Elias de Lemos (Correio9)

O mês de setembro ganha uma cor especial em valorização à vida. Seus 30 dias são marcados pela campanha do Setembro Amarelo, cujo objetivo é abordar assuntos de saúde mental e prevenir o suicídio no Brasil. O movimento foi criado em 2015, pelo Centro de Valorização da Vida (CVV), em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).
A cor amarela remete à iluminação e alegria, além de ajudar a chamar a atenção para a campanha. Além disso, ações nas ruas, escolas e demais instituições são comumente realizadas para conscientizar e oferecer orientações para pessoas que necessitam de algum tratamento ou apoio psicológico.
Falar de suicídio, muitas vezes, é um tabu. Quais são, no entanto, os fatores e sentimentos que podem levar uma pessoa a cometer esse atentado contra a própria vida? Quais são os fatores de risco? Como surge o comportamento suicida? Como identificar o comportamento desde o início?
O Correio9 conversou com o doutor Marcelo Dal’Col, psicólogo clínico e de área hospitalar – com formação, também, em pedagogia – especialista em doenças mentais ele atua na Clínica São Camilo e no Hospital São Marcos, ambos em Nova Venécia.
Segundo ele, o comportamento suicida surge em decorrência de transtornos mentais e psicológicos, por isso é preciso identificar essas mudanças comportamentais desde o início. E reforça que a família, os amigos ou pessoas próximas podem ajudar nesse processo de diagnóstico.
“A depressão é o maior fator de risco para o suicídio. É preciso combater os fatores que desencadeiam a depressão”, afirmou o psicólogo.
Marcelo Dal’Col explicou que em Nova Venécia o tratamento especializado pode ser feito na Clínica São Camilo ou pelo SUS (Sistema Único de Saúde) no Hospital São Marcos, onde o tratamento é realizado por uma equipe multidisciplinar, composta de 7 especialidades. “Frequentemente recebemos pacientes com automutilação e autoflagelação, a maioria tem características depressivas”, disse.
Ele explicou que as principais causas para o desenvolvimento de comportamento de risco são o isolamento social e as frustrações. “Vivemos uma época em que as pessoas estão isoladas e isso desencadeia pensamentos negativos”, afirmou. “Além disso, existe a dificuldade de lidar com as frustrações”, completou.
O psicólogo esclareceu que há, também, a depressão orgânica, sem fatores externos, mas que está intrínseca na natureza do indivíduo. Neste caso, não é causada por nenhum motivo aparente, mas traumas que podem ter origem na infância, ou até mesmo na gestação daquela pessoa.
Ele falou, também, que a inserção da tecnologia no cotidiano das pessoas provocou um novo tipo de depressão: “A depressão sorridente”. De acordo com ele, a tecnologia conecta as pessoas, mas não é uma conexão real, é virtual.
“As redes sociais criam a ilusão de que as pessoas estão próximas. Porém, elas estão sozinhas; curtidas em fotos não são contatos físicos, não são manifestações de carinho, nem de amizade. Na prática, as pessoas estão isoladas, mas não se dão conta disso. Nas redes sociais, aparecem sorridentes e aparentemente ‘felizes’. Mas por trás do sorriso há tristeza, pensamentos negativos, frustrações e dores. A depressão sorridente fica escondida atrás da cortina do sorriso, portanto, é mais difícil de ser detectada”, explicou.
Como detectar pensamentos negativos?
O psicólogo sugere ao indivíduo fazer uma pergunta a si mesmo: “Quando estou sozinho eu penso em quê? Ouço música? Faço planos para o futuro? Sinto-me bem? Trata de uma autoavaliação, buscando o autoconhecimento”, disse.
Ele indica que se os pensamentos negativos forem recorrentes, deve-se procurar ajuda.
Quem vai cometer suicídio avisa?
“Avisa sim, emite sinais”, afirma Marcelo Dal’Col. Ele cita exemplos de sinais mais comuns: “Estou no fundo do poço”; “tudo o que eu faço não dá certo”; “não sei o que estou fazendo no mundo”; “tenho vontade de desaparecer”… São alertas claros, garante o médico.
Ele cita, também, sinais físicos, como pessoas que se torturam ou se automutilam.
“A pessoa com comportamento suicida emite sinais, porque quem ‘intenciona’ o suicídio não quer morrer; quer acabar com os problemas com os quais se defronta na vida”, disse o psicólogo.
Segundo ele, o suicídio é mais frequente entre homens. “A maioria dos pacientes que recebemos em busca de tratamento de depressão é composta de homens”.
Como lidar com as frustrações?
O psicólogo explica que, de longe, os conflitos emocionais gerados pelas frustrações são a principal causa da depressão. Ele explica: “Ninguém está isento de passar por algum descontentamento emocional. Isso faz parte da existência humana, não existe ser humano que não tenha passado por alguma frustração. No entanto elas passam, não podemos continuar alimentando-as porque, delas, decorrem outras e o problema se avoluma”.
O especialista alerta que o ser humano precisa aceitar “a nossa condição de fracos”. “A pessoa que está com depressão não é fraca, ela é muito forte. Quem pensa assim é porque desconhece a complexidade do problema”.
Por que o Setembro Amarelo é importante?
A campanha do Setembro Amarelo busca trazer o diálogo e prevenir o suicídio. 90% dos suicídios poderiam ser evitados com ajuda psicológica. A maioria deles é causada por doenças mentais que não são tratadas porque muita gente nem sabe de que precisa de tratamento. Aproximadamente 60% das pessoas que morrem por suicídio não buscam ajuda.
Já pensou se isso se aplicasse a outras doenças? Imagine se 60% das pessoas com fraturas não fossem ao médico ou se 60% dos pacientes com hipertensão não se tratassem e você vai perceber que é estranho que tanta gente não busque ajuda. Isso porque a sociedade não fala do assunto, não informa as pessoas.
Cerca de 17% dos brasileiros já pensaram seriamente em suicídio. 4,8% deles já elaboraram um plano para isso.
Segundo Marcelo Dal’Col, a escolha de um mês para discutir este assunto é de extrema relevância para envolver a sociedade no debate acerca deste problema. De acordo com ele, “o suicídio é a segunda causa de mortes entre adolescentes e jovens entre 14 e 27 anos”.
O objetivo do mês de prevenção do suicídio é conscientizar as pessoas deste problema tão grave, que tira tantas vidas todos os anos. O Setembro Amarelo é um mês de diálogo. É um mês que busca criar conversas sobre o assunto, deixar as pessoas que sofrem com pensamentos suicidas saberem que elas não estão sozinhas e que a morte não é solução.
O Setembro Amarelo busca salvar vidas através da informação e da conversa sobre este assunto sério que ainda é um tabu.
Na edição da próxima sexta-feira (20) o Correio9 trará a segunda parte desta reportagem, abordando o tratamento clínico e pelo SUS, bem como da participação da família e dos amigos nesse processo.
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