Elias de Lemos (Correio9)
Na parte central de uma grande cidade vivia um menino chamado Barnabé. Ele era muito pobre e vivia sempre sozinho e com fome. Não tinha casa, roupas ou brinquedos. Seu pai e sua mãe tiveram “vidas tortas” foram pessoas muito más e devido à vida que levavam morreram cedo. Sem ninguém, Barnabé não sabia o que era ser amado por alguém. O único lar que ele conhecia era um barril colocado atrás de uma loja. Era naquele lugar que ele vivia. Assim, era conhecido como o menino do barril.
Durante o dia o menino do barril vendia jornais nas ruas mais movimentadas da cidade. Conseguia uns poucos trocados, somente o dinheiro necessário para satisfazer parcialmente sua fome. Quando chegava à noite voltava para o barril, encolhia-se sobre um velho casaco e tentava esquecer-se de que estava sozinho, com frio e com fome.
Esta é uma história fictícia, narrada no livro “O menino do barril”, de Paulo Debs. Mas, poderia ser a história de um garoto de 11 anos que vive na cidade de Campinas, no interior de São Paulo.
A história é revoltante e, por isso, provoca comoção e compaixão. O menino passou um mês acorrentado e trancado dentro de um tambor. E mais: quem fez essa atrocidade com ele foi o seu próprio pai.
Vizinhos perceberam algo errado e, no dia 31 de janeiro, mostraram, à polícia, onde o menino ficava preso: uma construção com uma janela minúscula, sem luz do sol e sem ventilação.
O garoto de 11 anos estava nu, dentro de um latão grande de metal, que estava fechado com uma pia pesada. Ele mal conseguia se mexer. Tinha a cintura, pés e mãos acorrentados. Estava desnutrido e raquítico.
Esse menino do tambor morava com o pai, a namorada dele e a filha dela. Todos conviviam como se a situação fosse normal. Todos foram presos. De acordo com os relatos dos vizinhos, ouvidos pela polícia, ele estava acorrentado dentro do tambor há, pelo menos, um mês.
No dia 30 de janeiro, em Alagoas, uma mulher foi presa em flagrante, acusada de matar, arrancar os olhos e a língua da filha de 5 anos. Ironicamente o crime aconteceu na cidade de Maravilha. Segundo a Polícia Civil a assassina sofre de transtornos psiquiátricos e teve um surto. Ainda não se sabe se a língua e os olhos da criança foram arrancados com ela em vida ou não. A denúncia foi feita pela avó da menina depois de encontrar a neta morta e a mãe próxima ao corpo.
Aqui neste espaço já escrevi vários artigos sobre violência contra a infância. Todos os dias, reportagens sobre violência contra a criança chegam de todos os cantos do Brasil à Redação do Correio9. Por mais que elas se sucedem, é muito difícil nos acostumarmos com elas.
Muitas vezes custamos a acreditar no que estamos lendo! Nos indignamos, ficamos perplexos e nos perguntamos: como alguém pode fazer uma coisa dessas? Como alguém pode achar isso normal?
Ao mesmo tempo vem outra questão: estes casos são os que nós tomamos conhecimento. Mas, e os tantos outros que acontecem e não são descobertos! Que nem a polícia e nem os conselhos tutelares têm conhecimento!
Maus tratos, abuso infantil, estupros, torturas física e psicológica contra crianças acontecem todos os dias no Brasil. Em 2011 foram 13.378 notificações, já em 2018 a violência atingiu 32.082 vítimas indefesas. Lembrando, mais uma vez que são, apenas, os casos notificados. E os milhares que estão escondidos?
Normalmente a violência que atinge as crianças é cometida por pessoas muito próximas, quase sempre de dentro da casa (como a triste história do menino do tambor), da família ou da vizinhança.
Sendo assim, se quem deveria mais proteger não protege, o que fazer para zelar das nossas crianças?
Que bom seria se todas as crianças recebessem o mesmo tipo de cuidado, de atenção, carinho e afeto! Que bonito seria o mundo se os bebês encontrassem na luz – no convívio familiar e comunitário, na creche, na escola, nos lugares públicos – o mesmo aconchego que tinham no ventre da mãe.
Mas, a nossa realidade, ainda, não assimilou essa vida de paz e segurança para as crianças. Mas, há esperança quanto a isso: o desejo de ver todas as crianças bem cuidadas permanece vivo nos sonhos da maioria de nós. Sendo assim, então, como tornar esse sonho uma realidade?
Será que há algum jeito de cuidar de todas as crianças? Tem… desde que cada pessoa assuma essa corresponsabilidade porque a questão é difícil, mas as ações são específicas de cada um. A gente pode começar enxergando as crianças ao nosso redor, no círculo mais próximo, na família e na vizinhança.
Quando uma criança é maltratada ela emite sinais. Por isso é importante observar o desenvolvimento físico, psíquico e emocional das crianças das famílias que trabalham onde a gente trabalha ou onde a gente mora.
Faça como os vizinhos do menino do tambor. Nunca deixe de denunciar uma violência. Fazer com que a criança receba essa atenção individual e pública é cuidar também da sociedade como um todo.
A noção de cuidado coletivo e a prática de cuidar transformam. Crianças que são bem cuidadas aprendem a cuidar de si e das demais pessoas. Basta a gente se engajar, e ser implacável com a violência contra as crianças, que esse mundo tem jeito!
* O autor é economista, professor, jornalista, escritor e editor-chefe do Correio9
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