e Lucas.
A difusão dos preceitos consumistas nos remete à figura do papai Noel, ressignificado por empresas como a Coca-Cola no início do século XX, colorindo inclusive sua roupa de vermelho, cor símbolo da citada bebida. A mitologia nos afirma que sua origem está associada a São Nicolau, pois este distribuía alimentos e brinquedos a crianças carentes e suas famílias no Natal. A imagem do bom velhinho, no entanto, tem lá seus encantos, podendo e devendo, assim como todo o ritual natalino, associar-se à união familiar, comunitária e solidária com todos, principalmente os mais necessitados.
Aqui em Nova Venécia, assim como todo interior do Brasil, eram comuns no período natalino novenas familiares, missas do galo e as celebrações dos Santos Reis, ou Folia de Reis, como observamos no folclore capixaba. A festa começava antes do Natal e acontecia até a data de 6 de janeiro, quando a tradição católica comemora o dia de reis, lembrando a visita dos reis magos ao Menino Jesus. Estes lhe ofertaram presentes como ouro, incenso e mirra.
Há registros orais da Folia de Reis acontecendo na primeira metade do século XX na região do Pip-Nuc e Água Preta. Filhos e netos de moradores antigos desses lugares, como o senhor João Frigerio, de 96 anos, e o senhor João do Santíssimo, lembram sempre muito saudosos dessas festas recebidas em suas casas, para orações e cantorias. As figuras que compunham as folias, formadas por mestres, reis, palhaços, alferes e foliões, saíam às ruas com instrumentos musicais como violas e tambores, cantavam e dançavam fantasiados com roupas muito coloridas, chapéus enfeitados com fitas, miçangas e espelhos. O estandarte do grupo, também muito ornamentado, era empunhado com reverência e alegria.
Quando o grupo chegava a casa, pedia licença ao morador, se apresentava e depois recebia ou alguma oferta ou uma boa merenda, como diziam à época, que poderia ser bolo, pão caseiro, polenta ou mandioca frita, queijo, café, uma pinguinha e tudo mais que a condição financeira da família permitisse.
Poucos anos atrás ainda era comum ver Folia de Reis aqui na cidade com os grupos do Mestre Anísio, no bairro Rúbia, e do Mestre Antônio Oliveira, do bairro São Francisco e bairro Betânia.
Diante de tantas festas e compromissos que a data nos traz atualmente, o Natal deve ser um momento para meditarmos sobre o amor, de Jesus pela humanidade, de nós por nossos familiares e amigos, por nossos próximos. Um momento para que a gratidão prevaleça sobre o murmúrio da insatisfação constante que tumultua a nossa alma. Hoje, junto às novenas, às missas, aos cultos, às cantatas, às ceias e aos almoços familiares, buscamos celebrar em meio ao tumulto existencial que vivemos, um tempo de delicadeza, em que o amor e a fraternidade devam reinar dentro de cada um de nós.
* A autora é historiadora,professora e colaboradora do Jornal Correio9
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