Elias de Lemos (Correio9)
Depois de anos sem uma equipe de futebol profissional disputando para valer, há pouco mais de um ano os venecianos viram nascer o Nova Venécia FC. A equipe caçula do futebol capixaba já firmou posição e reascendeu a euforia reprimida da fanática torcida veneciana.
Com uma trajetória meteórica, o time conquistou o título da Série B do Campeonato Capixaba de 2021, e também foi campeão da Copa ES. Garantiu vaga na Série D do Campeonato Brasileiro de 2022 e disputou com maestria a Copa do Brasil, (fez bonito da entrada à saída). Hoje, a equipe veneciana lidera o Capixabão 2022.
Para entender a proeza repentina do Nova Venécia FC, o Correio9 entrevistou o supervisor Neto, o técnico Cássio e os jogadores Dodô e Tavares. Foram conversas descontraídas que permitiram entender a razão do sucesso imediato.
Neto é do município de Governador Lindemberg e está na equipe desde a fundação do clube. Com larga experiência, especialmente no futebol de base, ele veio a convite do diretor de futebol Lucian Barros. Sua função é cuidar de toda a supervisão logística e o acompanhamento de todo o dia a dia dos atletas.
Ele fala da organização do Leão do Norte: “Mesmo sendo um clube jovem, a estrutura que temos, as ferramentas de trabalho facilitam muito o trabalho. Aqui no Estado, é sem dúvida o time que oferece a melhor estrutura de trabalho. É um time muito bem organizado, com um projeto pensado nos mínimos detalhes”.
E continua: “Não temos dificuldade para trabalhar, apenas as coisas do futebol que nos cobram muita correria, precisamos nos privar de muita coisa, principalmente da família, e tem a pressão do futebol por resultados, a pressão da torcida, mas quando a gente consegue realizar o que foi planejado o resultado aparece, tanto que o Nova Venécia teve apenas uma derrota até hoje”.
Para o supervisor, o momento mais difícil foi justamente o primeiro jogo, quando a equipe entrou em campo desfalcada, pois vários jogadores estavam com Covid-19, e perdeu na estreia. Depois disso só vieram vitórias… “Sabemos que em algum momento vamos encontrar a derrota porque isso é parte do futebol, mas tomara que esse momento seja bem tarde”, salientou Neto.
Dodô
Ele tem 24 anos e veio de Vila Velha. Mas, apesar da pouca idade, a história de vida do artilheiro Dodô rende um bom roteiro. Um dos queridinhos da torcida, ele começou a jogar na infância, e na medida em que foi crescendo, a paixão foi aumentando cada vez mais.
Ele explica como foi o início: “No começo da carreira profissional eu estava em um time onde eu recebia um salário de R$ 500,00. Acontece que minha filha estava para nascer e eu me preocupava com isso; eu precisava trabalhar. Então minha sogra me ajudou e eu fui para a Desportiva, onde meu salário aumentou e eu podia me manter”.
Mas a caminhada não parou por lá. Dodô explica que da Desportiva ele foi para o Serra, mas, segundo ele, estava na época da pandemia e as coisas estavam muito incertas e com dificuldade para receber os pagamentos e ele com contas de luz, de água, enfim, com as despesas de casa para pagar.
Ele explica como as contas lhe deram um susto: “As contas não esperam! A minha sogra havia parado de pagar os talões de luz e eu não sabia, quando descobri a soma acumulada era de R$ 9 mil. Eu tive de dar um jeito, juntei uma parte da entrada negociei e, ainda, estou pagando as parcelas”.
E tem mais: “Todas as experiências que eu tive de morar fora tentando firmar na carreira, eu só passei aperto! Quando eu fui para o Rio [de Janeiro], no dia em que eu cheguei a cama caiu em cima de mim (risos). São coisas que não acontecem só comigo não! Quando eu fui para o Juventus eu perdi dois quilos em 20 dias lá; eu tinha que batalhar para me segurar lá. Não foi fácil!”
Em seguida, um desabafo: “Eu posso dizer que não tive incentivo da minha família, era eu e eu mesmo. Sou grato à mãe das minhas filhas porque foram meu apoio e digo: tudo o que eu faço é pensando nelas. Eu precisava trabalhar em um emprego que me garantisse, mas não tinha jeito, quando eu pensava em parar com o futebol, aparecia alguma oportunidade de voltar e eu estava lá. E quando a gente gosta do que faz e está determinado, não tem jeito né! Mas, o começo da carreira é muito difícil!”.
E agora, qual a situação do meio campo Dodô? “Eu, como já passei pelas situações que falei, por exemplo, quando eu estava no Serra com salário atrasado… A gente chegava ao vestiário preocupado: ‘poxa se não ganharmos hoje vamos continuar sem receber!’ Aqui não (no Nova Venécia FC), nossa única preocupação é jogar, não nos preocupamos com mais nada porque sabemos como as coisas estão sendo feitas do lado de fora do campo, e isso é fundamental para o nosso rendimento”, destaca o atleta.
E a vida longe de casa? Dodô responde: “Fui assimilar e me dar conta desse distanciamento quando cheguei aqui no ano passado. Mas entendi que a mãe das minhas filhas e elas entenderiam e eu precisava conviver com isso”.
Dodô fala do carinho dos torcedores
“A torcida abraçou a causa desde o começo. Para mim isso é muito importante, sei que tenho muito a aprender, ainda, e quero agregar. Sou muito extrovertido e a torcida gosta disso, brinco bastante e isso nos aproxima e me motiva muito. Só tenho a agradecer e eles podem continuar com a gente que mais coisas boas virão”.
Tavares
O capitão Tavares tem 29 anos; é de Guarapari e se integrou à equipe em dezembro de 2021. Tavares é “rodado”, já passou pelo Bonsucesso, Portuguesa, Rezende, e passou dois anos fora do País: no Japão e nas Ilhas Maldivas.
Ele resume o que significa a carreira de jogador em sua vida: “É gratificante né, fazendo o que a gente ama! Não é só o meu sonho, mas também, do meu pai. O mais difícil, no início, foi a distância de casa. Eu sai de casa aos 13 anos, ficar longe da minha família, do meu irmão mais novo foi difícil. Mas, depois a gente vai se acostumando, porque é prazeroso e envolvente fazer o que a gente gosta; assim a gente tira de letra; dizem que começamos a chutar a bola na barriga da mãe né (risos)”.
E atuar no Nova Venécia FC, um time tão jovem? Tavares explica: “Primeiramente é o projeto, a diretoria, o Lucian (Velasco), tudo o que ele planejou e planeja está acontecendo. Essa transparência também! Estamos colhendo coisas boas porque foram plantadas coisas boas. O time é organizado e oferece uma estrutura de trabalho que não deixa a desejar. Poucos clubes do Estado têm isso! Acredito que, hoje, o time com a melhor estrutura de trabalho do Espírito Santo é o Nova Venécia e por isso que os resultados estão chegando”.
Sobre o ambiente de trabalho ele relata: “O grupo não tem problema nenhum, é um grupo unido. Moramos aqui no hotel [Cidade Hotel], dormimos no mesmo lugar, tomamos café juntos, almoçamos, jantamos, treinamos… Estamos juntos o tempo todo e acabamos procurando agregar experiência, juventude para ao final ter um elo só e conquistar nossos objetivos”.
Como Tavares vê a torcida do Leão
“Nós conquistamos eles e eles nos conquistaram. E lá no Zenorzão… Poxa, é diferente cara! Recentemente estávamos jogando fora de casa e a nossa torcida era maior que a adversária. Não maior em número, mas em vibração! E é importante a torcida estar junto porque incentiva, eles comemoram conosco e isso é muito prazeroso”, pontua.
Ele manda um recado: “Quero agradecer a essa torcida, não só a organizada, mas toda a população de Nova Venécia que vem comprando a ideia e apoiando esse projeto. Todos podem ter a certeza de que – como eles pedem na música – nós vamos jogar com raça, vamos lutar e guerrear como um leão; porque esse apoio é fundamental”.
Ao final, Tavares fala das emoções que vem vivenciando: “É a primeira vez que jogo em um time do Estado (do Espírito Santo). Eu até falei com os meninos, foi depois do jogo contra o Estrela (de Cachoeiro de Itapemirim), quando fizemos um jogo bom, fora de casa. Eu agradeci a todos porque estavam presentes minha esposa, meu filho, meu pai, minha mãe, meu irmão. Para mim é motivo de orgulho estar em campo e olhar para a arquibancada e ver a minha família. Para mim é um momento único na minha carreira!”.
Cássio, o treinador
O “professor”, como é chamado o comandante do elenco, começou a jogar futebol aos 13 anos e ficou até aos 33. Ele já atuou em diversos clubes brasileiros como Vasco da Gama, Fluminense, Santos, Goiás e pelo Stuttgarter Kickers da Alemanha. Participou também do Campeonato Mundial de Futebol Sub-20 de 1989 pela Seleção Brasileira, que terminou em terceiro lugar. Há 16 anos, começou como técnico, iniciando nas categorias de base, passando por todas as categorias e em 2019 iniciou a carreira profissional.
Cássio explica que “iniciou” o time do “zero”: “Quando o Lucian me chamou para esse projeto só tinha a fotografia de um terreno. Ele me mostrou a foto e em seguida o projeto. A gente se conhecia há pouco tempo, mas eu senti que estava conversando com uma pessoa séria. Aceitei porque acreditei nesse projeto e seria interessante para a minha carreira por ser a primeira vez que vim para um clube onde tive a oportunidade de montar um elenco do zero, passar por esse processo”.
“Futebol tem muita pressão. E a minha maior preocupação foi que eu montei o elenco apenas assistindo a vídeos dos atletas e quando você vê o vídeo, você não vê o caráter, não tem como saber como aquela pessoa é no dia a dia, qual a sua personalidade… E tudo isso é muito importante, influencia nas relações com elenco e no rendimento”.
Mas, em relação a tais preocupações, ele está aliviado: “Todas as pessoas que nós trouxemos são pessoas do bem, de boa índole e que estão buscando algo em suas vidas, então fomos muito felizes em nossas escolhas”.
Neste sentido, ele diz que se sente bem, feliz e realizado por estar em um projeto iniciante e com um começo de sucesso. Mas, também, declara que tem muito a melhorar e a aprender como treinador: “Estou apenas começando”.
Cássio não conhecia o Espírito Santo, porém, a adaptação está sendo boa, apesar de vir de uma cidade grande, muito agitada, ele se define como uma pessoa tranquila e isso o tem ajudado; “A maior dificuldade é a distância da família, minha esposa e meus filhos que ficaram no Rio”, disse.
Para o treinador, a participação na Copa do Brasil foi positiva: “Competimos com equipes experientes, da Série A, por exemplo. E a dedicação dos jogadores foi muito grande. Quando fomos à Goiânia, todo o favoritismo era do Atlético Goianiense e não tínhamos nada a perder, só a ganhar. Não vencemos o jogo, mas ganhamos experiência. O foco agora é o Capixabão”.
Ele fala aos torcedores: “Peço aos torcedores que continuem nos apoiando, acho que a simpatia entre o clube e o torcedor é muito forte. Os jogadores têm se entregado ao máximo dentro de campo, e esse apoio é muito importante. Assim vamos atingir o objetivo de todos”.
Quartas de final do Capixabão no Zenorzão neste domingo (10)
Neste domingo (10) a partir das 16 horas, o Nova Venécia enfrenta o Desportiva na Arena do Leão, pelo segundo jogo das quartas de final do Capixabão 2022. A equipe veneciana lidera a competição e está invicta. No primeiro jogo, o Nova Venécia venceu a Tiva pelo placar de 2 x 0. Mesmo se perder até por 2 gols de diferença, o Leão do Norte garante vaga na semifinal. O Estádio Zenor Pedrosa Rocha vai virar um ‘caldeirão’… Mais de 2 mil ingressos foram colocados à venda.
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