Elias de Lemos (Correio9)
No último dia 29 de julho, o Conselho Monetário Nacional (CMN) anunciou a criação da nota de R$ 200,00. A cédula terá a estampa do lobo-guará, espécie que ficou em terceiro lugar em uma pesquisa realizada pelo Banco Central sobre quais animais em extinção, na fauna brasileira, deveriam ser representados em novas cédulas. Será a 8ª nota da família do Real.
O anúncio da nova cédula gerou comentários, memes e piadas nas redes sociais. No entanto, por que o BC vai lançar a nota de R$ 200,00?
De acordo com o BC, a decisão é mais um dos efeitos da pandemia do novo coronavírus. Dados divulgados na última semana pelo Banco Central mostram que, de fevereiro — antes da pandemia — para junho, o papel moeda retido pelo público saltou 29%, de R$ 210,2 bilhões para R$ 270,9 bilhões. Esse é o maior valor da série histórica do BC, iniciada em dezembro de 2001. Isso significa que as pessoas estão guardando mais dinheiro em casa, causando o chamado entesouramento.
Porém, ao mesmo tempo, os dados do BC apontam que os depósitos à vista — recursos que estão nos bancos — também subiram de fevereiro para junho, em 25,3%. O montante total passou de R$ 199,681 bilhões para R$ 250,112 bilhões. Assim, em tese, a justificativa do banco não encontra respaldo na realidade. Além disso, porque não imprimir mais moedas de R$ 100,00, em vez de criar a de R$ 200,00?
Normalmente, o lançamento de cédulas de maior valor se dá em razão da desvalorização do dinheiro, dado que quanto mais a moeda perde poder de compra, maior é o volume de notas necessárias para realizar as transações. Na prática, a decisão do CMN pode ter sido motivada pelo comportamento do Real frente a outras moedas.
Um levantamento feito pela Austin Rating, agência classificadora de risco, mostrou que o Real é a segunda moeda que mais perdeu valor em relação ao dólar em 2020. A pesquisa leva em conta a desvalorização ocorrida no primeiro semestre – com base na cotação de 30 de junho – de 121 moedas.
De janeiro a junho, a moeda brasileira acumula desvalorização de 29,6% em relação ao dólar. Só fica atrás do bolívar, o combalido dinheiro da Venezuela.
Além disso, conforme o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), desde que foi lançado em 1° de julho de 1994 até maio deste ano, o real acumulou inflação de 508,1%. Em um exemplo simples, para comprar o que se comprava com R$ 1,00, em 1994, atualmente, são necessários R$ 6,08.
Em 1994 R$ 100,00 pagavam o salário mínimo de R$ 64,00 e ainda sobrava troco. Atualmente são necessárias 10 notas de R$ 100 e mais alguns trocos para pagá-lo. Para comprar o que R$ 100,00 compravam em 1994 hoje, o consumidor precisa desembolsar R$ 608,00. O poder aquisitivo de uma nota de R$ 100, equivale atualmente a R$ 14,70.
Vários fatores contribuem para explicar a desvalorização do Real, no entanto, dois são preponderantes. No plano internacional, as moedas emergentes, como a brasileira, têm sofrido fortes quedas devido aos impactos do novo coronavírus, que vêm causando desvalorizações de várias moedas pelo mundo.
No cenário nacional os gastos emergenciais para enfrentar a pandemia têm exercido fortes pressões sobre as contas públicas; provocado dúvidas sobre a eficácia das reformas econômicas realizadas e a continuidade das que estão em pauta.
Os gastos no enfrentamento da crise obrigaram o governo a romper o teto de gastos e abandonar a meta de déficit fiscal para 2020. Antes da pandemia, a estimativa era de um rombo de R$ 129,6 bilhões, para o ano inteiro. Porém, só no primeiro semestre o buraco fiscal foi de R$ 417,2 bi. Para o ano, a nova previsão é de R$ 800 bilhões. De onde sai este dinheiro?
Sem recursos para pagar todas as despesas obrigatórias e, ainda, bancar as despesas emergenciais causadas pela pandemia, o governo emite títulos e toma empréstimos no mercado. Com isso, a dívida vai aumentando e, por consequência, os juros incidentes sobre ela gerando mais obrigações para o governo.
Em 2019, a dívida governamental chegou a 75,8% do Produto Interno Bruto (PIB). O número é considerado alto para uma economia como a brasileira. No entanto, de janeiro a maio de 2020 o montante saltou para 81,9% do PIB, com previsão de ultrapassar 90% em breve.
Em, apenas um mês, na virada de abril para maio a dívida pública subiu 2,17%, somando R$ 4,250 trilhões. Porém, além do mercado, o governo deve, também, ao Banco Central e no exterior. Assim, o volume devido é bem maior.
A dívida pública federal é dividida em três categorias: 1ª) Dívida Pública Mobiliária Federal Interna (DPMFi) = R$ 4,099 trilhões; 2ª) Dívida Pública Federal Externa (DPFe) = R$ 182 bilhões; e 3ª) Dívida em Poder Do Banco Central (DPMFi) = R$ 1,901 trilhão.
Assim, o estoque total da dívida é de R$ 6,182 trilhões, ou 84,7% do PIB de 2019, que somou R$ 7,3 trilhões, segundo o IBGE.
O peso da Dívida Pública sobre as contas do governo
Em 2020, o governo prevê R$ 1,603 trilhão para o pagamento da Dívida Pública, o valor significa 44,52% de todo orçamento federal; sendo: 1º) R$ 409,6 bilhões para o pagamento de Juros; e 2º) R$ 1,193 trilhão para Amortizações do capital da Dívida.
Mas, este ano, apenas, em janeiro e fevereiro os gastos com a Dívida ultrapassaram a casa dos R$ 200 bilhões, ou 42,37% dos R$ 472 bilhões das despesas empenhadas.
Em 2019 o montante pago foi de R$ 1,038 trilhão, o que representa 38,3% do total de gastos (R$ 2,711 trilhões).
Para a Previdência o orçamento de 2020 é de R$ 756,6 bilhões, ou 21,01% do total. Outros R$ 344,6 bilhões serão destinados ao pagamento de pessoal, o que corresponde a 9,57% dos gastos.
Se por um lado os gastos com a Dívida são estratosféricos, apenas R$ 22,4 bilhões estão reservados para investimentos na economia, o valor corresponde a 0,6% de todo o orçamento. Em 2020 foram investidos R$ 55 bilhões ou 2,02%.
Outros R$ 121 bilhões devem ser investidos pelas empresas estatais, em 2020, elevando o volume para R$ 143,9 bi. No entanto, menos da metade – 45,7% – dos investimentos estatais previstos para 2029 foram executados.
A situação orçamentária do governo brasileiro é preocupante. Quase metade de tudo o que o governo vai gastar este ano, (44,52%), será com pagamentos de juros e amortizações.
Além disso, enquanto as despesas estão explodindo em decorrência da pandemia, a arrecadação caiu 14,71% no primeiro semestre deste ano. E mais, as previsões mais otimistas indicam queda de 9,1% do PIB de 2020, o que agrava, ainda mais, a questão do desemprego.
Esse conjunto de fatores tem provocado muita desconfiança em relação à economia brasileira e provocado a saída de investimento estrangeiro do País. Em 2019 a saída de dólares superou a entrada em U$ 44,7 bilhões e, em 2020, o déficit até julho foi de R$ 14,913 bilhões.
A Dívida Pública brasileira não é discutida com a população e poucos entendem o problema. No entanto, ela deveria ser pauta diária em todos os jornais, pois é um assunto que afeta a vida de todos nós. É na economia que vemos nossos crescimentos, e nossas falhas quanto ao crescimento do país.
* O autor é economista, professor, jornalista, escritor e editor-chefe do Correio9
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