* Por Beto Neves
Qualquer veneciano teria motivos de sobra para escrever sobre a profunda empatia existente entre a população de Nova Venécia, interior do Espírito Santo, e um grupo musical do início dos anos 70, que por ironia da forma em que apareceu no contexto musical recebeu o nome de UH.
É inexplicável a afeição de uma cidade inteira em relação aos então meninos, hoje sessentões, que revolucionaram a cultura da região com irreverência ao apresentar, em pleno período da contracultura, o que acontecia no mundo musical, levando então à pacata cidade as informações daqueles que na época moviam os pilares do mundo: moda, costumes, protestos, num tempo em que a televisão não apresentava o mesmo contexto social existente hoje, sobretudo no caráter de denúncias. A agilidade de informações se prendia ao entender dos veículos noticiosos no conceito do que deveria ou não ser enfoque, sempre fiscalizado de perto pela censura, que coibia a liberdade de expressão.
Foi assim num período efervescente de transformações que surgiu o Última Hora – UH. (para os que ainda não sabem – acredito que não são poucos) em função de terem sido contratados de última hora para animar um baile de debutantes em que o conjunto que faria a festa não pode chegar a tempo por problemas com o veículo que os transportava.
Elvis Presley encantava o mundo com a magia de sua voz e sua dança; os Beatles eram um fenômeno que incendiava a população; os Rolling Stones, em suas caras e bocas, satirizavam o capitalismo, faziam apologia às drogas e a questionavam a sexualidade. O movimento hippie tomava conta do mundo formando o conceito “Paz e Amor”. Eram os filhos de pais ricos que faziam seu protesto contra a Guerra do Vietnã e denunciavam os desmandos da burguesia. Um período que deixou marcas profundas na cultura do país.
No Brasil, Paulo Coelho e Raul Seixas desenhavam a sociedade alternativa pregada por Lennon. Ziraldo, em suas charges, e o jornal O Pasquim, e etc., mostravam, mesmo acuados pelo AI-5, denúncias, os erros de um país dominado por militares. Foi neste clima da avidez pelo novo e protestos incontidos, principalmente pela marcha, 100 mil estudantes relatados no livro “1968: O Ano Que Não Terminou”, que surgiram os meninos da banda.
Juntar os fatos da história que construiria o UH foi um grande desafio, já que os personagens que fizeram esta projeção vão muito além dos cerca de 30 componentes que passaram pela banda através dos anos. A história precisa ser estendida a centenas de pessoas que deram sustentação a banda e a um gigantesco fã-clube que até hoje existe e ganha adeptos. Portanto, foi preciso buscar imagens, fotografias, causos interessantes com amigos que guardam a sete chaves um vasto material e ajudaram muito tendo cedido fotos e informações para este documentário.
Cercada por montanhas no eixo Norte do Espírito Santo, com uma população de cerca de 45 mil habitantes, Nova Venécia seguia sua pacata vida até que um irreverente cidadão, conhecido como Luciane Bastos (o Ciane) resolveu por fim a este marasmo. Irriquieto, polêmico, tido por alguns como louco, inclusive, Ciane (guitarra base) se juntou a Marcelo Cunha (bateria) e Paulo Rodrigues (guitarra solo), seu cunhado, começando assim a ensaiar no sótão da casa de Zenóbio Libanio as primeiras canções dos Beatles. Era o pontapé inicial para a formação do UH. Os rádios tocavam She Loves you, I Wanna hold your hand, e outras canções que romperam as fronteiras de Liverpool para o mundo, e a nova banda, ainda sem nome e sem ter feito nenhuma apresentação, começava um trabalho para ser o emissário deste movimento: a Beatlemania.
Montado o trio, faltava-lhes um baixista. Foi aí que foram buscar Arildo Caçaro na cidade vizinha de São Gabriel da Palha, surgindo assim Os Álacres. Pronto, o sossego da família de seu Zenóbio chegava ao fim. Todas as noites até altas horas lá estavam eles massacrando os instrumentos: uma guitarra e uma bateria, emprestadas pela Igreja Católica; o restante os membros da banda foram à cata com os amigos.
As primeiras apresentações dos Álacres vieram nas festinhas de aniversários dos amigos, já que a cidade não oferecia nenhuma opção de lazer a não ser o Itatiaia Clube e a então sonata (toca discos que já vinham com caixa e pick-up). Com sua música ao vivo fazia a diferença. A mensagem era moderna e o gosto pela banda começava com os amigos.
Ninguém sonhava que aquele era o pontapé inicial para o nascimento de uma profunda relação de amor entre a cidade e o Santo de Casa que fazia milagres.
A cultura local e a aparição do UH
Em 1968 o grande barato para os jovens era o cine Universal, com sessões corriqueiras durante a semana e uma matinê e a tradicional sessão das oito nos finais de semana. Findada a sessão das 8h, o único recurso era a volta pra casa, já que inexistiam outros ambientes de diversão. Restava para os boêmios o Brazão (restaurante à la carte de excelente bom gosto, com seu tradicional medalhão) ou o Espeto de Ouro – últimos a fecharem as portas.
Algumas cabeças pensantes que se destacavam preferiam sentar-se à praça principal para discutir filosoficamente sobre Lênin, Stalin, Trotsky, Paulo Coelho, sobre os livros de Goeth, Hermam Hesse, Fernando Pessoa, a música de Geraldo Vandré, Edu Lobo e outros. Essa trupe era formada por Dedé, Toninho Gecofa e outros autodidatas considerados loucos que, insatisfeitos com o roteiro da vida, buscavam questionamentos em uma mesa redonda para absorver mais conhecimento sobre as decisões político-sociais que não davam asas a imaginação de ninguém num sistema repressivo que imperaria até o final dos anos 70.
E os Álacres continuavam em seu sótão preparando a nova linguagem musical que seria muito bem absorvida pelos intelectuais da época e pela multidão que vivia embalada pelo apelo do internacional que se infiltrava no país. Surgia ainda em paralelo, em função das letras pesadas de Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil (que faziam surgir a Tropicália) sempre vedadas pela censura, por isto pouco ouvida, outra linguagem cultural que marcaria época.
Numa dessas noites de sábado insosso, algo para acender a cidade. Aconteceria um baile de formatura no Itatiaia Clube. Naquela época, os bailes de formatura eram a saída para animar a cidade. A madrinha dos formandos era a proprietária do Cine Universal, dona Mariza, que andava de um lado para outro preocupada com a banda que já deveria ter chegado. Os músicos vinham da cidade de Colatina, e a rodovia de acesso à Nova Venécia não era asfaltada. Aliado a isto, um forte temporal caía sobre a cidade.
Vendo que não teria nenhuma alternativa, Mariza resolveu então pedir apoio ao grupo musical veneciano Os Álacres (nome este que era conhecido apenas entre os integrantes da banda, já que não tinham nenhuma aparição pública e nem cartaz com este registro). A empreitada foi topada pelos meninos, mas, e agora?! – Que nome dar a banda? A ideia veio do consenso dos músicos: se chamaria UH em função de terem sido contratados de última hora.
Foi o primeiro passo para o sucesso regional. No auge da festa onde reinava a alegria geral, por volta das duas horas da manhã chegou a banda oficial contratada. Mas que nada, embalada pelo som eletrizante que reunia a essência de Beatles, Bee Gees e Rolling Stones a galera nem quis saber de mudanças. Só deu o UH até o raiar do dia. Surgia oficialmente aí o santo de casa que faria milagres.
Naquela época a maioria das bandas tocava Roberto Carlos, Renato e Seus Blue Caps, The Fevers, e outros trabalhos da Jovem Guarda (movimento que tinha seu auge no país, utilizando inclusive versões do “boom” internacional que se apresentava) e parece que a outra vertente mostrada pelo UH havia agradado em cheio.
O desafio de fazer a diferença
Vencido o primeiro obstáculo – tocar para uma plateia imensa e de forma repentina – surgia o desafio de fazer a diferença mostrando trabalhos que eram destaque nos centros maiores que já formavam pequenas tribos (fãs-clubes). Naquela época, os Beatles já faziam show de fundos para Pink Floyd no Cavern Club. Janis Joplin, Cream, Yes, Gênesis, Muddy Watters, B.B.King, Creedence, Beatles, Rolling Stones faziam a cabeça da nova juventude. O UH preferiu se enveredar pelo lado mais light, assumindo as linhas: baladas e rock and roll, tocando Creedence, Beatles, Rolling Stones, Bee Gees, Badfinger, etc., deixando de lado o apelo dramático do Blues e o psicodelismo do movimento yuppie e hippie que culminou no Festival de Woodstock. Mais tarde eles viriam a integrar também ao repertório alguns trabalhos deste movimento.
No auge de seu desempenho, o grupo musical veneciano mostrou que o carisma e a relação de afinidade com seu público eram mesmo muito importantes. Muitas vezes, tocando numa aparelhagem de má qualidade tiveram que parar o show e retornavam sempre sobre o aplauso de um público paciente e educado.
Sem propaganda na mídia, o boca a boca levou o UH a se projetar para as cidades vizinhas de Pinheiros (forte berço cultural), São Mateus, Montanha, Conceição da Barra e outras cidades da região. E aonde a banda ia lá estava um fã-clube fiel: Wagner e Giselda, Toninho Aranha, Dedé, Dílson Bocão, Catabucha, Otaviano Caran, Ralf Calatrone, Bocais Caran, Kiabão, irmão de Kiabinho (que mais tarde viria a integrar a banda), Carrossel (que assumiu a condição de primeiro bailarino de um conjunto musical), numa época em que não existiam bailarinos como se vê hoje, Pintinho Selia, Carlos Lúcio Selia, Paulão, Faustino, enfim, uma infinidade de amigos que sempre se fazia presente.
Os festivais de música e as premiações
No auge da década de 70, onde o protesto era a música que marcava os festivais, Paulo Rodrigues e Beto Neves eram os compositores oficiais do UH, além de Filinho Bolzan. Vale aí ressaltar um detalhe: até música internacional Filinho fez: a chamada I Need the Word, um rock and roll que misturava um monte de palavras que ninguém sabia o significado e um ritmo muito dançante. Voltando ao assunto, os meninos abocanharam dezenas de festivais de música. Os maiores prêmios vieram de Montanha. Membros do grupo chegaram a ganhar os dois primeiros lugares, interpretando os trabalhos separadamente para obedecer às regras da organização.
Em Pinheiros também vieram diversas premiações, além dos festivais realizados em Vitória (Colégio Salesiano), no teatro Carlos Gomes (Salão do Compositor Capixaba), enfim, em toda a região havia respeito pelo trabalho dos membros da banda.
Como sempre, aonde ia o UH lá estava uma tropa de choque atrás. Lembro-me já nos anos 80, quando o tecladista e guitarrista Florêncio Herzog (hoje promotor de Justiça) já estava incorporado à banda, de um detalhe no mínimo engraçado.
Florêncio pediu a Bocão (Dr. Dílson hoje) que tomasse conta da galera pra não beber, principalmente dos que eram intérpretes das músicas. Não entendíamos muito bem, mas notamos que onde o time do copo cheio ia, lá estava Bocão e era só pedir uma gelada ou uma caipirinha que ele era o primeiro pegar o copo.
Descobrimos que ele estava ali pra que a gente não bebesse e resolvemos sacanear. Pedíamos uma atrás da outra. Resultado: em pouco mais de uma hora Bocão estava “trebado” e aí pudemos começar a tomar nossa cerveja em paz. No final do festival saímos com uma premiação de intérprete e Bocão tropeçando de bêbado entre os instrumentos. Foi uma noite de muito riso e gozação.
Numa outra vez, em Montanha, Florêncio Herzog nesta época ainda não fazia parte da família UH e se chamava Ian Flowers, resolveu diferenciar seu protesto e vestiu a roupa ao contrário abotoando o paletó frente à costa. Tocou de costas para onde estava o público e foi aplaudido de pé.
Outro caso muito interessante aconteceu em 1978 quando Beto Neves ganhou o primeiro e o segundo lugar no Festival de Montanha. Era dinheiro que não dava pra contar – o que fazer com ele? O chefe do bando de irresponsáveis era Ciane Bastos (uma pausa para dizer – ele foi o maior incentivador da banda em todos os tempos, tendo para isso, inclusive, tocado guitarra, baixo, bateria, teclado, gaita e vocais para não deixar buraco – tudo a sua maneira, é claro, mas sem instrumentista a banda não ficava). Mas vamos ao que interessa, Ciane fechou um bar que existia à frente da casa de Sólon – outro louco apaixonado pelas músicas de Vandré e mandou baixar o estoque. Todos os participantes do festival beberam e comeram até o raiar do dia.
Mais loucuras
Com o hábito de levar tantas premiações vieram as maiores loucuras. Certa vez, na cidade de Pinheiros, Ciane Bastos comprou muitos coletes e chapéus de couro para melhorar o visual da banda (ele queria um estilo condizente com o trabalho que seria apresentado e naquela época o nordeste era o tema central nos festivais). Alugou apartamento para todos os componentes em um hotel. Enfim, assentou todos da melhor maneira possível.
Durante o evento não faltou whisky de primeira, cerveja, churrasco e tudo mais. Só no final da festa descobrimos que ele estava completamente duro. Por sorte veio mais uma vez a premiação e foi dela que saiu o dinheiro para pagar todas as despesas.
Mas era tudo muito engraçado. Não ficávamos com um centavo no bolso, mas vivíamos intensamente.
A Capital
Quando todos já estavam com curso de segundo grau completo veio à separação. Paulo e Marcelo Cunha foram estudar em Vitória; Beto Neves foi pra Viçosa, em Minas Gerais; Reginaldo Bicho-Magro, que nesta época integrava a banda e era um dos músicos de linha de frente, já que fazia vocais e tocava, permanecia seu trabalho no Banco do Brasil da cidade de Nova Venécia; Filinho Bolzan, baixista, continuava com suas atribuições na cidade, e com isto veio a separação e um novo rumo na vida de todos.
Em Vitória, Paulo deu seguimento ao UH, agora com uma nova geração de músicos, mas o forte mesmo foi a criação do grupo de chorinho da Ufes, onde Paulo era o cavaquinista solo da banda de Mauricio de Oliveira, Edílson (violão de sete cordas) Arthur (flauta transversal). Mauricio era um dos maiores músicos do estado do Espírito Santo. Era um trabalho voltado mais para a área universitária com concertos e apresentações culturais em teatros e universidades e serviu para a evolução de Paulo como músico.
Em Nova Venécia, Filinho se juntava a Lia Márcia, Luizinho e outros para montar uma nova banda em que Lia Márcia era a vocalista e Filinho líder do grupo.
Em Viçosa, Beto Neves se juntava a Marcolino do Fio da Navalha que morava em BH e passou no vestibular daquela universidade e começava a tecer as canções que dariam uma nova linha no futuro ao UH. Com Marcolino, Beto conheceu trabalhos maravilhosos de bandas como Crosby Stills Nash & Young, Cream, The Who, Led Zeppelin, Deep Purple e os blues de B.B.King, Albert Clins, Eric Bourdon, etc. Mas a vertente que marcou mesmo foi o som de Minas Gerais.
Marcolino era músico do Fio da Navalha, mesma banda da qual integrava Lô Borges e foi através dele que abriu-se o Clube da Esquina para Beto, que viveu o auge da carreira de compositores como Beto Guedes, Flávio Venturini, o próprio Lô Borges, Mílton Nascimento, Toninho Horta, etc.
Nas férias, eis que renascia o UH para a alegria da população. Agora, com Bicho Magro, Gordurinha (bateria e percussão), Paulo, Marcelo, Ciane, e algumas participações especiais. E o bicho pegava! Todo fim de semana tinha baile no Itatiaia, e a casa sempre cheia.
Agora começava a variar o repertório da banda. Músicas como Teach Your Childrens (Neil Young), Helpless (Gahn Nash), Hey Hey my Mind, outras de Sá e Guarabira (primeira canção da estrada), Eric Clapton (Wonderful Tonight), canções loucas da banda Rolling Stones do disco Let It bleed e muitas outras davam uma nova guinada sem, no entanto, abrir mão do tradicional Beatles, Bee Gees e assim por diante.
As mudanças
Em Vitória, durante o ano letivo de 1981 surgiu o Chegança, uma banda que abalou as estruturas da Capital e virou presença obrigatória em eventos importantes. Era composta por Guto Neves (violões e vocal) Beto Neves, que já havia abandonado a Universidade de Viçosa (violões e vocal), Paulo Rodrigues (craviola de 12 cordas e vocal), Luizinho (percussão e vocal) Paulão Neves (vocais) e Arthur (flauta transversal). Foi época rica em composições, afinal, ali se reuniam três compositores numa mesma banda e backing vocals de primeira.
Com este grupo vieram as premiações na Capital, além de shows em circuito universitário. Naquela época, parte do UH participou do programa cultural do Governo do Estado chamado Projeto Moqueca. O Chegança fez apresentação no Circo da Cultura (Praia do Canto) e no Teatro Carlos Gomes, juntamente com Alceu Valença. O programa do governo era pra unir músicos capixabas a nomes conhecidos do cenário nacional para divulgar os talentos emergentes.
Ainda neste período o primeiro registro de músicas inéditas foram apresentadas à população capixaba através da televisão. Beto Neves, Guto Neves e Paulo Rodrigues fizeram programas especiais para a TV Gazeta, repetidora da Rede Globo, apresentando canções inéditas. O programa se chamava Gazeta Som Especial e teve imensa audiência. O Gazeta Som tinha à sua frente o âncora Edu Henning (Clube Big Beatles)
Ainda em 1981, Beto trouxe de Belo Horizonte um grande flautista, Albertinho, que por 30 dias se juntou ao UH fazendo um excelente duo de flautas com Arthur. Pena que foram só 30 dias e não deu tempo de deixar nenhum registro gravado.
Cenário nacional e internacional
O UH teve uma passagem internacional em sua carreira. Na Ufes, Paulo conheceu um jovem que estudava lá também. Era uma pessoa de grande desenvoltura, residente na Nicarágua. Com ele, Paulo acertou um grande show para recolher alimentos e roupas para os flagelados daquele país. Era uma briga pela causa sandinista. A mídia internacional noticiou o fato e a imprensa brasileira, principalmente a do Espírito Santo, deu cobertura total. Foram duas apresentações: a primeira em Vitória e a segunda em Nova Venécia, no antigo Colégio Estadual (onde hoje é o Centro Paroquial São Marcos), o suficiente para mexer com a história da banda.
Ainda através de Paulo apareceu na vida do UH um garoto de pouco mais de 20 anos que assinava o nome Paulo Hugo. Grande desenhista e escritor, Paulo iria fazer sua primeira apresentação em palco – agora como músico e intérprete junto com a banda veneciana. Subiu no palco, tremeu como era comum e deu conta do recado. Mais tarde o país iria conhecer a canção Jardins da Fantasia – de sua autoria – tocando em todas as rádios. O tal Paulo Hugo não é ninguém menos que Paulinho Pedra Azul, que ainda hoje tem orgulho de contar sua história, onde o UH está sempre inserido.
Paulinho saiu de Vitória para sua casa no Vale do Jequitinhonha e se embrenhou em pesquisas populares e se transformou no porta-voz do Vale, junto com Rubinho do Vale, Saulo Laranjeiras, Tadeu Franco e outros grandes nomes.
O carnaval inesquecível
Na década de 70 o carnaval de salão era tradicional e o Itatiaia era palco de marchinhas e alegorias, fantasias e brincadeiras que alegravam aos que ficavam na cidade, já que a maioria ia para as praias da Capital e de Conceição da Barra. Vale lembrar que nesta época Guriri ainda era uma praia virgem, local onde habitavam pescadores em sua maioria.
Em 1975, o prefeito na época era Antonio Barbosa, seu filho, Toninho Guilherme e o hoje cirurgião-dentista Wagner Pandini foram barrados de entrar no clube, não me lembro muito bem o porquê. Toninho era muito amigo do pessoal do UH que, em protesto a atitude da organização do carnaval resolveu também boicotar o evento.
O que fazer então para animar os foliões que foram desertados? Depois de uma reunião regada a muita cerveja e desabafo surgiu a ideia de fazer uma escola e realizar um desfile de rua. Foi aí que surgiu a escola de samba Unidos do Tio Zeno (Tio Zeno era o pai do guitarrista da banda, Paulo Rodrigues).
Faltava o samba enredo, mas isto era galho fraco pro UH. No mesmo dia foi criado. Coisa muito simples que emendava uma marcha a um hit conhecidíssimo de todos os carnavais – uma mistura de meia dúzia de versos com a música boi da cara preta.
Ficou assim: O samba enredo vai passar/ Nova Venécia vai vibrar/ Pois cantamos noite e dia/ não podemos mais parar./ São quatro dias de alegria E o boi da cara preta iniciou nossa folia/ Olha o Boi e em seguida a marcha tradicional Boi boi boi/ boi da cara preta/ pega esta menina que tem medo de careta.
Como isto aconteceu não se sabe como, mas o pessoal que estava no clube foi esvaziando o salão e entrando no carnaval de rua que rasgou a noite e varou pela madrugada durante quatro dias. Ah sim: os compositores do samba foram Beto Neves Paulo Rodrigues, e pasmem: o terceiro era Renato Cunha, irmão de Paulo, que jamais havia pensado em fazer uma canção. Aliás, depois desta nunca mais se arvorou a fazer outra, nem como coadjuvante.
A folia do primeiro dia de carnaval foi tão rica em detalhes que ali aconteceram separações, reencontros, nasceram novos namoros, sexo na praça e terminou com Paulo Rodrigues bêbado abraçado às roseiras da praça, onde hoje é o Bradesco. Nem precisa dizer de que forma ele acordou no outro dia, não é mesmo?
Este detalhe é apenas para redesenhar a força mágica que se reunia ao redor deste grupo capaz de desfazer um carnaval de clube e trazer a multidão para seu lado. Uma coisa inexplicável e deliciosa que orgulhava a banda e a todos que a seguiam.
Os outros dois dias foram de entusiasmo maior ainda, e aqueles que não participaram no primeiro dia também resolveram aderir. Alguns amigos que estavam na Capital, ao saberem o sucesso do primeiro dia de festa, trataram de se arrancar de volta pra Nova Venécia. Não queriam perder a loucura daquele bando de deliciosos inconsequentes.
Penha, Marta e Maisa Piazarrolo, Ninha, Gadi e Nego Kretli, Ana de Zenozinho (era assim que a gente chamava), Giselda Altoé e Carmindinho, Kiabão, Kiabo e companhia eram os mais animados e foram responsáveis pela multiplicação dos foliões. Uma maravilha.
No último dia (quarta-feira de cinzas) após o almoço, Beto e Paulo embarcaram num Jipe para São Mateus pra pegar o restinho do carnaval de Lá. [Resultado: com uma placa fria (do Texas) no Jipe, pensando em chegar por cima na cidade vizinha, a dupla acabou por ir parar na cadeia].
Foi aí que entrou em ação Salvador Bonomo – que já era advogado – para resolver a pendenga, depois de grande puxão de orelha. O carnaval quase acaba pros dois de forma trágica.
As várias formações do UH
O UH passou por uma série de formações e é humanamente impossível lembrar todos que fizeram parte do grupo neste ínterim. A base, no entanto, sempre foi a mesma: Paulo, Marcelo e Ciane, o resto girava em torno dos três. Mas muita gente marcou decisivamente a vida da banda.
Pessoas como Bicho Magro, Florêncio Herzog, o flautista Ari, Filinho Bolzan, Gordurinha, Cherinho (grande vocalista que imitava Tim Maia na cabana que existia onde hoje é a Rodoviária Intermunicipal), Lia Márcia, Osmar Júnior, Neide Zaché, Kiabinho, Jereréu (primeiro dançarino de palco, muito antes da febre baiana existente hoje), Beto Neves, Luizinho Peidão, Arildo Caçaro (grande nome do UH que fundou a Big Beatles posteriormente, em Vitória) e Sandro Guimarães (in memorian). Recentemente a banda adotou dois grandes músicos: o saxofonista Geovani (filho do flautista Ari, companheiro de Beto Neves em música de barzinho) e o guitarra Sérgio Guita.
Outros nomes são os de Valdemar, Sandro Tótola, Xandão (este entrou na insistência. Parecia não levar nenhum jeito pra coisa, mas calou a boca de todos adquirindo excelente escala e um sopro fantástico – Xandão é hoje músico da banda da PM de Vitória), Daniel Preto, etc. Se alguém participou e ficou de fora pode sentir-se incluído. Afinal, a história é tão vasta que é impossível lembrar todos.
Durante todo este tempo acompanharam fielmente a banda pessoas como Paulão, Totoca, Giselda, Wagner, Cilnei, Ilzinha, Izaura (da família de seu Carlos), Wladimir, Ralf, Solange, Sandra (da família de seu Nico), Dedé e Toninho (Rua Colatina), Olavo Cunha Rodrigues, Lúcia Cunha, Carol, Glorinha Cunha, Renato Toscano, Penha Peruchi, Doutor Peruchi, Netinho Bastos (irmão de Ciane), Angelina, e outros. Vale salientar que esta foi a primeira leva de seguidores. Vários outros vieram depois.
NOTA DO CORREIO9 – Esta reportagem especial é parte de um documentário que está sendo produzido por Beto Neves, um dos integrantes mais antigos do UH. O material foi encaminhado ao Correio9 para publicação, com exclusividade, e conta um pouco da história da banda.
Em suma, é um ‘Déjá vu’, com fatos conhecidos do público que a acompanha (e outras histórias desconhecidas). No entanto, trata-se, apenas, de uma das fases da banda (anos 70 e 80). O grupo está sempre em atividade e a história ainda continua sendo escrita. Em outras oportunidades, publicaremos novos recortes da antológica Banda UH, responsável por umas das festas mais tradicionais da cidade: o Baile dos Venecianos Ausentes.
VEJA MAIS ALGUMAS FOTOS DA BANDA UH EM DIVERSAS OCASIÕES:
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