OPINIÃO
Roney Marcos Pavani *
Ao ser perguntado, certa vez, o que seria do Brasil se Jair Bolsonaro chegasse ao poder, o professor titular de Ética e Filosofia da Unicamp, Roberto Romano, respondeu: “um retorno ao inferno”. Romano, tristemente falecido no ano passado como uma das 650 mil vítimas da pandemia, além de um intelectual de primeira linha, com uma vasta obra publicada no país e no exterior, pelo visto também tinha ares de profeta. Este é, de longe, o governo mais nefasto da nossa história recente: a começar pela negação e a negligência para com a pandemia; os cortes nos investimentos em educação e cultura, a destruição de importantes instituições, como a Funai e a Fundação Palmares; o desemprego insolúvel (13,2%, segundo o IBGE) e o consequente empobrecimento das famílias; as incontáveis tentativas de golpe de Estado, as afrontas aos Poderes Judiciário e Legislativo; a linguagem chula do mandatário; as ameaças a opositores e a profissionais da imprensa; as denúncias de corrupção e favorecimento a familiares; o mal resolvido assassinato de Marielle Franco, as redes de notícias falsas; os pronunciamentos toscos e os projetos de lei bizarros.
É, eu sei, a lista é longa. Mas, acredite, há coisas piores: aguentar aquele seu vizinho que repete bovinamente frases soltas como “a mamata acabou”, “pelo menos não temos roubalheira”, por exemplo. Ou contemplar todos os dias aquele adesivo colado na traseira do carro (quase sempre uma picape) já antecipando a campanha eleitoral de 2022.
E, por falar em automóveis, às vezes, a situação caminha para o insustentável. Refiro-me à escalada brutal no preço dos combustíveis, com aumentos sucessivos desde o início da gestão Bolsonaro, sendo o mais recente o da semana passada. Nas distribuidoras, o preço médio da gasolina passou de R$ 3,25 para R$ 3,86 o litro, um aumento de 18,77%. Para o diesel, o valor foi de R$ 3,61 a R$ 4,51, alta de 24,9%. O gás de cozinha passou de R$ 3,86 para R$ 4,48 por quilo, um reajuste de 16%. A última alteração fora há quase dois meses, em 11 de janeiro.
Já o GLP, o popular gás de cozinha, havia sido reajustado em outubro do ano passado, há 152 dias. Nos postos de Nova Venécia, veja você, as bombas marcam acintosos R$ 7,59 o litro da gasolina. O botijão de gás chega a custar R$ 110! Imagine o que esses números, não exatamente frios, significam para quem vive de salário mínimo. Ou menos do que isso…
E, claro, se os combustíveis ficam mais caros, ficam mais caros também os fretes do transporte rodoviário. O preço das mercadorias sobe, sobretudo o de alimentos. Vá ao supermercado no setor de frutas e verduras, e você entenderá o que quero dizer. Não é de se espantar que a inflação referente ao ano passado já ultrapasse os 10% (também segundo o IBGE).
De imediato, as hostes bolsonaristas do WhatsApp (o leitor, certamente, já fez ou ainda faz parte de uma dessas seitas) se colocam em alerta frenético para explicar o que acontece e apontar culpados: “O ICMS!” ou “Prefeitos e Governadores comunistas!” ou “A pandemia e as políticas de lockdown!” ou “A Guerra na Ucrânia!” Tudo, é claro, em letras garrafais e envolvido em palavras de ordem. Deve haver algo de divertido em receber e repassar esse tipo de material, afinal, a cada semana uma culpa diferente. Ninguém pode reclamar de tédio. E o mesmo roteiro de culpabilizações nas lives presidenciais às quintas-feiras. É A Voz do Brasil em sua versão mais recente (e mais rasteira).
Dizem que a mentira mais eficaz é aquela que diz meias-verdades. Pois bem, o conflito entre Rússia e Ucrânia, iniciado em 20 de fevereiro, provocou um aumento considerável no preço do barril de petróleo no mercado internacional. E é verdade, o preço dos combustíveis e dos alimentos têm subido não só no Brasil, mas em diversos outros países (os partidários do governo chegam ao êxtase quando divulgam essas informações em suas redes, como forma de eximir de responsabilidade o seu mito de origem). Porém, também é verdade que o preço dos combustíveis já vinha subindo bem antes do conflito no Leste Europeu. E mais, em termos comparativos, o preço do barril de petróleo custa hoje US$ 113,00. Em 2008, quando o mundo passava por uma outra crise econômica, esse valor chegou a girar na casa dos US$ 150. No entanto, o litro da gasolina nessa mesma época custava, em média, R$ 2,50, um valor que parece quase saído de um conto de fadas.
Desde que Bolsonaro assumiu, a gasolina já aumentou 157%. Ele, obviamente, deve ser responsabilizado. Porém, a raiz do problema se encontra ainda na gestão de Michel Temer (2016-2018). Em seu governo, a Petrobras passou a adotar a política de paridade de preços com o dólar, chamada de PPI (Preço de Paridade Internacional).
O índice se baseia nos custos de importação, que incluem transporte e taxas portuárias como principais referências para o cálculo dos combustíveis. Por estar vinculado ao sistema internacional, a variação do Dólar e do barril de petróleo tem influência direta no cálculo dos combustíveis da Petrobras. Nada mal para os lucros da empresa e para os dividendos de seus acionistas. No entanto, a dolarização gerou uma escalada de preços que, aliada à desvalorização do Real perante o Dólar, impacta de maneira hostil o bolso do trabalhador.
O presidente da República reconheceu, depois de três anos de muita relutância e ataques a inimigos imaginários, que essa política é equivocada: “uma legislação errada feita lá atrás”, disse há alguns dias em entrevista à Rádio Folha, de Roraima. É compreensível: haverá eleições no final desse ano, e Bolsonaro, por mais incompetente que seja, sabe muito bem que precisa fazer das tripas coração se quiser vencer. Ora, seu concorrente direto, o ex-presidente Lula, está de 15 a 20 pontos à sua frente nas pesquisas de intenção de voto, dependendo do instituto de pesquisa em questão. É algo inédito, em se tratando de reeleições.
Em linhas gerais, é preciso muito mais do que os 25% de seguidores fiéis e de todo o caos cognitivo que espalham.
Desculpas esfarrapadas já não convencem mais.
* O autor é mestre em História pela UFES, professor do IFES de Nova Venécia e colaborador do
Jornal Correio9
OS TEXTOS ASSINADOS NÃO REFLETEM, NECESSARIAMENTE, A OPINIÃO DO CORREIO9
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