Elias de Lemos (Correio9)
O cinismo causa dúvidas: o cínico é mau caráter? Possuía bom caráter e acabou perdendo? Ou será que jamais o conhecera?
Muito tem se falado sobre a taxa de crescimento da economia brasileira em 2017. Depois de dois anos de queda – tendo caído 3,5% em 2015 e outros 3,5% em 2016 – o Produto Interno Bruto (PIB), apresentou sinais de recuperação, com aumento de 1% no ano passado. O governo anunciou o fim da recessão e a retomada do crescimento. Desde então, o problema econômico parece ter sido resolvido.
Em um evento na última terça-feira (13) em São Paulo, o presidente Michel Temer disse acreditar que seu governo seja “o melhor que o Brasil conheceu”. Para justificar a declaração, Temer falou das suas principais realizações, citando a reforma trabalhista, a imposição do teto nos gastos públicos e a finalização da obra da transposição do Rio São Francisco; sabidamente um projeto dos governos de Lula e de Dilma Rousseff. Em seguida o presidente disse acreditar na possibilidade de aprovação da reforma da Previdência, até novembro deste ano.
A recessão econômica é caracterizada pela queda consecutiva do crescimento do PIB por três trimestres seguidos. No Brasil, foram oito semestres sucessivos, que acumularam uma baixa de 7% no PIB. Diante desse número, um aumento de 1% em 2017 seria uma boa notícia. E é. Mas, não como o governo tem afirmado. Além disso, tendo caído 7% nos anos anteriores, o crescimento de 1% não repõe tudo o que foi perdido. Ainda precisa melhorar 6% para compensar a retração acumulada de 2015 e 2016.
Quatro grandes setores: agronegócio, indústria, serviços e o consumo das famílias, participam da soma do PIB, calculada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE. Uma análise detalhada do desempenho de cada elemento que compõe a soma do PIB mostra que não há razões para acreditar na retomada da economia.
O agronegócio cresceu 13%, os serviços aumentaram 0,3%, o consumo das famílias subiu 1%, enquanto a indústria permaneceu no zero, mantendo a estagnação que se iniciou em 2014.
Os setores possuem pesos (percentuais) diferentes no cálculo. Assim, sem o agronegócio, somando, apenas os demais segmentos, o crescimento da economia brasileira seria de 0,3%, em 2017. Isto leva à conclusão de que o agronegócio foi o responsável pelo desempenho total da economia brasileira no ano.
Outro ponto que merece atenção é a taxa decrescente de crescimento da economia. No primeiro trimestre a expansão foi de 1,3%; 0,6% no segundo; 0,2% no terceiro e 0,1% no quarto.
Em nenhum dos setores houve aumento da taxa de um trimestre para o outro. Pelo contrário: em todos os âmbitos, a taxa decresceu. O agronegócio registrou aumento, apenas, no primeiro trimestre, tendo caído nos três seguintes.
As teorias econômicas que tratam do crescimento pós-recessão apontam o investimento, como ponto de partida. Com o investimento as empresas contratam mais, gerando mais empregos. Mais gente empregada significa mais renda. Mais renda leva ao aumento do consumo.
No entanto, as mesmas teorias dizem que a demanda é o combustível dos investimentos. Em outras palavras: sendo o investimento, o ponto de partida, para ele sair do lugar, é necessário haver algum estímulo, e este estímulo seria o consumo. Mas, como aumentar o consumo se a taxa de desemprego é de 12,7%?
A teoria econômica diz que quando o crescimento econômico é pífio, o desemprego é alto e as empresas têm dificuldade para realizar novos projetos, o único meio de a economia voltar a crescer é através de investimentos por parte do governo.
Desse modo, o governo assume a responsabilidade pela volta do crescimento passando pela superação das perdas até o retorno ao crescimento de fato.
Mas, o governo brasileiro vem fazendo o oposto disso. Os gastos públicos caíram 0,6%, em 2017, e vão continuar caindo em 2018, sem nenhuma possibilidade de investimentos públicos. Para completar, o ministro da fazenda, Henrique Meirelles, avisou que pode haver um “aumento brutal” de impostos, o que reduziria, ainda mais, o investimento por parte das empresas.
Por outro lado, o salário mínimo foi reajustado em 1,81%, passando de R$ 937,00 para R$ 954,00.
Parece que aumentou, mas não foi isso o que aconteceu. Na prática, ao se levar em conta a inflação de 2017, que foi de 2,95%, percebe-se que o aumento salarial perde da inflação (1,81-2,95= -1,14). Isto significa que o “mínimo” não subiu, pelo contrário, foi reduzido em 1,14% para este ano, dado que o ajuste não repõe as perdas geradas pela inflação do ano.
Além da perda salarial, quase metade da população está endividada. Dados do SPC Brasil (Serviço de Proteção ao Crédito) indicam que 40,5% da população brasileira estão com o “nome sujo”, com contas em atraso.
Com isto, fica difícil afirmar que com salário menor, endividados, e com 12,7% de desempregados, os brasileiros poderão aumentar o consumo em 2018.
Mesmo assim, no pedestal de sua “modéstia”, Temer afirma que seu governo será “o melhor que o Brasil conheceu”. Melhor para quem?
* O autor é economista, professor e editor-chefe do Jornal Correio9.
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