* Sandro Astolfi Tótola
Recentemente, uma famosa marca de cosméticos decidiu homenagear o Dia dos Pais colocando um transexual como estampa e, como sói acontecer com todos os comerciais polêmicos, além da natural discórdia nos meios sociais, tem sempre um lado muito útil ao desenvolvimento da humanidade, pois nos induz a uma reflexão sobre o tema.
Questões sobre o que é ser pai ou, mais profundamente ainda, sobre o que seja a paternidade, inevitavelmente têm que ser pensadas e, sempre que possível, serem respondidas de uma forma minimamente satisfatória, para que a sociedade siga sua marcha.
Pegando nosso Credo como gancho para abordagem do assunto, sabemos que Jesus Cristo é o filho de Deus, bem como sabemos que o Espírito de Deus desceu sobre a Virgem Maria e a engravidou, de forma que Maria concebeu virgem ou, na mais maldosa das hipóteses, sua virgindade, se violada, não teria sido por um homem, mas sim por Deus.
Fato aceito como verdadeiro, também, é que José sabia que não era o pai de Jesus, e mesmo assim o criou como se seu filho fosse. Pelo que se vê, a pureza, sinceridade e consciência da missão entregues ao casal José e Maria sempre inibiram qualquer atribuição a José de adjetivos ofensivos, desses que se usaria em relações matrimoniais puramente mundanas; pelo contrário, a família composta de São José, da Virgem Maria e do Menino Jesus é reconhecida por nós, cristãos, como a Sagrada Família.
Aqui, de imediato, uma importante questão já se põe: pai é quem faz ou quem cria? Ora, Jesus, indiscutivelmente é filho “biológico” de Deus, tem o DNA Divino do Deus Todo-Poderoso, e tal fato é confirmado na Escritura Sagrada, que teria o papel, analogicamente, de certidão de nascimento. Mas, quem criou Jesus, dando-lhe alimento e roupas, cuidando de sua educação, foi José, não é verdade? Então, pelos papéis oficiais do cristianismo, pai seria quem faz, e não quem cria.
Contudo, nesse ponto, contrariamos a escritura, deixando de seguir a Bíblia Sagrada ao considerar como pai aquele que não fez mas resolve criar e assumir as responsabilidades da criança através de um processo de adoção. Juridicamente, passa a ser pai. Dessa forma, então, entre nós, a paternidade é um conceito jurídico, um status legalmente conferido a alguém. O pai biológico, o genitor, tem a presunção jurídica da paternidade, mas eventualmente essa paternidade pode lhe ser retirada e conferida a outro, através de um processo judicial.
A propósito, sem querer se alongar nesse ponto, mas apenas para asseverar o caráter anti-bíblico da adoção, segundo Fustel de Coulanges (A Cidade Antiga), a adoção estaria mais ligada ao culto dos deuses do lar, ao culto aos mortos, possibilitando àqueles que não tivessem filhos providenciar um para continuar o culto dos antepassados quando o adotante viesse a óbito.
Assim, voltando ao assunto, a paternidade (e também a maternidade), entre nós, não está necessariamente vinculada à pessoa que praticou o ato sexual, mas sim àquele que assume o papel familiar de mantenedor, educador, de fonte de afeto, amor e carinho para a criança, que passa a enxergar nessa pessoa um exemplo, um porto seguro, um amparo. Tanto é assim, que hoje nós temos o reconhecimento judicial da paternidade socioafetiva, ou seja (grosso modo), aquela paternidade decorrente do desempenho do papel de pai relativamente a outra pessoa.
A paternidade é então, na verdade, um papel social desempenhado por alguém.
Surge aqui, consequentemente, uma outra questão: esse papel somente pode ser desempenhado necessariamente por um homem e, mais ainda, um homem que seja heterossexual?
Supondo que um menino seja criado em um orfanato comandado por freiras, ou que tenha ficado órfão de pai quando nasceu, ou seja, não tem uma figura masculina para lhe educar, essa criança terá um desenvolvimento psicológico sadio? Seria ofensivo ou mentiroso dizer que as freiras ou a mãe também desempenharam o papel de pai? Qual seria o papel de pai, verdadeiramente?
Que papel é esse que somente pode ser desempenhado pelo homem heterossexual, e que seria insuprível por quem não preenchesse esses requisitos? Que ensinamento quase esotérico é esse que somente pode ser ministrado à criança por um homem heterossexual? O que realmente transforma alguém em um pai? Quais qualidades e quais atitudes definem a paternidade? Qual ciência que resolve a questão: a Teologia, a Antropologia, a Psicologia, a Sociologia, ou o Direito? Realmente não sei; na verdade, acredito que algumas questões não precisam ser resolvidas, precisam mesmo é ser ultrapassadas.
* O autor é advogado, baixista e colaborador exclusivo do Correio9
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