* Roney Marcos Pavani
Certo provérbio popular diz que “no Brasil, morre-se de tudo, menos de tédio”. A sabedoria do adágio é clara, especialmente em tempos de governo Bolsonaro e dos absurdos que fomos acostumados a ver, ler e ouvir todo santo dia. O caso mais recente foi o da Primeira-dama, Michelle, para quem o Palácio do Planalto, acreditem, “já foi consagrado a demônios”. Ora, nada mais eficaz para dar uma sacudidela na rotina do que apelar para as forças do sobrenatural. Se forem malignas então, o efeito é praticamente imediato.
No entanto, a despeito dos esforços heroicos de nossas lideranças, parece-me que o tédio entrou na conta das causas mortis do país, e que, ao menos nesse momento, considerando-se que esse é um ano de eleições, ele faz parte do cotidiano. Por quê? É simples:
Há cerca de 60 dias para o início das eleições presidenciais, o Datafolha publicou sua última pesquisa de intenção de voto. Nela foram ouvidas 2556 pessoas nos dias 26 e 27 de julho em 183 cidades brasileiras. O resultado é tudo, menos excitante. Em primeiro lugar, o ex-presidente Lula (PT), com 47%, que mantém uma distância confortável para o segundo colocado, o presidente Jair Bolsonaro (PL), que tem 29%. Em terceiro, e bem mais distante, vem o incansável e quixotesco Ciro Gomes (PDT), com 8%. Os demais candidatos somados atingem 5%.
Votos brancos, nulos ou indecisos perfazem 9%. Considerando-se somente os votos válidos, Lula tem 52%, Bolsonaro 32%, e Ciro 9%. Pelos dados, é possível ao candidato do PT vencer ainda em primeiro turno.
Do ponto de vista da opinião pública, trata-se de uma eleição monótona, enfadonha, entediante. Ao se comparar com a pesquisa anterior feita pelo mesmo instituto, em junho, todas as poucas variações são insignificantes, dentro da margem de erro. Para efeitos práticos, os dados são sempre os mesmos. Aliás, já o são há um certo tempo, coisa de 1 ano atrás. Desde julho de 2021, é mais ou menos esse o cenário. Ninguém ganhou ou perdeu muitos votos de lá para cá.
Se os candidatos estão parados, obviamente, isso significa que certos acontecimentos não tiveram muito impacto no eleitorado. Refiro-me, por exemplo, à patética reunião de Bolsonaro com embaixadores realizada há alguns dias, a fim de criticar o sistema eleitoral brasileiro; ao anúncio efusivo do apoio do ídolo sertanejo Gustavo Lima à sua candidatura; à redução drástica e artificial no preço da gasolina (ao custo da queda nas arrecadações estaduais); à chamada PEC Kamikaze ou “pacote de bondades”, levada a cabo às pressas e com fins explicitamente eleitoreiros; e, como não poderia deixar de ser, aos incessantes ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF) e às instituições de um modo geral, às últimas motociatas feitas (com uso de dinheiro público, é claro), entre outros lugares, na capital deste estado. Reconheçamos: o presidente poderia receber um prêmio de consolação pelos seus esforços. Porém, no fim das contas, eles são inúteis.
Do outro lado do ringue, o caso é igual: Lula também não ganha (ou perde) mais votos do que já tem, em que pese o assassinato de Marcelo Arruda, tesoureiro do PT em Foz do Iguaçu, pelo policial civil e apoiador de Bolsonaro Jorge Guaranhos. Parêntese: O crime foi cometido no dia 9 de julho, há um mês. Marcelo comemorava seus 50 anos quando foi morto a tiros na própria festa de aniversário, que tinha como tema o Partido dos Trabalhadores e o ex-presidente Lula, por Guaranhos. Miséria das misérias: a violência política já nos alcançou. Quantas vítimas mais ela fará? Parafraseando os Engenheiros do Hawaii, “tudo isso já faz parte da rotina, e a rotina já faz parte de você!”
Nesse meio tempo, no campo artístico, Anitta manifestou o seu voto publicamente em Lula. Muitos poderiam concluir, de maneira apressada, que isso faria com que os admiradores da artista pop também partissem, num lampejo, para o voto no ex-presidente. Ledo engano. Aqueles que gostam de Anitta e do seu trabalho, via de regra, já votam em Lula. E os poucos que votam em Bolsonaro não mudarão o seu voto por conta disso. Há muitos outros fatores em jogos, como veremos adiante. Dito de maneira simples: Anitta transfere 1 voto para Lula. O dela.
O pleito desse ano conta com somente duas figuras conhecidas nacionalmente: um presidente, com toda a máquina governamental a seu dispor, tentando se reeleger; e um ex-presidente, com um histórico de participações diretas e indiretas em eleições, que colecionou vitórias e derrotas, desde os primórdios da Nova República. De um lado, a situação. De outro, a oposição. Não há muito espaço para terceiras, quartas ou quintas vias. Em um cenário como esse, bipolarizado, a cabeça do eleitor funciona como uma espécie de balança de dois pratos. Explico: a intenção de voto em Lula é cruzada com a avaliação do governo Bolsonaro. Se uma sobe, a outra desce. Quem avalia Bolsonaro como ruim/péssimo (45%, segundo o mesmo Datafolha) indica voto em Lula, e quem, pasmem, o avalia como ótimo/bom (28%) deposita nele o seu voto. Simples assim. Não há muitos componentes ideológicos envolvidos na disputa, e sim um frio pragmatismo.
Nesse sentido, e como bem apontou o cientista político Alberto Carlos de Almeida, a corrida presidencial de 2022 lembra muito a de 1998. Monótona e sem surpresas. Havia dois fortes candidatos: Fernando Henrique Cardoso (FHC), então presidente em busca da reeleição, e Lula, um personagem já conhecido (disputara o cargo em 1989 e 1994), mas ainda sem forças para vencer. Nas pesquisas da época, FHC manteve-se em primeiro durante praticamente toda a campanha, guardando uma distância confortável para o segundo, que era Lula. Bem atrás de ambos vinha, adivinhem, Ciro Gomes (Agora entendem porque o chamei de “quixotesco” lá em cima?).
O governo, com a política de estabilização da moeda e o controle da inflação, era bem avaliado (43% de ótimo/bom às vésperas da votação). Resultado: vitória em primeiro turno de FHC.
De volta ao presente, se a avaliação do atual mandatário não variar, tampouco variarão as intenções de voto. E, mesmo que isso ocorra, não haverá espaço para mudanças abruptas. E isso por uma segunda razão: em linhas gerais, quando um político como Bolsonaro é eleito, que se apresenta como um outsider e promete mundos e fundos “contra o sistema falido e corrupto”, ele é cobrado na mesmíssima proporção. Sobretudo pela maioria, isto é, por aqueles que votaram mais no anti-petismo (para não eleger Fernando Haddad) do que em sua pessoa.
O desgaste do PT (estava no poder fazia 13 anos), o senso de justiçamento da Operação Lava Jato, e o impeachment de Dilma Rouseff e a prisão de Lula como seus pontos culminantes, foram os fatores que proporcionaram essa insatisfação.
Porém, em algum momento desde o início do mandato, esse grupo grande de eleitores magoou-se com o governo. Quer dizer, já se passaram mais de 3 anos e meio, Bolsonaro foi eleito com a expectativa de que as coisas melhorassem de forma avassaladora, e não melhoraram. Pelo contrário. Nada mais distópico do que o bolsonarismo no poder. Índices absurdos de inflação, miséria e desemprego o atestam. Sem falar, é claro, na condução catastrófica da pandemia do Covid-19. Logo, mesmo que haja uma melhora agora, o eleitor já está cansado. Afinal, o presidente foi eleito para um mandato de 4 anos, não para um de 3 meses. Uma ferida foi aberta, e ainda que ela seja sarada, formou-se uma cicatriz para sempre no lugar. Além disso, muitos entenderão essas melhorias como um simples pretexto para se reeleger. Coisa de coronel. Um velho lugar-comum de um velho político da velha política. “Eu sou o Centrão”, alguém disse.
A eleição, meus caros, continuará assim: um marasmo. Exceto, talvez, em seus momentos derradeiros.
Lembremos que Aécio Neves (PSDB) cresceu muito na reta final de 2014. Bolsonaro, na de 2018. Ele, assim como Lula, candidatos realmente fortes e capazes de mobilizar multidões, costumam funcionar como campos gravitacionais. E, assim como nos ensina a física newtoniana, em que corpos mais pesados atraem corpos menos pesados, políticos mais fortes atraem os votos de políticos menos fortes. Lembremos também como Geraldo Alckmin (hoje candidato a vice-presidente, mas então no PSDB) simplesmente implodiu, amargando só o quarto lugar. Ninguém quer “desperdiçar” o seu voto. Com certeza, no dia da eleição, haverá uma enxurrada de eleitores que irão migrar de Ciro Gomes, Simone Tebet e outros nanicos para Bolsonaro e Lula. E esse é um cenário encorajador para o petista.
Sobre a possibilidade de golpes de Estado até o final do ano, a chance de algo do gênero acontecer tende a zero. É verdade: não se pode impedir o presidente de afagar os militares com mimos e agrados, nem de se fazer presente de forma apoteótica nas Marchas para Jesus, nem de incitar seus apoiadores à violência, nem de esbravejar contra as urnas eletrônicas (que tantas vezes o elegeram, vejam só). Dito de outra forma: não se pode impedir Bolsonaro de ser o que ele é. Entretanto, e o Sete de Setembro do ano passado o demonstrou, é preciso muito mais do que isso para repetir o 10 de novembro de 1937 ou o 31 de março de 1964.
Enfim, com as pesquisas de intenção de votos estagnadas e a possibilidade de subverter a ordem constitucional como carta fora do baralho, o destino de Bolsonaro parece estar selado. O circo dos horrores continuará, a tentativa de nos entreter com suas infindáveis piadas de quinta categoria seguirá. Disso não tenham dúvidas. Ele e seus asseclas desejam ardentemente que não morramos de tédio.
Porém, esse picadeiro tem data e local para conhecer o seu final.
Uma única dúvida me resta. Qual espetáculo virá a seguir? Exílio, cadeia, cemitério?
Façam as suas apostas.
* O autor é mestre e doutorando em História pela UFES, professor do IFES de Nova Venécia e colaborador do Jornal Correio9
_______________________
OS TEXTOS ASSINADOS NÃO REFLETEM, NECESSARIAMENTE, A OPINIÃO DO CORREIO9
Comente este post