Elias de Lemos (Correio9)
A crise com o Irã sequer deveria existir porque a melhor saída para conter a instabilidade no Oriente Médio é o Irã com armas nucleares. O desequilíbrio na região se dá em razão da hegemonia de Israel como única potência nuclear na vizinhança. Com isso, o país usa e abusa do poder que têm a mais do que seus vizinhos.
Se o Irã desenvolver o seu programa nuclear e produzir a bomba, ambos os lados seriam obrigados a se controlar, pensando antes de partir para qualquer ação militar. Nunca houve uma guerra entre estados nucleares, e esse é o medo de Estados Unidos (EUA) e Israel.
Somente um “Irã nuclear” poderá pôr freio aos desmandos de Israel. O apoio incondicional dos EUA a país judeu se tornaria nulo e os dois seriam obrigados a negociarem com o, atual inimigo, Irã.
Os países buscam poder no sistema internacional, que muitas vezes é militar, para garantir sua hegemonia e segurança. Assim, um mundo com apenas uma potência é mais perigoso porque esse país pode impor suas vontades aos outros, como vem acontecendo: os EUA mandam no mundo e Israel manda no mundo árabe.
Quanto maior o número de potências nucleares, maior o equilíbrio de poder. Esses países analisarão melhor as consequências de um ataque militar se tiverem adversários capazes de enfrentá-los e de provocar danos em seus territórios e mortes na população.
O conflito com Irã não é novo, está ligado a décadas de predomínio israelense no Oriente Médio. Desse modo, não há como ser solucionado com pressão internacional, sem considerar os interesses e a soberania dos demais.
A República Islâmica tem ciência de que sua segurança depende desta tecnologia, e nada a fará declinar de seu objetivo. Um cenário que EUA e Israel dizem ser inaceitável, mas, historicamente todas as vezes que um país conseguiu desenvolver um arsenal nuclear, os outros “membros do csrtel” sempre atenuaram o discurso e precisaram aceitar o fato.
Por que os EUA falam baixo com a Coreia do Norte? Por que aquele país, ainda, não foi invadido, como fizeram no Afeganistão, em 2001, e no Iraque em 2003? Simples: A Coreia do Norte possui tecnologia capaz de produzir a bomba.
Quando há equilíbrio de forças há diminuição das tensões regionais, como a queda do apetite beligerante da China de Mao Tsé-Tung. Índia e Paquistão, que arrastam uma inimizade antiga, possuem uma relação mais “racional”, dado que ambos os lados possuem arsenais nucleares. Isso ocorre porque os países que adquirem armas nucleares têm de ser cautelosos, e passam a ser mais vigiados pelas demais potências. Uma guerra nuclear colocaria o planeta em risco de destruição, e ninguém quer isso.
O discurso ocidental, de que o Irã pertence ao “eixo do mal”, não passa de uma mentira contada para justificar a opressão que EUA e Israel exercem sobre o País.
Israel possui armas nucleares, mas, como não é signatário do Tratado de Não-Proliferação Nuclear, não é obrigado a obedecê-lo. O mesmo pode ser dito da Índia ou do Paquistão. A Coreia do Norte, já fez parte, porém abandonou o tratado.
Em setembro de 2009, a AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) pediu a adesão de Israel ao acordo ou que o país permita que suas instalações nucleares sejam inspecionadas. Israel se recusa a aderir ao tratado ou permitir a supervisão. Acredita-se que o país tenha até 400 ogivas nucleares, mas se nega a confirmar isso.
A lógica israelense e americana é inexplicável: seus países não aceitam participar do acordo, mas querem obrigar o Irã a fazê-lo, pois sabem que com o Irã armado, o cenário muda na região e o País vai interferir na questão Palestina. E isso seria o pesadelo para Israel.
Donald Trump abandonou o acordo em 2018, agora atacou o Irã, que, também, decidiu sair. Depois do ataque, a desfaçatez do presidente americano foi tanta, que antes dos ataques de mísseis iranianos de terça-feira, às bases militares americanas no Iraque, Trump convidou Teerã a tornar-se um ator mais ativo no processo de paz do Oriente Médio e a construir, junto com os Estados Unidos, “um futuro de prosperidade e harmonia” para a região. Ele afirmou que seu país está preparado para “buscar a paz”. Mas sublinhou que a campanha de terror promovida pelo Irã na região “não será mais tolerada”.
Ao invadir o espaço aéreo do Iraque, Trump violou regras básicas dos acordos internacionais. Ao mandar atacar o alvo na saída do aeroporto de Bagdá, praticou terrorismo. No entanto, ele e seus aliados usam o termo “direito de se defender”, o mesmo usado para justificar os abusos de Israel. E no final das contas o Irã é que é acusado de terrorismo; e o que os EUA e Israel fazem, são o quê?
Na noite da última terça-feira, após os ataques iranianos, ele convocou uma reunião de emergência na Casa Branca. Participaram o vice-presidente, Mike Pence, e os secretários de Defesa, Mark Esper, de Estado, Mike Pompeo, e o chefe das Forças Conjuntas dos Estados Unidos, general Mark Milley. Mas, ao final das conversas, limitou-se a publicar um twitte. “Até agora, tudo bem”, escreveu o presidente. “Nós temos o militarismo mais poderoso e melhor equipado do que qualquer outro no mundo, de longe”. É isso que ele quer: continuar pisoteando o resto do mundo.
No entanto, seja lá o desdobramento que a situação atual tiver, se eclodir uma guerra entre os dois países, por exemplo, o Irã não será massacrado pelas forças armadas americanas, como foram as tropas iraquianas. A situação iraniana é muito diferente.
O Irã é uma república democrática com Constituição consolidada, clara e organizada em 14 capítulos e 177 princípios que tratam desde os aspectos políticos e das responsabilidades de seus líderes até questões da fé.
Lá, não há separação entre Estado e Religião. A religião é que manda no estado. O presidente da República – Hassan Rohani – obedece ao chefe supremo da igreja – o Aiatolá Ali Khamenei. Portanto, enfrentar o Irã, significa enfrentar a nação iraniana. Isso é muito diferente da posição exercida no Iraque por Saddan Hussein, um tirano sanguinário e opressor.
Além de, praticamente, todos os países terem condenado o ataque americano – apenas Israel e o Brasil apoiaram – o Irã tem a Rússia e a China ao seu lado; ele não está sozinho.
A Rússia apoiou o país muçulmano desde as primeiras horas que seguiram ao ataque e continua firme em sua posição. Eventuais bombardeios no Irã gerariam resposta, e os americanos não querem isso.
Se, por um lado, a guerra está descartada, por outro, a dificuldade será conseguir controlar a ira iraniana com a morte de seu herói nacional, por um ataque terrorista.
Na prática, ao assassinar Qasem Soleimani, Trump jogou combustível na “fogueira” do terrorismo, cujas consequências são imprevisíveis.
Israel apoia a ação americana por questões óbvias relacionadas aos seus interesses, e ele quer continuar sobrepondo aos seus vizinhos. Mas, o apoio brasileiro foi mal dimensionado. Se o governo brasileiro tivesse noção de onde ele está se metendo, ele teria ficado neutro ou condenado.
Possivelmente vai haver uma escalada do terrorismo, e o Brasil, cuja tradição é de neutralidade em questões internacionais, se tornou alvo de ataques. O País pode ser arrastado para uma confusão que não é sua. Se embaixadas brasileiras começarem a sofrer atentados, não será nenhuma surpresa.
* O autor é economista, professor, jornalista, escritor e editor-chefe do Correio9
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