Por Elias de Lemos – eliasdelemos@correio9.com.br
Os áudios divulgados pelo site The Intercept Brasil mostram a face oculta da força-tarefa da Lava Jato. O conteúdo já divulgado não deixa dúvidas de que o grupo comandado pelo então juiz federal Sérgio Moro e pelo procurador do Ministério Público Federal, Deltan Dallagnol atuou com o objetivo de impedir a vitória eleitoral do petista Fernando Haddad e antecipar prisão de Lula fazendo uso de provas forjadas.
As três reportagens publicadas no último domingo (9) pelo The Intercept Brasil expôs conversas do ex-juiz federal Sérgio Moro e do procurador Deltan Dallagnol que mostram atuação conjunta dos dois para impedir a vitória de Fernando Haddad, antecipar a prisão de Lula, com clara interferência no resultado da eleição presidencial.
Quando foi convidado para o cargo de ministro da Justiça, Moro e o atual ministro da Economia, Paulo Guedes admitiram, publicamente, que o convite fora acertado antes da eleição. Em entrevista à Rádio Bandeirantes, no dia 12 de maio, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) declarou que firmou compromisso com o ministro e que vai honrar o que foi acertado, caso Moro queira ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal e se for aprovado em sabatina no Senado: “A primeira vaga que tiver, eu tenho esse compromisso com o Moro e, se Deus quiser, cumpriremos esse compromisso”, disse Bolsonaro.
Para a defesa de Lula, e para muitos analistas e professores de Direito, o ex-presidente foi condenado sem provas. Agora o vazamento dos áudios comprova isso. Em um dos trechos, Moro cobra agilidade por parte do MPF e Dallagnol responde admitindo a insustentabilidade dos argumentos da denúncia. Em resposta, Moro responde: “Pode deixar, temos quatro amigos aqui no TRF 4, a sentença já está acertada.
A reação do ex-juiz e do procurador à divulgação dos áudios causam surpresa pela falta de contestação por parte deles. Pelo contrário, nenhuma palavra foi dita em relação a isso, preferiram se justificar, apontar os “méritos” da Lava Jato e desqualificar as reportagens, deixando claro que os fins justificam os meios.
Está evidente que o convite para o Ministério e a possível indicação para o STF são prêmios pela participação de Moro na eleição presidencial, uma vez que a condenação de Lula foi o que garantiu a eleição de Bolsonaro.
No meio do desgaste da operação Lava Jato, cresce a pressão de uma ala do STF para que a corte se posicione sobre as mensagens que o então juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol trocavam na força-tarefa da Lava Jato.
Conversas entre juízes, promotores e advogados são normais, no entanto, a lei proíbe que o julgador aconselhe qualquer uma das partes, seja defesa ou acusação.
Pressão sobre o STF é cada vez maior
A série de reportagens do The Intercept Brasil, mostrando que o hoje ministro da Justiça de Jair Bolsonaro e o chefe da força-tarefa da Lava Jato discutiam colaborações de processos em andamento e comentavam pedidos feitos à Justiça pelo Ministério Público Federal, mostram, também, que eles não agiam de forma imparcial.
Moro, Dallagnol e seus defensores alegam que os áudios foram obtidos de forma ilegal, portanto, não têm validade jurídica.
O Código de Processo Penal não exige “produção de provas falsas”. Há uma “presunção absoluta” de que existe suspeição do julgador pelo simples fato dele se aproximar de uma das partes. Se além dos “acertos” entre MP e juiz ainda produzissem prova falsa, aí estamos no Apocalipse. O membro do MP deve observar o art. 127 da Constituição Federal. Deve defender a “ordem jurídica” e não buscar apresentar exceções não previstas em lei. É certo que o comportamento dos dois se vincula aos interesses pessoais.
Para advogados e professores, a maneira como o atual ministro da Justiça e o procurador reagiram à divulgação das conversas, sem contestar o teor das afirmações e defendendo o comportamento adotado na época, aponta que o conteúdo é fidedigno e que ele pode servir de base para reverter decisões da Lava Jato, por exemplo, contra o ex-presidente Lula, além de outros que caíram na armadilha da Lava Jato.
Para professores e analistas, a forma como as mensagens foram obtidas carece de investigação, mas, que o conteúdo, também, precisa ser encarado com a gravidade que o caso exige. Na terça-feira (11), o ministro Gilmar Mendes, do STF, anunciou que a Segunda Turma da corte, formada por ele e outros quatro ministros, deve julgar no próximo dia 25 um habeas corpus em que a defesa do ex-presidente Lula pede que seja declarada a suspeição de Moro no julgamento do caso do tríplex de Guarujá.
O objetivo da defesa de Lula é conseguir a anulação da condenação, sob o argumento de que Moro não foi imparcial na análise do caso, que aparece nas conversas que vieram à tona e no qual o ex-presidente é acusado de receber R$ 3,7 milhões de propina da empreiteira OAS.
Ele foi condenado pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex, em que o próprio Dallagnol reconhece a inexistência de provas.
Condenado e preso em decorrência da sentença de Moro, Lula foi impedido de concorrer à Presidência na eleição do ano passado. A sentença de Moro foi confirmada em segunda instância pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região – o mesmo em que Moro disse ter quatro amigos – e depois chancelada também pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Um grupo de ministros defende que o Supremo use o julgamento do pedido de suspeição para dar o seu recado mais claro sobre a atuação de Moro e da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.
Com o julgamento agendado para daqui a duas semanas, é esperado que a defesa de Lula faça uma nova provocação ao STF, juntando ao processo o material revelado pelo The Intercept Brasil.
O advogado do ex-presidente, Cristiano Zanin, e sua equipe estão se debruçando sobre o teor das conversas vazadas, e a expectativa é a de que até esta sexta-feira (14) apresentem ao STF uma atualização ao processo.
Entre os argumentos que já constam no pedido de suspeição está o fato de Moro ter aceitado o convite de Bolsonaro para ocupar o cargo de ministro da Justiça, podendo incluir o “compromisso” de indicá-lo para o STF.
Um trecho do habeas corpus diz: “A história não pode deixar de transmitir às futuras gerações que o aludido ex-magistrado, ao tempo em que ainda conduzia esta ação penal, foi convidado e aceitou se tornar ministro de Estado do governo do atual Presidente da República, à época e até hoje oponente do apelante”.
A acusação de parcialidade de Moro e de que ele se aliou a um adversário político de Lula e do PT é reforçada pelos advogados com citações de declarações de Bolsonaro sobre o ex-presidente e seus correligionários — como a que em que o agora presidente disse que o petista iria “apodrecer na cadeia” e que seus aliados seriam presos se não deixassem o país.
Bolsonaro fala como se tivesse aliados dentro do Judiciário e isto está ficando a cada dia mais comprovado: a politização da Justiça no Brasil.
STF dividido
Não há consenso na Segunda Turma, e o decano do STF, Celso de Mello, deve ser o voto decisivo no caso. Os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski devem apoiar um pedido de suspeição, mas, dentro do STF é dado como certo que Edson Fachin e Cármen Lúcia não mudarão seu entendimento anterior, de não atender ao habeas corpus solicitado por Lula.
Na última terça-feira, um antigo voto do ministro Celso de Mello começou a circular entre os magistrados como precedente favorável a uma punição a Sérgio Moro.
Por bem menos do que os áudios vazados, em 2013, ao julgar o caso habeas corpus do doleiro Rubens Catenacci no caso do Banestado, o decano votou pela suspeição do, então, juiz Moro, por ele ter monitorado voos de advogados do acusado para garantir sua prisão. À época, os advogados também pretendiam anular o processo sob o argumento de parcialidade do magistrado na condução do caso.
O decano ficou isolado naquele julgamento. Ao divergir dos colegas, ele defendeu que a sucessão de atos praticados por Moro à frente da 2ª Vara Federal de Curitiba (PR) não foi compatível com o princípio constitucional do devido processo legal.
Segundo os registros nos arquivos do STF, o ministro afirmou que a conduta do então juiz fugiu “à ortodoxia dos meios que o ordenamento positivo coloca a seu dispor” e gerou sua inabilitação para atuar na causa, atraindo a nulidade dos atos por ele praticados.
A posição defendida por Celso de Mello em 2013 também foi resgatada pela defesa do petista e incorporada ao habeas corpus de suspeição de Moro em dezembro do ano passado.
A lei vale para todos. Se vale para Lula, não vale para Moro? O Código de Processo Penal, Art. 254, caput e IV, c/c art. 564, caput e I, é claríssimo, e devemos duvidar da honestidade intelectual de quem coloque em dúvida: 1) que Moro aconselhou uma das partes, ou seja, a acusação; 2) que ele incorreu em suspeição; 3) que o processo deve ser integralmente anulado e a sentença revogada.
No livro “Direito Constitucional”, o hoje ministro do STF, Alexandre de Moraes, argumenta que a disposição constitucional que repudia a produção ilegal de provas — Inciso LVI do Artigo 5º — deve conviver harmoniosamente com os valores consagrados no Caput do Artigo 37 da Carta, que, trata dos princípios da moralidade e da publicidade.
Em um trecho, Moraes ensina: A inadmissibilidade das provas ilícitas no processo, conforme anteriormente analisado, deriva da posição preferente dos direitos fundamentais no ordenamento jurídico, tornando impossível a violação de uma liberdade pública para obtenção de qualquer prova. Em defesa, porém, da probidade na administração, a inadmissibilidade das provas ilícitas, por ferimento às inviolabilidades constitucionais, deve ser compatibilizada aos demais princípios constitucionais, entre eles o princípio da moralidade e publicidade, consagrados no caput do art. 37 da Carta Magna.
Assim, exige-se do administrador, no exercício de sua função pública, fiel cumprimento aos princípios da administração e, em e, em especial, à legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, devendo respeito aos princípios éticos de razoabilidade e justiça. Como lembrado pelo Ministro Marco Aurélio, ao analisar o princípio da moralidade, “o agente público não só tem que ser honesto e probo, mas tem que mostrar que possui tal qualidade. Como a mulher de César”.
Em outro trecho, ele continua: Portanto, deverá ser permitida a utilização de gravações clandestinas por um dos interlocutores, realizadas sem o conhecimento do agente público, que comprovem sua participação, utilizando-se de seu cargo, função ou emprego público, na prática de atos ilícitos (por exemplo: concussão, tráfico de influência, ato de improbidade administrativa), não lhe sendo possível alegar as inviolabilidades à intimidade ou à vida privada no trato da res pública; pois, na administração pública, em regra, não vigora o sigilo na condução dos negócios políticos do Estado, mas o princípio da publicidade.
Ou a lei vale para todos e deve ser cumprida como é, ou destruiremos o estado democrático de direito.
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