A investigação aberta pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para apurar ofensas aos ministros e à Corte abriu uma crise institucional entre o Tribunal e a Procuradoria-Geral da República (PGR). Na terça-feira (16), o presidente do STF, Dias Toffoli, prorrogou o inquérito por 90 dias, enquanto o ministro Alexandre de Moraes negou pedido da PGR para arquivar o caso.
O Congresso reagiu à investigação do STF, e a CPI da Lava Toga voltou ao centro dos debates. A censura a meios de comunicação – como a Revista Crusoé e o site O Antagonista – e o inquérito contra pessoas críticas aos membros da Corte, provocaram reações de norte a sul do País.
Antes disso, o ex-juiz, e agora ministro da Justiça, Sérgio Moro, fez campanha na mídia e nas redes sociais pedindo apoio à Lava Jato, como se não existisse lei.
A nomeação de Alexandre de Moraes para o Supremo envolveu jantares e negociação política.
As decisões de Toffoli e Moraes arrastaram o Brasil para uma crise entre Poderes e dentro dos Poderes. Contrariando o processo legal, a investigação – que deveria ter origem no Ministério Público – produziu uma situação inédita e bizarra no País. Como é possível o STF abrir inquérito e concluí-lo? Vai enviar a quem? Ao próprio Supremo? Isso não é possível. Vai enviar para a PGR ou para a primeira instância? A estranheza do Inquérito colocou o País no meio de uma crise institucional.
Em junho de 2018, julgamentos da Segunda Turma do Supremo envolvendo réus da Lava Jato expuseram a divisão da Corte em relação ao andamento da operação, e evidenciaram a contaminação política da Justiça. A postura de autoproteção e punitivismo reflete a crise de legitimidade do STF e põe em xeque a sua própria credibilidade.
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu um sistema de direitos e garantias fundamentais que visa proteger o cidadão de eventuais violações de direitos, perpetradas comumente pelo Estado. O sistema combina o exercício pleno de direitos de liberdade (locomoção, associação, expressão, crença, etc.) com suas respectivas garantias (habeas corpus, habeas data, mandado de segurança, entre outros), além de mandamentos constitucionais que buscam assegurar o devido processo legal – princípio da legalidade, da presunção de inocência, do contraditório, da ampla defesa, do juiz natural, da prisão apenas após o trânsito em julgado da decisão, entre outras garantias.
Ao STF compete a defesa da Constituição, com todas as suas garantias. Isso quer dizer que é dever da Corte atuar de forma a proteger as garantias constitucionais. O comportamento censor e punitivista contraria a Constituição, mesmo que suas decisões possam encontrar eco em um suposto “clamor popular”, “natural” ou fabricado.
Argumentar que elas favorecem a impunidade é ingênuo: nada ameaça mais uma sociedade do que a sensação de que apenas alguns direitos, de poucos cidadãos, privilegiados, dependentes da vontade do juiz, são respeitados.
Ademais, o STF não se pronunciou a respeito da enxurrada de fake news divulgadas durante o período eleitoral de 2018.
O comportamento dos ministros encontra melhor explicação em uma análise de viés político. O protagonismo político do Judiciário que se verifica no Brasil é, em certa medida, incompatível com o equilíbrio e harmonia entre os poderes, assentado no sistema de “pesos e contrapesos”. A função do STF está na defesa da Constituição, em sua atuação imparcial e independente, e na legitimidade de suas decisões.
Os ministros do Supremo têm o dever de defender a Constituição vigente, e não estabelecer suas próprias leis de forma casuística. Daí a importância da imparcialidade do juiz. O juiz imparcial não tem lado, não tem torcida e não tem vontade. O cidadão juiz certamente as tem, mas a legitimação do exercício da sua função jurisdicional depende da separação entre a esfera privada de suas convicções e a esfera pública expressa no seu comprometimento na defesa da Constituição e da ordem jurídica.
O Judiciário deve ser independente, não apenas em relação aos poderes Executivo e Legislativo, mas, também, em relação aos outros atores detentores de poder econômico, político, social, midiático e carismático. Julgamentos que se afastam da norma, e atendem a interesses de grupos poderosos, não são independentes.
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