Bruno Gaburro (Correio9)
Alimentos de qualidade são produzidos com o auxílio de ciclos astronômicos no interior de Nova Venécia por uma família de agricultores que valoriza formas agroecológicas de agricultura e relações justas no campo.
Localizado na Comunidade do Córrego da Travessia, o Sítio São Lucas se organiza de forma diferenciada em relação a outras propriedades rurais. A partir de uma visão holística, o sítio é cuidado como um organismo agrícola. Considerando as plantas, solo, água, animais e humanos como partes que se somam e se integram sistemicamente.
AGRICULTURA BIODINÂMICA
No sítio, são aplicadas diversas técnicas alternativas. Os sistemas agroflorestais são notados desde o início, no entanto, a identidade do sítio é a agricultura biodinâmica, que fundamenta esse então organismo agrícola. Igual às distintas correntes de agricultura ecológica, a agricultura biodinâmica não utiliza agroquímicos sintéticos (fertilizantes, agrotóxicos, hormônios, etc.), no entanto, algumas práticas específicas vão além e têm por objetivo desenvolver e harmonizar esse organismo, como: os preparados biodinâmicos que utilizam plantas medicinais nos biofertilizantes e a observação e uso de ritmos astronômicos nos cultivos. Os “preparados biodinâmicos”, citados, particulares dessa agricultura, utilizam plantas medicinais — milefólio, camomila, urtiga, carvalho, dente-de-leão, valeriana, cavalinha e carvalho.
Estes preparados atuam em linhas gerais como adubos, todavia, sua função geral é dar vitalidade ao solo e a esse organismo agrícola. Um solo vivo, por sua vez, produz plantas, animais e alimentos com mais qualidade.
O que define a agricultura biodinâmica para o doutor em Ciência do Solo, Lucas Pilon, é o ritmo que proporciona equilíbrio e vida aos cultivos. “Temos ao nosso favor as estações do ano, marcadas astronomicamente pelos solstícios e equinócios, e em consonância, as plantas em sintonia a esses ritmo. Buscamos essa conexão com as práticas biodinâmicas, assim, temos nossos plantios, manejo das lavouras e colheitas guiadas por esses ritmos. Os resultados são plantas sadias e alimentos com vida”, explica Lucas ao Correio9.
Thacya Silva, doutoranda em Extensão Rural, esposa de Lucas, complementa que esta prática era muito comum na agricultura tradicional, e que esse conhecimento foi sendo repassado pelas gerações, que entendiam muito bem essa dinâmica. “Os nossos avós e bisavós falam com muita naturalidade sobre esses temas, mas a agricultura biodinâmica surge com estudos científicos e pesquisas aprofundadas sobre o assunto. Existem estudos da agricultura biodinâmica que comprovam que se você plantar na lua cheia, você obtém um resultado; se plantar em outra fase, terá outro resultado. Aqui, no Sítio, utilizamos um calendário astronômico que é uma boa ferramenta para o plantio e o cultivo”.
O SÍTIO E A FAMÍLIA
A história do sítio na família tem início há 34 anos, quando os pais de Lucas, José Luiz Pilon e Maria Lúcia Contarato Pilon se mudaram para a propriedade rural e deram início a uma agricultura muito diferente do que há hoje, com poucas variedades de produtos agrícolas e uma agricultura convencional. Porém, desde que chegaram, o Seu José Luiz iniciou a atividade de reflorestamento do local, em vez de realizar o desmate para ampliar a produção agrícola, que supostamente garantiria o lucro da família. Assim surgia o primeiro indício das preocupações da família com o sítio. Com o passar dos anos, as árvores do reflorestamento ganharam presença também nos cultivos, e assim as agroflorestas dão forma à lavoura e à propriedade.
Ao longo dos anos a biodiversidade ganhou força. Uma transição começa a ocorrer nos últimos vinte anos; os agrotóxicos são dispensados, dando lugar a práticas ecológicas como adubação orgânica, uso de caldas e biofertilizantes e as épocas favoráveis ao cultivo de cada cultura possuem agora atenção. Aos poucos, a biodiversidade do lugar foi crescendo e, atualmente, são produzidos e comercializados mais de 65 tipos diferentes de alimentos no Sítio São Lucas.
COMERCIALIZAÇÃO
Dona Lúcia aprendeu desde muito cedo a aproveitar os recursos que o sítio oferecia e com o passar dos anos foi desenvolvendo uma habilidade única de transformar as produções do sítio em algo ainda mais saboroso, agregando valor comercial. São diversos produtos, como polpas, doces, geleias, licores, frisantes, pães e minimamente processados. Os produtos são disponibilizados a quem visita o Sítio ou na loja de produtos orgânicos, na Rede Agrovida, localizada no Centro de Nova Venécia.
Além disso, existe outra modalidade de comercialização da produção do Sítio São Lucas, conhecido internacionalmente como Comunidade que Sustenta a Agricultura (CSA). A prática promove uma relação direta do campo e a cidade, criando uma relação próxima entre quem produz e quem consome, colaborando para a manutenção da agricultura que produz alimentos frescos e saudáveis.
Na prática, os agricultores do sítio se organizam semanalmente com as colheitas para organizar a parcela de cada família — uma cesta de alimentos orgânicos. Os alimentos colhidos são provenientes da sazonalidade e o que a estação oferece em cada semana. “Frutas e alimentos coloridos possuem mais intensidade de produção no verão; no inverno, colhemos mais raízes. Isso está diretamente relacionado à nossa necessidade alimentar”, afirma Lucas.
Acompanhando a cesta, vai um folhetim com diversas informações sobre os ritmos astronômicos da época; identificação dos alimentos, informações nutricionais e culturais; até mesmo partilha de receitas, especialmente para alimentos pouco convencionais.
AUTONOMIA
Todas as ações adotadas pelo Sítio São Lucas favorecem autonomia aos seus moradores. Ao adotar a agricultura agroecológica, os agricultores deixam de usar sementes provenientes do meio industrial e passam a cultivar suas próprias sementes, conhecidas como sementes crioulas. O Seu José Pilon é conhecido como um dos grandes guardiões da vida, mantém um banco de sementes crioulas por gerações, que não sofreram alterações em sua estrutura genética, livre de qualquer tipo hibrido ou transgênico.
Além disso, não fazem uso de insumos químicos sintéticos e industrializados, adotando o uso dos biofertilizantes que são produzidos no sítio, deixando de ser reféns do mercado do agronegócio e tornando-se os verdadeiros gestores da propriedade rural, produzindo de acordo com as necessidades.
Não menos importante, os alimentos do sítio também são uma forma de autonomia e soberania alimentar, já que quase a totalidade do que se come no dia a dia é produzido ali mesmo, e ainda são comercializados, garantindo uma renda que supre outras diversas necessidades dos moradores do local.
ECOTÉCNICAS
As atividades desenvolvidas no Sítio São Lucas não se restringem somente a um tipo de trabalho padronizado e sem liberdade de criatividade. Todos os recursos da propriedade são estrategicamente utilizados de diversas formas.
O tratamento de esgoto é diferenciado e com eficiência. A água proveniente das pias é filtrada por um conjunto de plantas específicas, como palmeiras e helicônias — tratamento conhecido por evapotranspiração —, que retém as impurezas, permitindo um retorno ao ambiente de água limpa e descontaminada. O esgoto que contém os dejetos é tratado de duas maneiras. Uma é a fossa biodigestora, que realiza o processo de decomposição e descontaminação dos excrementos, transformando em adubo orgânico de comprovada eficácia e segurança. A outra forma é o banheiro seco, onde os dejetos são direcionados num sistema que não usa água, mas serragem, que proporciona a descontaminação do material.
Muitas outras ações são adotadas no Sítio São Lucas para promover uma agricultura que se preocupa com as relações entre o meio ambiente e as pessoas que vivem nele. Há alguns anos o Sítio proporciona muita partilha e troca de experiências, e atualmente oferece um agroturismo pedagógico, com trilhas, oficinas e muito mais, tudo com muita boa prosa.
Para conhecer mais sobre esse trabalho, as boas-vindas são dadas pela família Pilon. Para contatar e agendar a visita o contato pode ser feito pelo telefone: (27) 99978-1288, ou pelo e-mail: pilonagroecologia@gmail.com.
“No fim de todo esse esforço, o importante é proporcionar vida ao solo, ao alimento e a quem consome”, finaliza Lucas Pilon.
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