Elias de Lemos (Correio9)
Em outubro de 2018, um veneciano de 27 anos foi preso pela Polícia Militar no interior do município de Nova Venécia. Ele havia brigado com a sua esposa e ela o acusou de agressão. Nesta entrevista ele conta ao Correio9 como foi a experiência vivida nos seis meses em que ficou sem liberdade.
Correio9 – Como você foi para lá?
D.P.S – Eu estava na casa da minha mãe, e tive uma discussão com a minha mulher e acabei quebrando o celular, ela ficou com muita raiva de mim por isso. Ela saiu, eu fui dormir, quando acordei a Polícia estava batendo na minha porta, eu atendi e fui preso.
Correio9 – Para onde você foi levado?
D.P.S. – Fui levado para a Delegacia de Barra de São Francisco. Cheguei lá e fiquei pensando que ia sair, até porque o motivo era um motivo muito pequeno, mínimo né, só que eu não sabia o que ela tinha falado, das coisas que ela tinha falado no depoimento dela. Cheguei lá numa quarta-feira, e fui sair na sexta. Era uma cela de mais ou menos 2×3 metros, tinha água lá dentro, não tinha como me sentar nem me deitar. Depois fui encaminhado para a CDP de São Domingos do Norte, eu e outro rapaz também que chegou lá comigo.
Correio9 – Como foi a essa experiência?
D.P.S. – Para quem nunca teve essa experiência de chegar num lugar daquele, é horrível, porque você tem que fazer procedimentos, toda hora você tem que tirar a roupa para fazer procedimentos. Lá você não fala, você só ouve, quando fala pode ter problemas e o que um faz lá, todos que estão lá dentro pagam, todos que estão na mesma cela pagam. Mas também tem outra questão, a alimentação é boa, tem horário certo de se alimentar, tem o remédio. A questão lá é que a gente nunca fala, a gente só ouve, nunca pode olhar para nada, nunca pode olhar para a cara de ninguém, tem que só abaixar a cabeça e ouvir e às vezes, algumas pessoas que estão lá dentro falam que querem sair e querem mudar, mas aí quando você pensa que a pessoa saiu, a pessoa está voltando para lá de novo.
Correio9 – Como foi sua saída?
D.PS. – Eu saí, roguei muito a Deus para eu sair, e saí com outro tipo de pensamento de vida, eu pensei em sair e reconstruir a minha vida, terminar meus estudos. Está certo que graças à Deus não foi um motivo muito grave para eu parar lá, foi uma coisa mínima, mas, têm pessoas que podem ficar lá por muito tempo e quando saem ficam desesperadas pois não sabem nem por onde começar. Então a gente tem que manter a cabeça no lugar, tentar estudar, fazer alguns cursos, tentar mudar de vida porque não é uma experiência boa não passar por aquilo.
Correio9 – Eram quantas pessoas com você?
D.P.S. – Dentro da minha cela havia dez pessoas.
Correio9 – Este espaço era suficiente para quantas? Era para os dez ou para mais, ou para menos?
D.P.S – O espaço era suficiente para seis pessoas. Tinha gente que dormia debaixo da pia, outros dormiam no meio do corredor, onde passava gente toda hora para ir ao banheiro. É um lugar esquisito porque onde você vai usar o banheiro é exposto, não tem porta, não tem nada, é simplesmente em um cantinho: um vaso, que lá eles falam “boi”. Ele fica um pouquinho alto, um pouquinho acima do chão, você fica de cócoras e faz suas necessidades, antes coloca-se uma bermuda ou uma toalha na frente para que ninguém fique te olhando. É muito difícil, toda hora tem que ficar pelado.
Correio9 – E o dia a dia lá dentro como era?
D.P.S. – Na hora que você sai para o banho de sol tem que fazer um procedimento de revista. Na hora que você retorna, a mesma coisa. Se você for sair para algum atendimento, você tem que fazer a revista. Às vezes você está passando mal, dependendo do plantão, eles não têm remédio, pode ser que eles falam que não tem por maldade, pois os presos são muito maltratados. A maioria dos agentes não tem a mínima educação. Eles se sentem muito poderosos. Às vezes se precisar de algum dentista tem que ligar para a família lá fora para levar um dentista. Eu sei que é muito complicado. Um verdadeiro inferno.
Correio9 – Você falou que se alguém fizer alguma coisa, todos que estão na mesma cela pagam. Como é isso? Fazer alguma coisa como?
D.P.S. – Olhar pela greta enquanto os agentes estão passando, por exemplo. Tem o horário de silêncio, a partir das 22 horas. Se ficar gritando dentro da cela, ficar cantando, vem punição. Eles têm uma gíria lá que é “marrecando”. Então, quando eles gravam aquela pessoa que fala muito, que fica respondendo, às vezes eles entram na cela, dão “torsão”, aí, se der uma briga na cela entre as pessoas que estão lá, todos pagam, todos tomam gás, eles não vão diretamente naquelas pessoas que brigaram, todos os dez que estão na cela pagam, todos os dez tomam “torsões”.
Correio9 – O que são esses “torsões”?
D.P.S. – Eles pegam os pontos fracos da gente, por exemplo, a mão, eles pegam e dobram a mão, o pé, eles torcem o pé. Fazem a gente fazer o tal do “passinho do ganso”, você tem que andar pelado na quadra com a doze na cabeça, tem que dar umas dez, quinze voltas com uma arma na cabeça. Eles falam que a bala que está na arma não é letal, é de borracha, mas de toda maneira é muito complicado isso, você se sente massacrado, é um massacre aquilo, então para quem nunca passou e de uma hora para outra passa por aquilo, é bom não voltar, porque é difícil, muito difícil mesmo. E outra também; as pessoas não ficam separadas de acordo com o que cometeram, eu acho que o certo devia ser assim: quem é assassino fica com assassino, quem é ladrão, fica com ladrão. Pelo motivo que fui, eu fiquei numa cela lotada de assassinos entendeu, pessoas que não estão nem aí para a vida, são pessoas que vão sair de lá e cometer as mesmas coisas.
Correio9 – Além disso que você narrou, você sofreu alguma outra violência lá dentro? Por parte de outros presos, por exemplo?
D.P.S. – Sim, sim. Quando eu cheguei, pelo motivo de eu ter ido, por ter sido pela Lei Maria da Penha, mesmo que eu não tenha agredido a mulher, tanto que ela se negou a fazer o exame de corpo delito, porque não havia agressão. Eles achavam que eu tinha espancado a mulher, e por isso eu sofri muito bullying lá dentro. Queriam me bater, até arrumei problemas por causa disso, porque eu não ia apanhar, ia me defender. Tudo que você fala é mentira, você é chamado de muito apelido esquisito, como por exemplo “vendedor de panela”; “ceará” que eram meus apelidos, mas eu não gostava desses apelidos. Mas não adiantava reclamar.
Correio9 – E como é ficar esperando o tempo passar sem poder fazer nada?
D.P.S. – Lá você troca muito o dia pela noite, acaba dormindo durante o dia e a noite fica acordado, a gente chega a pedir remédio para dormir, para ajudar, porque a gente não tem o que fazer, a não ser ficar numa cela com dez pessoas, num espaço muito pequeno. Eles até dão jogos para jogarmos, mas é moderado, tem os horários, tem a recolha de volta, então a gente não tem o que fazer, só tem que conversar mesmo.
Correio9 – Durante o período que você passou lá, o que passava pela sua cabeça? No que você pensava?
D.P.S. – Eu pensava muito nos meus filhos [ele tem cinco], pensava muito no valor da minha família, o valor que não dei, onde eu errei, procurei saber onde eu errei. Sentia muita falta, muita saudade de todo mundo, parecia que eu estava há um ano lá dentro. Lá dentro o tempo não passa, então você tem muito tempo para pensar, raciocinar para não enlouquecer. E o que eu mais sentia falta era da minha família, toda ela. Eu orava à Deus, pedia para que o anjo do Senhor passasse na casa de cada um naquele momento e pudesse estar do lado para não deixar acontecer nada, para eu não ter que olhar naquela greta lá onde era proibido olhar e ver algum da minha família entrar naquele lugar. Porque eu sabia já do sofrimento que ia passar.
Correio9 – A greta é por onde vinham outras pessoas que estavam chegando?
D.P.S. – Quando falavam: está chegando um preso. Mesmo sendo proibido olhar, eu não conseguia tirar os olhos, porque eu pensava: meu Deus, tomara que não seja ninguém da minha família, ou alguém conhecido, porque é sofrimento demais.
Correio9 – Comumente a gente ouve que prisão é escola para o crime. Isso é verdade?
D.P.S. – Se a pessoa quiser sair de lá bem, ela sai, se quiser sair mal, sai mal, porque nas conversas diárias que aconteciam eles acabam ensinando receita de droga; os presos que já têm a vida no crime acabam ensinando cada coisa que se a gente for trazer para o dia a dia da gente, a gente acaba cometendo outros crimes. Então não é educação aquilo, é uma escola de loucos, nem escola de loucos funciona daquele jeito. Eu acho que você colocar uma educação, a educação para a pessoa ser reeducada, não, apenas ser presa, ela devia ser reeducada. O que eu pensei lá dentro também foi: eu tenho que aprender a conviver com essas dez pessoas o tempo que eu estiver aqui, porque se eu não conseguir conviver com essas pessoas aqui dentro, eu não vou conseguir conviver com o mundo lá fora, então minha primeira regra foi: conviver com essas pessoas. Porque se tudo vira discussão, a gente não vai conviver, então se eu não conseguir viver num espaço com dez pessoas, como você vai conseguir conviver com a multidão? Então o meu pensamento era esse, conviver com aquelas pessoas no momento que eu estive lá, para aprender, quando sair aqui fora ter uma convivência normal com as outras pessoas.
Correio9 – E agora você espera o quê?
D.P.S. – Espero melhoras para mim, que Deus vai abençoar meu caminho. Eu saí com outra mente, quero escrever hinos, vou tentar cantar, vou tentar mudar a minha vida, terminar meus estudos e erguer a minha cabeça e viver em paz. Pagar meu processo e trabalhar, vencer na vida e dar mais valor ainda à família.
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