Elias de Lemos (Correio9)
O ano de 2020 será melhor para cada um de nós, para o Brasil e para a humanidade? É da nossa natureza acreditar que sim. No entanto, o futuro ainda está por vir, ele apenas começa a ser construído.
Acreditarmos que será melhor é um passo, porém, a expectativa não basta. Primeiro porque as coisas não melhoram porque somos otimistas, nem pioram porque somos pessimistas.
Segundo porque cada um de nós faz parte da construção ou da desconstrução do futuro que desejamos. Desse modo, cada um possui uma parcela de responsabilidade.
Desejar “feliz ano novo”, nos últimos dias parecia um ato de ironia: como desejar que o ano-novo seja ano novo diante de um 2019 desses? Um ano de perdas, de muita crise e dureza, um ano difícil demais para a maioria dos brasileiros.
Alguns pontos sobre o ano-velho precisam ser lembrados, apesar de indigestos.
Na economia, os resultados prometidos não se concretizaram e, agora, as promessas foram refeitas para 2020.
Quem comanda o Ministério da Cultura é avesso à arte, enquanto na pasta do Meio Ambiente o comandante também não tem zelo.
Já no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, a chefe defende a submissão da mulher e a consequente superioridade do sexo masculino. Defende a cura gay e pior: que abuso infantil pode ser bom para a criança.
Bom, e em relação à educação? O que dizer sobre o que este governo está fazendo com a educação brasileira?
Terminamos o ano de 2019 como começamos, com o País completamente dividido em dois blocos antagônicos e imiscíveis. Muita gente imaginava que as divergências políticas das eleições de 2018 seriam trancadas nas urnas. Enganaram-se. Elas não param de crescer.
O arsenal de ofensas continua em alta nas redes sociais. Há um vácuo de liderança no País, sem nenhum sinal de alguma alternativa para o diálogo que nos devolva a coesão social; pelo contrário, o discurso é de ódio, rancor e exclusão.
Jamais vivemos no Brasil um clima de tamanha intolerância e conflitos. Tenho conversado com pessoas diplomadas, profissionais liberais e empresários que não “enxergam” nenhum desses problemas. Para eles, não há divisão social; não há contaminação do governo pela religião; não há desigualdade social. Para eles, está tudo bem!
É compreensível – e deve ser respeitada – a decisão individual do voto lá em 2018. No entanto, decorrido um ano de governo, e pessoas que fizeram esta opção não se darem conta da realidade, fica difícil de entender!
A tensão política no País é tamanha que é preciso moderação e cuidado para não ser engolido por nenhum dos polos: direita ou esquerda. As informações estão aí para todo mundo ver, mas, muitos preferem agir como cônjuge traído: prefere não saber, prefere acreditar naquilo que lhe convém.
Se considerarmos a hipótese de que a política é uma guerra contínua por outras maneiras, temos que levar em consideração que a guerra sempre é dirigida contra um inimigo. Já diria Umberto Eco que: “o inelutável da guerra corresponde ao inelutável da caracterização e da construção do inimigo”.
No Brasil, não há mais reflexão, não há mais honestidade intelectual; somente adjetivações. O debate público está esvaziado e o grito assumiu o seu lugar. Ambos os lados políticos qualificam-se mutuamente com palavras desrespeitosas e pejorativas – de um lado “coxinhas”, de outro “petralhas”.
Tentar pensar um cenário sem as dicotomias políticas, muitas vezes, nos leva a ser rotulados de um lado ou outro, isto é, dependendo daquele que faz a imputação. Para quem é de direita, quem critica o governo é comunista, petista, é esquerda. Para quem é de esquerda, qualquer elogio ao governo é fascismo. Embora esse maniqueísmo tente empurrar qualquer posicionamento com toda força para um dos polos, é preciso resistir a essas correntezas ideológicas e, com serenidade, não abandonar o nosso maior bem: o pensamento. É ele que nos mostra razão e a coerência. Não é preciso aderir às narrativas vigentes para ter posição lúcida e ser realista.
O ódio recíproco entre os inimigos busca simplesmente a destruição alheia, se não física pelo menos simbólica. É a isso que estamos assistindo. As cegueiras ideológicas bolsonarista e petista não permitem que eles vejam qualquer qualidade no outro grupo e que reconheçam direitos e garantias inerentes a todos nós. O outro é a encarnação do mal, que precisa ser exorcizado e combatido. Trata-se de uma visão cultural de uma guerra do bem contra o mal, em que cada lado se vê como herói (defensor da democracia ou defensor da nação) e enxerga no outro o vilão (golpista ou corrupto). Qualquer posicionamento, jurídico, político ou jornalístico acaba sendo engolido por essa polarização.
O fanatismo é tal que para um lado, o Lula é um santo e deve ser canonizado; enquanto os bolsonaristas acreditam que o presidente é um enviado de Deus. Seria cômico se não fosse a tragédia que isso nos impõe.
Nessa batalha alguns fantasmas são ressuscitados: o comunismo e o fascismo. Para alguns fanáticos a situação precisa sair do poder para evitar-se um golpe fascista que transformaria a república em um regime bolivariano como em alguns países latino-americanos.
Já para os defensores do governo federal e alguns defensores da legalidade democrática trata-se de uma tentativa ilegítima de chegarem ao poder, através de uma espécie de golpe apoiada por parte da população, que possui uma mentalidade comunista. Os termos “comunismo” e “fascismo” são significativamente vazios e estão inseridos no contexto de uma luta entre fantasmas. No fundo, seja de qual lado for o acusador projeta no outro o seu próprio autoritarismo, representado pelas sobreditas ideologias.
No entanto, não podemos negar a existência de uma preocupante ascensão de um fascismo social, não entendido simplesmente enquanto regime político, mas como um fenômeno que vem da própria sociedade, materializado na intolerância.
Na prática, o que estamos vendo por parte considerável dos apoiadores do governo federal é uma tentativa desesperada de imputar o título de comunista a todos àqueles que possuem ideias opostas às suas, o que é muito perigoso.
Precisamos ser mais do que otimistas. Precisamos ser realistas e agir com honestidade intelectual e ideológica. Assim, poderemos alimentar nossas esperanças. A Esperança representa esperar o melhor do futuro e agir ativamente para alcançá-lo. Esta força nos orienta a ter uma visão de futuro e uma postura cognitiva emocional e motivacional embasada pelo otimismo, elemento que estimula a positividade e o ânimo para direcionar os esforços ao alcance de nossos objetivos.
Precisamos mudar nossas ações, nossa forma radical e ignorante de enxergar a política. Precisamos nos lembrar de que uma vida nova se faz com novas posturas. Talvez assim, poderemos ter um feliz Ano-Novo, um ano-novo saudável e um próspero ano novo!
* O autor é economista, professor, jornalista, escritor e editor-chefe do Correio9
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