
O aumento da obesidade infantil é um problema de saúde pública preocupante. De acordo com dados da OMS (Organização Mundial da Saúde), o número de crianças com excesso de gordura corporal pode chegar a 75 milhões até 2025. Ainda segundo a entidade, se não forem tomadas medidas para frear o ganho de peso infantil, o Brasil pode ocupar a quinta posição no ranking de países com o maior número de crianças com obesidade até 2030.
O Atlas da Obesidade Infantil no Brasil, documento do Ministério da Saúde publicado em 2019 com base em dados de crianças atendidas na Atenção Primária à Saúde (APS) do SUS (Sistema Único de Saúde), aponta que 27% das crianças de até 2 anos estão com sobrepeso ou obesidade; na faixa entre 2 e 4 anos são 14%; e de 5 a 9 anos, 29% estão acima do peso — sendo que 5% (o equivalente a cerca de 200 mil) têm obesidade grave.
A obesidade é uma doença multifatorial: envolve fatores genéticos, comportamentais, sociais, emocionais. Da mesma forma, o tratamento costuma ser multidisciplinar, podendo incluir nutricionista, endocrinologista, psicólogo, psiquiatra, profissional de educação física, além do pediatra ou hebiatra (médico que atende adolescentes), no caso da obesidade infantil — entenda como cada especialista pode ajudar na perda de peso.
Um dos principais obstáculos ao tratamento adequado da obesidade em qualquer idade é o estigma que existe em torno da doença, em grande parte resultado de desinformação. No caso das crianças, há ainda a falta de compreensão dos pais sobre a seriedade do problema, o que acaba impedindo ou retardando a busca por aconselhamento médico. Saiba a verdade por trás de alguns mitos que ainda existem sobre o assunto e atrapalham seu tratamento.

Mito 1: criança gordinha é criança saudável
No passado — e ainda hoje em muitas famílias — era comum dizer que bebê ou criança gordinha é sinônimo de saúde, mas já está estabelecido que sobrepeso e obesidade na infância não têm nada de saudável. A obesidade é uma doença crônica caracterizada pelo acúmulo excessivo de gordura no corpo, o que gera inflamação e um desequilíbrio geral no organismo, predispondo a uma série de outras doenças, como hipertensão, diabetes tipo 2 e esteatose hepática (gordura no fígado), além de alterações no desenvolvimento de ossos, músculos e articulações desde os primeiros anos de vida. Há, ainda, o prejuízo à saúde mental. Crianças e adolescentes com obesidade geralmente tornam-se alvo de bullying, o que abre caminho para problemas de autoestima e socialização, ansiedade, depressão e transtornos alimentares.
O diagnóstico da doença em crianças e adolescentes leva em consideração o IMC (índice de massa corporal) pela idade e sexo e percentis como indicadores de magreza, sobrepeso e obesidade. Como não se trata de um cálculo simples de ser feito, é importante que o acompanhamento do crescimento e ganho de peso seja feito por um especialista em saúde infantil. Há a tendência de crianças e adolescentes com obesidade serem adultos com a doença, ou seja, prevenir e tratar o problema desde cedo é um investimento em saúde para a vida inteira.
Mito 2: criança pode comer o que quiser porque gasta muita energia
Os principais fatores de risco para o desenvolvimento de obesidade na infância estão ligados ao estilo de vida: alimentação inadequada, prática insuficiente de atividade física e muito tempo mexendo no celular, no tablet e no computador, vendo televisão e jogando videogame, o que estimula o sedentarismo, atrapalha o sono e eleva o estresse, com reflexos na saúde e no peso.
O Guia Alimentar para Crianças Brasileiras Menores de 2 Anos (2019), documento do Ministério da Saúde alinhado com o Guia Alimentar para a População Brasileira (2014), recomenda o aleitamento materno exclusivo até os seis meses, a partir de quando pode-se introduzir alimentos in natura — e manter a amamentação até 2 anos, se a mãe quiser.
Produtos processados e ultraprocessados, açúcar, refrigerante, suco de caixinha e bebidas açucaradas, vilões da alimentação saudável em qualquer idade, devem ficar de fora da dieta dos pequenos até as crianças completarem 2 anos. Depois dessa idade, a indicação continua sendo mantê-las longe desses alimentos, mas é sabido que essa tarefa é dificultada pela rotina moderna e o marketing da indústria alimentícia. De qualquer forma, é preciso limitar esses produtos industrializados no dia a dia e priorizar produtos in natura, com a maior variedade possível de legumes, verduras, frutas e grãos.
“Incentivar o consumo de alimentos saudáveis desde a infância, quando o paladar e os hábitos estão sendo formados, aumenta as chances de a criança se tornar um adulto consciente e autônomo para fazer boas escolhas alimentares”.
Além da alimentação saudável, é importante assegurar que os pequenos gastem energia no dia a dia, brincando e praticando atividade física e esportes, e diminuam o tempo usando celular, tablet, videogame. A recomendação da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria) é que até os 2 anos o tempo em frente das telas seja zero. Até 5 anos, deve ser limitado a uma hora por dia; de 6 a 10 anos, até duas horas por dia; e crianças acima de 11 anos não devem ultrapassar três horas diárias em aplicativos, games ou redes sociais —tudo isso descontando-se as horas de estudo e atividades escolares online.

Mito 3: criança já brinca, não precisa fazer exercícios
A prática de atividade física deve ser estimulada durante toda a infância, com o objetivo de melhorar aspectos físicos, sociais e emocionais. A SBP tem recomendações específicas para cada fase de desenvolvimento da criança: até os 3 anos, elas devem ser incentivadas a realizar movimentos no chão — engatinhar, arrastar-se, rolar, pegar, puxar, levantar, sentar — várias vezes ao dia, mesmo que por curtos períodos, sempre com a supervisão de um adulto.
À medida que aprendem a andar sozinhas, a indicação é que se movimentem por 180 minutos diários, ainda que fracionados, incluindo atividades mais energéticas, como saltar, correr e brincar na água. Dos 3 aos 5 anos podem ser incluídas nesses 180 minutos brincadeiras ativas (andar de bicicleta, pega-pega, jogos com bola, passear com o pet) e modalidades mais estruturadas, como natação, dança ou luta. A partir dos 6 anos, a recomendação é acumular no mínimo 60 minutos diários de atividade moderada a vigorosa (que aumenta os batimentos cardíacos e deixa a respiração ofegante, como correr, nadar, pedalar, jogar bola, brincar em playground), além do máximo de tempo possível em movimento de qualquer tipo.
Em qualquer idade, a criança deve ser incentivada a experimentar modalidades diferentes e se engajar em uma ou mais que tragam prazer e diversão, além de evitar comportamentos sedentários. Para os especialistas, crianças e jovens fisicamente ativos têm mais chances de se tornarem adultos ativos e, com isso, menos risco de desenvolverem obesidade e doenças relacionadas a ela ao longo da vida.
Mito 4: diabetes tipo 2, pressão alta e colesterol alto não afetam as crianças
Doenças como essas, que estão associadas ao excesso de peso corporal e até algum tempo atrás eram consideradas de adulto, preocupam os pais e comprometem a saúde e a qualidade de vida de crianças e adolescentes também. Com o agravante de, se a obesidade não for diagnosticada e tratada precocemente, o tempo prolongado de exposição ao excesso de gordura pode desencadear essas doenças crônicas mais cedo, diminuindo a expectativa de vida da pessoa.
A criança com obesidade deve ter acompanhamento de um pediatra, que vai orientar tanto o tratamento do excesso de peso, junto com outros profissionais da saúde (nutricionista, psicólogo etc.), quanto de doenças metabólicas que acompanham o excesso de gordura corporal.
Mito 5: criança não pode tomar remédio para emagrecer
Medicamentos são considerados o último recurso no tratamento da obesidade infantil, quando a criança não consegue mudar hábitos ou essas mudanças não são suficientes para obter resultados de perda de peso — e no caso de haver comorbidades associadas à obesidade grave, como depressão ou compulsão alimentar. Os remédios só podem ser administrados com prescrição médica após acompanhamento minucioso do caso.
No Brasil, o primeiro remédio emagrecedor para uso pediátrico (a partir de 12 anos) autorizado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), em 2020, foi a liraglutida, que atua no cérebro simulando a sensação de saciedade, com isso diminuindo a ingestão calórica. O fármaco é injetável, deve ser dosado conforme o peso corporal e tem efeitos secundários leves — dor abdominal, náusea e diarreia —, de acordo com estudo publicado no New England Journal of Medicine.
Outra opção utilizada off label para obesidade em jovens com mais de 12 anos é o orlistate, que age inibindo a quebra e a absorção da gordura dos alimentos pelo intestino, fazendo com que seja eliminada direto nas fezes. Apesar de considerada segura quando bem administrada, a droga pode causar desconforto abdominal e diarreia.
*Marcia Di Domenico
Fontes: Danielle Arisa Caranti, professora do GEO (Grupo de Estudos da Obesidade) do campus Baixada Santista da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo); Denise Lellis, pediatra e nutróloga do Departamento de Obesidade Infantil da Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica); Fabiana Cristina Lima da Silva Pastich Gonçalves, professora do Departamento de Nutrição da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco); e Sandra Chemin, doutoranda do Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Ciências da Saúde do campus Baixada Santista da Unifesp.
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