Elias de Lemos (Correio9)
Tudo começou há quatro anos e no início era apenas um hobby; uma atividade exercida exclusivamente como forma de lazer, um passatempo, uma distração. Mas, com a pandemia, muitas pessoas tiveram que se reinventar e foi assim que Fabio de Almeida se estabeleceu com a cutelaria em Nova Venécia.
Cutelaria é a arte, a técnica de fabricação de instrumentos cortantes como facas, canivetes e cutelos, entre outros. A reportagem do Correio9 foi até a oficina do Fabio, no Bairro Rúbia, para conhecer de perto o trabalho que ele faz.
Ele contou que já trabalhou na roça, já foi caminhoneiro e exerceu outras atividades. Seu envolvimento com a fabricação de facas começou com um canivete. “Eu sempre tive o hábito de carregar um canivete, e um dia meu canivete quebrou a mola e eu fui pesquisar na internet como consertar, então, percebi que canivete é um negócio meio nojentinho para mexer, aí eu comecei a pesquisar faca. Toda vida eu gostei de faca! Aí eu fiz uma para eu trabalhar. Foi quando eu peguei gosto pela coisa”, explicou ele.
Depois da primeira, ele fez uma para usar na cozinha e em seguida saiu a terceira, que ele presenteou ao irmão. Daí, os amigos começaram a fazer encomendas e foi assim que se tornou um negócio.
No começo, Fabio trabalhava nas horas vagas, nos fins de semana e feriados. Mas, com a pandemia, ele ficou sem trabalho e passou a se dedicar exclusivamente à oficina.
O principal atrativo da cutelaria artesanal é a exclusividade. Ele explica que nenhuma peça é igual à outra: “Você pode chegar aqui e me encomendar dez peças, você vai olhar e achar que são todas iguais, mas não são. Todas são diferentes, sempre vai ter alguma coisa, algum detalhe diferente”.
Vários tipos de materiais são usados na produção. Um deles é o aço virgem que ele compra peças de vários tamanhos e espessuras, no entanto, materiais inusitados – que nas mãos de um leigo não teria nenhuma serventia – são transformados em objetos únicos, sem igual.
“Muitas vezes o cliente não quer só uma faca para cortar, ele quer uma faca com história, então, uso disco de arado, molas e outras peças de caminhão e por aí vai. A cutelaria faz isso, a pessoa chega e fala: eu quero uma faca desse disco de arado que meu pai ou meu avô trabalhou durante muitos anos com ele. Então é uma forma de preservar a história”, explica ele.
Ele mostra uma faca cujo cabo foi feito com pedaços de saco de estopa com resina. Assim como os demais, o objeto foi todo moldado à mão. “Eu corto os pedaços, vou colocando em camadas e cobrindo com resina, depois ponho na prensa manual e deixo por dez horas”, disse.
Fabio usa madeira, cartucho de munição, isca de peixe, entre outros para moldar os cabos. Além da técnica, a criatividade precisa fluir.
Para moldar as peças ele usa alguns maquinários. O forno de temperatura controlada é usado para flexibilizar as peças e permitir a forja de aço carbono e aço inox. Para isso o material bruto é aquecido a temperaturas que podem ultrapassar 1.000 graus. É o que se denomina processo de têmpera.
A partir daí, obtém o aço bruto que ainda não possui resistência suficiente para a forja. Então o material é levado ao forno de revenimento, onde é aquecido novamente distanciando as moléculas do aço, aumentando a resistência do material. Ele explica que sem este processo o material se quebra fácil: “O revenimento dá tenacidade à peça. Aí depois disso é a lixa manual irmão, são três, quatro horas ou mais na lixa manual, dependendo do acabamento que o cliente pedir. Aí é trabalho duro!”,
De acordo com ele, uma peça mais simples pode levar um dia e meio para ficar pronta, mas, as mais detalhadas podem consumir até cinco dias de trabalho.
O público-alvo são colecionadores, são pessoas apaixonadas pelos objetos. Quando a reportagem chegou à oficina ele estava embalando peças para enviar para Vitória, a capital capixaba, e para um cliente da Paraíba.
Como alguém da Paraíba o descobriu aqui? Ele participa de dois grupos de leilões no WhatsApp e divulga seu trabalha nas redes sociais Instagram e Facebook.
Ele explicou que trabalha sozinho porque se trata de artesanato: “Há cuteleiros que colocam outras pessoas para trabalhar, mas eu acho que perde um pouco a essência porque o artesanato é uma coisa muito pessoal”.
Fabio fala com entusiasmo sobre a atividade que pratica: “É um trabalho nobre, que traz muita satisfação. E está virando modinha! Os grandes cuteleiros de fora têm aberto cursos online sobre cutelaria. Eu estive conversando com um amigo meu lá de Vitória e ele disse: vou deixar meu emprego para viver de faca. Eu disse a ele: não faça isso não. Eu transformei essa paixão em profissão porque fui obrigado, eu fiquei desempregado e o mercado de trabalho de Nova Venécia é muito limitado, aqui não tem muitas opções. Então eu falei: vou assumir isso aqui como uma profissão”.
Ele continua: “Se eu tivesse empregado eu ia continuar fazendo porque tenho a cutelaria como paixão, é uma coisa que eu gosto”.
Segundo Fabio, o grosso das vendas é para fora de Nova Venécia: “Menos de 10% do que eu faço fica dentro de Nova Venécia, aqui as pessoas não têm essa cultura de conhecer o produto artesanal. Às vezes alguém chega aqui e pergunta o preço de uma determinada faca, eu falo e a pessoa fala: no supermercado está mais barato.
Então quem faz esse tipo de comparação não sabe o que é artesanato, desconhece que um produto artesanal não tem preço, ele tem valor”.
“Você tem que conhecer o produto artesanal, gostar de artesanato e dar valor ao artesão. É preciso ter em mente que o artesanato oferece uma peça única. Eu vi uma reportagem sobre uma espada que foi encontrada em um rio no município de São Mateus, é uma peça com muitos e muitos anos, que resistiu este tempo todo dentro da água. A peça está quase inteira! Um objeto como este aqui (mostrando uma faca sobre a mesa) você vai ter para a vida inteira”, disse ele.
Para conhecer melhor o trabalho do Fabio, a Almeida Cutelaria Artesanal fica à Rua Barão dos Aymorés, no Bairro Rúbia, em Nova Venécia. As obras podem ser vistas, também, no Facebook e no Instagram: @almeidacutelaria_artesanal. Para encomendas o telefone é (27) 99980-9666.
Se você é um dos apreciadores da arte da cutelaria e deseja uma peça rara, você precisa conhecer a Almeida Cutelaria Artesanal.
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