Elias de Lemos (Correio9)
O Brasil vem vivendo duas crises que se arrastam há cinco anos, quando começou a insatisfação com o governo de Dilma Rousseff (PT). Em 2013, um pouco antes do desenrolar do caos político em que o País se tornou, a sociedade enviou um recado à Dilma. Os protestos foram por toda parte, mas a, então, presidenta não entendeu. Daí, que, posteriormente, se instalou a crise econômica, com altos índices de desemprego, para se somar à crise política. Atualmente, estas duas crises combinadas podem produzir um conflito bem maior.
Desde que começou a operação Lava Jato – o impeachment da Dilma, a condenação e prisão do Lula e a eleição do Bolsonaro – uma sucessão de fatos acumulou um ressentimento entre dois polos sociais. De um lado, a ‘esquerda’ foi demonizada, e de outro, a ‘direita’ se apresentou como tábua de salvação.
Este ambiente político – que se consolidou nas eleições presidenciais de 2018 – se agravou após a posse do presidente Bolsonaro. O País saiu dividido das eleições e o novo presidente, desde que assumiu, vem adotando medidas e fazendo discursos contrários ao diálogo. Está claro que a razão do presidente não alcança a realidade do problema brasileiro. Mas, um presidente afirmar: “Espero que não venham me pedir nada pois não sou o presidente deles”, é algo que confirma a divisão existente na sociedade.
Ocorre que, ao polarizar a população entre esquerda e direita, a sociedade brasileira criou um pensamento do “nós e eles”, separando a nação em dois grupos antagônicos, agressores e combativos. Criou-se a ideia de que, para o Brasil continuar sendo Brasil, um grupo tem de destruir o outro. E estamos falando de mais de duzentos milhões de pessoas que não se entendem. Para onde isso pode nos conduzir?
No nosso tempo, a opinião se tornou o valor maior. É ela o que importa. Porém, cada um tem a sua. Muitos dizem que opinião é igual ao ‘c…’: “cada um tem o seu”. E tem mesmo, pois, a opinião é formada por um conjunto de coisas que favorecem ao interesse do “opiniúdo”, portanto, só interessa a ele.
O problema é que muitos não consideram a falibilidade de suas ‘opiniões’. Boa parte se apega à ideologia – dado que ela não precisa ser comprovada – enquanto seus ouvintes usam o senso comum para endossar o que lhes é dito.
Com cada um querendo ser o dono da verdade, estamos diante de um abismo social sem precedentes na história brasileira. Este discurso do “nós e eles”, de “a direita” e, principalmente “a esquerda”, pode empurrar o Brasil para um ponto no qual jamais imaginamos chegar. A “guerra ideológica” que vivemos pode nos levar à ruptura do tecido social. Até quando vamos viver neste embate destrutivo? Vamos esperar o rompimento social?
Nossas ideologias são muito boas nas conversas com os amigos, quando procuramos justificar o injustificável, quando defendemos o ‘time do coração’. No entanto, quando se fala em política, a história é outra.
No Brasil, a opinião se tornou o principal valor. Cada um valoriza mais a sua, independente de seus enganos, das suas incompreensões e de falta de informação. Neste cenário, a desinformação é um problema grave a ser enfrentado.
Fazer jornalismo é realizar investigação. É transmitir credibilidade. A invenção da imprensa de tipos móveis, no século 15, fez explodir a circulação de informações. Livros foram manuscritos, as cartas e os relatos dos viajantes nas praças públicas transformaram-se em jornais e revistas. Neste novo mundo criado pela imprensa, “todos podiam saber de tudo”, mas ainda era vital distinguir os relatos falsos das informações verdadeiras, notícias de bruxas, dragões e fantasmas eram muito populares e convenciam as pessoas.
Em quatro séculos de história, a imprensa cresceu e se tornou um grande poder, com interesses econômicos e políticos. Jornais, revistas, e depois o rádio e a televisão, erguiam e derrubavam governantes, criavam moda e padrões de consumo, formando consensos e impondo aos leitores sua visão de mundo. Isso durou até o surgimento da internet.
O mundo digital e a rede mundial de computadores mudaram tudo. O consumidor passivo tornou-se também um produtor de notícias, instantaneamente compartilhadas com o mundo inteiro. Blogs, sites, twitters e tais ampliaram o volume de informações de forma nunca antes imaginada. Hoje, toda informação é pública e eterna, não há mais segredos, a ponto de muita gente pensar que a profissão de jornalista estava em extinção. Pois eu penso exatamente o oposto.
A necessidade de distinguir o que é fato do que é fake não mudou, é uma questão fundamental para a sobrevivência da espécie humana. A crise econômica brasileira vai mesmo ser debelada? Podemos ter esperança na volta do emprego? O Governo Bolsonaro vai ser mesmo um fiasco? Ele vai concluir o mandato?
Nas democracias, o destino do país depende da decisão individual de cada eleitor, segundo seu entendimento do que é melhor para a comunidade. O jornalismo tem um papel fundamental na formação deste entendimento. A imprensa brasileira, antes do golpe militar de 1964, tinha posições políticas muito claras; cada jornal apoiando abertamente um partido. Sem exceções, a imprensa apoiou o golpe militar, alguns veículos hoje reconhecem este erro publicamente. O recrudescimento da ditadura fez com que alguns jornais enfrentassem o governo, nos limites possíveis num regime de exceção, marcado pela censura, prisões arbitrárias, desaparecimentos, tortura e mortes. Na resistência ao regime militar, surge a imprensa alternativa, até que a abertura política e o fim da ditadura viessem unir os jornais no apoio ao novo governo civil.
A grande imprensa brasileira foi, por quase toda a sua história, francamente governista. Esta situação mudou em 2002, com a chegada de Lula ao poder. Talvez por divergências políticas e ideológicas, talvez por preconceitos, certamente por conta da velha luta de classes, a grande imprensa tornou-se majoritariamente oposicionista, embora o discurso seja por neutralidade e apartidarismo. Hoje, as vozes dissonantes são exceções nos grandes veículos, enquanto a diversidade de opiniões encontra espaço no jornalismo digital, que cresce de forma acelerada, prenunciando o fim do jornalismo impresso.
Com a polarização da sociedade, o público leitor passou a exigir – dos veículos de comunicação – um posicionamento favorável à sua ideologia: o jornal deve ser de ‘direita’ ou de ‘esquerda’. Porém, o produto do jornalismo não é a informação, é a credibilidade. Um jornal não pode deixar se seduzir por ideologias políticas ou questões religiosas. Um jornal que respeita seus leitores não se intimida em incomodá-los. Ele lhes entrega a verdade.
No entanto, no Brasil tem-se a preferência pelo jornalismo que endossa a opinião de quem está lendo, ou seja, direita ou esquerda. O jornalista pode estudar, pesquisar, investigar, consultar fontes, relatórios, pode apresentar dados, mas se o ‘sujeito’ que estiver lendo for adepto de uma ideologia contrária, ele não aceita, não admite que a sua opinião é falível, que pode estar enganada ou obscurecida e, assim, buscar entender outros julgamentos. Esta imposição de opiniões está nos conduzindo ao abismo. Está nos empurrando para uma situação de ruptura social.
Não dá mais para continuarmos separados “direita com direita” e “esquerda com esquerda”. Isto é “direitopatia” e “esquerdopatia”. Assim sendo, são todos da mesma “casta”.
* O autor é economista, professor, jornalista, escritor e editor-chefe do Jornal Correio9
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