Na contramão de possíveis avanços na legislação de proteção à mulher, uma sugestão popular de projeto de lei que começou a tramitar no Senado Federal quer extinguir o termo feminicídio do código penal. A ideia legislativa, que também quer tornar hediondo qualquer crime passional, independentemente do gênero da vítima, será avaliada porque alcançou mais de 20 mil adesões e o portal E-Cidadania abriu consulta popular sobre o tema.
O autor da ideia, Felipe Medina, que é de Minas Gerais, condena o termo feminicídio.
Segundo ele, a lei foi sancionada “como se as mulheres morressem por serem mulheres” e “é um termo totalmente infundado que fere o princípio de igualdade constitucional”. Ainda segundo o autor, qualquer crime em função de violência passional deve ter o agravante de crime hediondo.
“Não temos lesbicocídio, gaycídio, masculinicídio, muito embora, mesmo que possivelmente menos frequentes crimes passionais ocorrem em todos os gêneros e tipos de relação. Portanto pedimos a retirada desse termo “feminicídio” e inclua-se o agravante hediondo para qualquer crime por motivos passionais. (sic)”, sugeriu.
O argumento de Medina não é novo. Em diversos momentos a direita, através de porta-vozes tradicionais como Reinaldo Azevedo, ou de membros do MBL, vociferam contra mulheres, negros ou LGBTs diluindo a violência que esses grupos sofrem numa violência generalizada da sociedade. Ou seja, não se mata gays por serem gays, apenas se mata pessoas e por acaso são os gays, as mulheres, os negros as vítimas.
Em 2015 foi sancionada a lei do feminicídio que tipifica o assassinato contra a mulher por razões da condição de sexo feminino. De acordo com a lei considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve violência doméstica e menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Na época da aprovação da lei, parte da mídia também questionou a diferenciação entre homicídio e feminicídio alegando um suposto privilégio no tratamento legal dado às mulheres.
Para o autor da ideia, o fato de a lei considerar algumas penas mais severas traz o paradoxo de que “a mulher seria o sexo frágil” ou “a vida masculina teria um valor menor”.
A cada 1 hora e meia uma mulher é morta no Brasil. De acordo com dados da Organização das Nações Unidas o Brasil é o 5º país em número de mortes de mulheres. Aliado ao racismo, as mulheres negras são as maiores vítimas. De 2013 a 2015 o número de mulheres negras mortas aumentou 54%. A maioria absoluta das mulheres mortas são vítimas de violência doméstica.
No início do ano em Campinas, um caso que chocou o país, no réveillon um homem matou a ex-mulher e mais 11 pessoas porque não se conformava com a separação. Em carta deixada pelo assassino ele dizia querer “pegar o máximo de vadias da família juntas”. Uma jovem, no Rio de Janeiro teve 80% do corpo queimado por se recusar a fazer sexo com o namorado. Mayara Amaral, musicista foi estuprada e morta pelo ex-companheiro em uma emboscada. Jessica Pontes, trabalhadora terceirizada da USP, foi morta aos 7 meses de gravidez pelo namorado que não aceitava a gravidez. São milhares de casos todos os anos.
A Técnica de Enfermagem, Amélia de Oliveira Ferreira, 42 anos, foi assassinada a facadas, na manhã do dia 13 de outubro de 2016, no Posto de Saúde da comunidade de São Luiz Rei, interior de Nova Venécia, enquanto trabalhava.
A médica Milena Gottardi foi baleada na cabeça no dia 14 de setembro, quando saía do Hospital das Clínicas, em Vitória. A polícia disse que ela foi vítima de um crime de mando e os suspeitos são o ex-marido dela, Hilário Frasson, e o pai dele, Esperidião Frasson, que foram presos junto com dois intermediários e um executor.
A lei que tipifica o feminicídio é por si só insuficiente para garantir a vida das mulheres. Retirar o termo da lei é retroceder ainda mais. É fundamental o reconhecimento da violência machista. Não é crime passional, a violência contra as mulheres está encrustada no sistema capitalista. Além do reconhecimento do feminicídio é preciso avançar pela verdadeira emancipação das mulheres.
A sugestão foi encaminhada à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal. A presidente do colegiado, senadora Regina Souza (PT/PI) avocou a relatoria, mas ainda não emitiu parecer, que deve ser pela negativa da ideia. Em discursos recentes sobre os direitos das mulheres, Regina Souza defendeu a Lei do Feminicídio.
Comente este post