Elias de Lemos (Correio9) – Jorge Almeida (Correio9)
O veneciano Maurício de Araujo Campo Dall’Orto tem 28 anos, é médico e atua no serviço de saúde em hospitais e prontos-socorros em Vitória. Ele é clínico-geral e trabalha também no atendimento a emergências, o que o coloca na linha de frente entre os profissionais de saúde que atuam no combate à Covid-19.
Entre um atendimento e outro, Maurício começou a sentir sintomas da doença; fez o teste e o resultado acusou a contaminação pelo novo coronavírus, o causador da doença.
Nesta conversa com o Correio9 ele conta a experiência que viveu e como lidou com ela.
Correio9 – Como você acredita que foi infectado?
Maurício de Araújo Campo Dall’Orto – Eu, como médico de pronto-socorro, trabalho na linha de frente de combate à pandemia que está acontecendo e, provavelmente, eu tenha me contagiado no meu trabalho.
Eu tenho atendido a muitos pacientes com sintomas gripais, que podem estar contaminados. Para muitos destes não há comprovação por exames, mas apresentam sinais e sintomas característicos da doença.
Mesmo usando os Equipamentos de Proteção Individual (EPI’s), recomendados pela OMS (Organização Mundial da Saúde) e pelo Ministério da Saúde (MS), ainda posso ter me contaminado em algum momento durante o manejo dos mesmos no atendimento.
Mas, pode ter acontecido em outros lugares, na padaria, na farmácia, no supermercado.
Eu tenho usado os EPI’s, tudo tem sido muito bem orientado pelo Ministério da Saúde. Tem que se usar luvas, máscara, capote e touca. Todos os profissionais que lidam, diretamente, com os pacientes infectados usam todos os equipamentos de segurança recomendados. No meu trabalho eu tenho; acontece que este material completo não está disponível em todos os lugares.
VEJA O DEPOIMENTO ENVIADO PELO MÉDICO EM VÍDEO:
Correio9 – Como você percebeu os primeiros sintomas do contágio?
Maurício de Araújo Campo Dall’Orto – Eu estava em casa, estudando, em um intervalo de trabalho. No começo da tarde, eu comecei a sentir uma indisposição inespecífica; que foi evoluindo.
No início da noite eu comecei a sentir uma mialgia – que é uma dor muscular, principalmente na região dorsal, em todas as costas; e uma dor de cabeça muito forte acompanhada de calafrio (e eu não costumo ter dores de cabeça).
Aí, eu fui medir a minha temperatura, estava a 37.8ºC – o que já é considerada uma febrícula – o que, também, não é normal.
Somando tudo, eu, como médico, suspeitei. Como vejo muitos casos, eu suspeitei! Aí, eu tomei uma dipirona e todos os sintomas sumiram.
Dois dias depois eu acordei com uma congestão nasal bem leve – os sintomas anteriores não apareceram, mas aí, aconteceu uma coisa chamada anosmia (que é a perda total do sentido do olfato), eu não sentia cheiro de nada, independente da substância. Esse foi um sinal importante para eu correr atrás e fazer o teste, para saber se era, realmente, a Covid-19.
Porque é um sintoma que acontece, e um sinal importante (mas, eu vou falar disso depois em outras perguntas).
Correio9 – Depois disso, como foram os dias seguintes, como foi a evolução?
Maurício de Araújo Campo Dall’Orto – Já descrevi um pouco sobre a evolução, como a mialgia, a cefaleia, a congestão nasal e a perda da sensação de olfato.
A anosmia durou cinco dias e a congestão nasal durou um dia. A perda do olfato foi mais longa.
Eu tive uma Covid que a gente chama de oligossintomática – que é a doença com poucos sintomas relatados. Ainda bem que eu tive sintomas leves!
A partir do primeiro dia dos sintomas eu comuniquei a todos os serviços de saúde onde eu trabalho, expliquei o que estava acontecendo, fui fazer o exame (com o material nasal), que é o melhor exame neste primeiro momento da doença.
Fiz, também, exame de sangue para verificar se não havia outra coisa, como a dengue, por exemplo, que cresceu muito aqui no Espírito Santo este ano, e que também se apresenta por quadro febril.
Correio9 – Quando foi iniciado o tratamento, à base de quais procedimentos?
Maurício de Araújo Campo Dall’Orto – Antes de falarmos em tratamento é muito importante falar da prevenção; que é evitar a propagação do vírus que o paciente está portando.
O paciente pode transmitir o vírus desde o terceiro dia antes de apresentar sintomas, fazendo um pico de transmissão durante os sintomas e depois diminuindo com o tempo de isolamento, devido à diminuição da quantidade de vírus no organismo. Então, o primeiro passo é a prevenção para não transmitir. O que eu fiz?
Minha primeira atitude foi me isolar. Quando eu precisei ir à farmácia, eu solicitei pelo aplicativo ou pedia a algum amigo para deixar aqui na minha porta. Foi essa medida aí: isolamento domiciliar total.
Existem formas corretas de se isolar, como por exemplo, quando o paciente coabita a residência com outras pessoas. O Ministério da Saúde emitiu uma cartilha explicando tudo – vale a pena se informar.
Eu fui infectado por uma doença viral; um vírus novo!
A gente, ainda, está caminhando contra o coronavírus (que produz a Covid-19), e, apesar de já conhecer alguns vírus da família, ainda não sabemos como ele se comporta.
Todos os dias chegam novidades, novos estudos que estão sendo realizados no mundo todo; e que nos são repassados.
Eu, como fui um paciente oligossintomático, realizei um tratamento que é comum a diversas doenças virais. Que é o quê? Hidratação e sintomáticos; eu tratei os sintomas que estava sentindo (febre, dor de cabeça, mialgia) e me hidratei.
Meu tratamento foi como se trata grande parte das doenças virais respiratórias. Não houve uso de nenhum desses medicamentos que são noticiados na mídia, nada disso, pois não tive a necessidade. Tomei uma dipirona contra a dor e me hidratei, e ponto final!
Correio9 – Quais sintomas foram desaparecendo depois de iniciado o tratamento?
Maurício de Araújo Campo Dall’Orto – Depois que comecei o tratamento eu fui observando os meus sintomas e, principalmente, se apareceriam outros sintomas mais graves, como falta de ar. Porque se aparecessem, eu teria que procurar um pronto-socorro. Mas, os sintomas iniciais não duraram muito, ficaram, apenas, 12 horas e não apareceram mais.
Apenas no quarto dia é que apareceu a congestão nasal leve e a anosmia. Elas duraram cinco dias e foram até o 9º dia. No 10º dia eu já não tinha mais sintomas. Aí eu esperei até completar a quarentena de 14 dias e realizei um novo teste (o que não é necessário, eu realizei o teste porque eu quis; mas essa recomendação muda todos os dias; hoje é assim, a gente não sabe como vai ser amanhã. Tudo depende de novas descobertas).
Lembrando que, quando realizei esse teste, eu já estava assintomático, há 5 dias sem nenhum sintoma. Sendo assim, sou um paciente considerado recuperado da infecção pelo coronavírus. É muito difícil falar de cura quando se trata de um vírus que a gente não conhece. Ainda temos muito a descobrir sobre ele! O que acontece é que eu não o transmito mais, via gotículas no ar ou secreções.
O passo seguinte foi – após os 14 dias – fazer um novo exame. Aí o resultado deu negativo para o vírus, isso significa que o coronavírus não estava mais povoando o meu sistema respiratório, que ele havia desaparecido.
Correio9 – Como percebe seu estado de saúde atualmente?
Maurício de Araújo Campo Dall’Orto – Me sinto bem, sem nenhuma sequela, e pronto para retornar às minhas atividades.
Correio9 – Diante da situação em que o mundo está passando, com tantas perdas, tanto medo e sofrimento, como você recebeu o resultado? Qual a sensação?
Maurício de Araújo Campo Dall’Orto – Como médico, que trabalho na frente da pandemia, já havia pensado na possibilidade do contágio, porque tenho contato direto com pacientes infectados.
Logo que comecei a trabalhar com isso, eu redobrei a atenção com meu estado de saúde. Isolei-me e comecei a fazer uma autoavaliação diária. Assim, quando os sintomas apareceram eu percebi nas primeiras horas.
Correio9 – Em algum momento você teve medo?
Maurício de Araújo Campo Dall’Orto – Eu não tive medo em momento algum. O que tive foi muita preocupação em combater os sintomas, observando, principalmente, o comportamento da minha respiração.
Se eu começasse a sentir falta de ar, eu teria que procurar um pronto-socorro, porque eu não conseguiria me cuidar em casa, mas isso não aconteceu.
Correio9 – Mesmo sendo uma doença com baixa letalidade, você viveu a tensão da ameaça. Como é viver isso?
Maurício de Araújo Campo Dall’Orto – É uma doença que tem uma letalidade média; no Brasil, de 5,4% (por cento). Letalidade é a divisão do número de óbitos pela doença pela quantidade de pessoas doentes. Mas esse número varia muito de um local para outro.
Tanto no Brasil quanto no mundo – e aqui no Espírito Santo – até mesmo de um estado para outro, varia muito. Os dados podem ser encontrados no site do Ministério da Saúde, estão todos lá.
A variação pode acontecer devido à estrutura de saúde de cada país, das medidas adotadas no combate à propagação, por parte de cada governo e das características populacionais, como a idade.
Países com população mais idosa têm letalidade maior. Mas, falando no geral, os idosos e as pessoas que moram com idosos precisam ter cuidado redobrado, com tudo; têm que se preocupar até com a sacola de compra que é trazida do supermercado. Os cuidados com higiene têm que ser absolutos!
Correio9 – Qual a melhor forma de se prevenir?
Maurício de Araújo Campo Dall’Orto – Todos os dias a gente escuta as formas de prevenção, isso aí todos já sabem; mas, a gente tem que reforçar o tempo todo.
Principal: lavar as mãos toda vez que tocar um objeto e depois de chegar em casa. Usar água e sabão; lavar bastante. Usar álcool gel, 70%, quando água e sabão não estão ao alcance.
Outra dica é manter distância das outras pessoas e evitar espirrar ou tossir perto de alguém, porque quando tossimos ou espirramos, liberamos gotículas que podem conter o vírus. Quando aspiramos às gotículas que alguém tossiu, nós as levamos para o nosso sistema respiratório. Assim elas vão se espalhando.
Outra missão muito difícil é evitar tocar o rosto. As mãos tocam muitas superfícies durante o dia. Ao contrário do que a gente pensa, elas são sujas e precisam ser higienizadas o tempo todo. Então levar as mãos ao rosto pode contaminar, caso você tenha tocado uma superfície contaminada.
Não é a pele da sua mão que transmite o vírus, a contaminação acontece se a pessoa tiver tocado em algo contaminado, porque o vírus fica nas mãos da pessoa.
Muito importante, também, é cobrir a boca com o cotovelo (quando for tossir) e ao espirrar, também. Isso protege não só contra o coronavírus, mas também contra outras doenças.
É importante não se esquecer da importância do isolamento e observar como você se sente. Se sentir sintomas gripais, não vá a um pronto-socorro, fique em casa e se cuide. Se eles piorarem ou começarem a aparecer outros sintomas, aí você procura um médico.
Sobre o uso de máscara, a OMS recomenda que só pessoas com sintomas e profissionais da área de saúde não devem deixar de usá-las. As demais pessoais não necessariamente precisam fazer uso, até pelo motivo de estarmos em falta desse EPI no mercado. Elas devem tomar os cuidados básicos.
Quem usa máscara deve observar os critérios de uso. Tem que ter cuidado para evitar contaminá-la na hora de colocar; antes disso, lave bem as mãos, e ao pegar, evite tocá-la, pegue pelas cordinhas, pelas alças. Depois de colocada, evite levar as mãos ao rosto.
E lembre-se, a máscara dura no máximo duas horas, depois disso ela se umidifica e perde a validade. Se você estiver usando uma máscara descartável, ela deve ser substituída e descartada; se for uma de pano, ela deve ser trocada e higienizada com água, sabão ou água sanitária.
Correio9 – Você trabalharia com pacientes suspeitos ou infectados?
Maurício de Araújo Campo Dall’Orto – Eu já trabalho e estamos recebendo muitos casos de pacientes com sintomas gripais (nem todos têm Covid-19).
Trabalho com pacientes infectados, outros não, e não vejo nenhum problema nisso. E acho que quem puder ajudar, deve se engajar porque o sistema de saúde precisa.
Correio9 – Como foi a reação da sua família?
Maurício de Araújo Campo Dall’Orto – Desde que surgiu a pandemia, eu venho orientando minha família sobre a prevenção. Como profissional da área de saúde eu faço parte do grupo de risco de contaminação.
Quando eu comecei a sentir os sintomas eu informei a todos. Depois, com o diagnóstico, todos ficaram assustados. Mas, na medida em que fui informando o curso da doença, eles foram ficando mais tranquilos. Foram percebendo que o tratamento estava dando certo e o susto passou.
Continuo orientando quanto aos cuidados, para eles não se contaminarem, principalmente os idosos da minha família.
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