Elias de Lemos (Correio9)
“Em 1998, Moro e Gisele Lemke, uma juíza federal amiga dele, passaram um mês em um program especial na Escola de Direito de Harvard. Em 2007, Moro participou de um curso de três semanas para potenciais líderes, patrocinado pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos da América”.
A frase acima foi publicada em uma matéria sobre o juiz Sérgio Moro pelo jornal norte-americano Washington Post, de 23 de dezembro de 2015.
O termo Lawfare, (“Lawfare” que se pronuncia “lofér”, com “o” aberto) é a junção de outras duas palavras inglesas law, que é lei (e se pronuncia “ló”), e warfare, que significa arma de guerra (e se pronuncia “uorfér”, com “o” aberto). Lawfare foi um termo criado para definir o uso da lei como uma arma de guerra.
Em seu sentido genérico, a palavra exprime o uso da lei com intenções calculadas antecipadamente, travestida de legalidade, mas com objetivo implícito de conquistar a opinião pública, para ter o apoio necessário à neutralização ou destruição do inimigo em questão.
Há muito tempo as leis e os procedimentos jurídicos vêm sendo utilizados de acordo com interesses específicos, deturpando a aplicação da justiça em diversos lugares do mundo para promover verdadeiras perseguições contra indivíduos ou grupos de pessoas — organizados sob as mais diversas formas (grupos políticos, grupos empresariais, grupos temáticos e até mesmo países).
Em 2001 o general aposentado da Força Aérea norte-americana, Charles Dunlap escreveu um artigo no qual usou pela primeira vez o termo lawfare para designar esse fenômeno sob o enfoque militar. Segundo ele, o lawfare constitui “a estratégia de utilizar ou mal utilizar a lei em substituição aos meios militares tradicionais para se alcançar um objetivo operacional”.
No trabalho ele apresentou os Estados Unidos (EUA) como uma vítima de lawfare. No entanto para quem acompanha, especialmente, a política externa americana afirma o contrário: longe de ser vítima, os EUA são praticantes contumazes do lawfare em todo o mundo.
O assunto tem sido, amplamente, debatido por especialistas das universidades de Harvard (nos EUA) e Oxford (na Inglaterra). Eles têm apresentado estudos que apontam a forma como o lawfare se constrói e cresce. De acordo com os estudos, ele se alimenta e se consolida a partir da combinação de três dimensões: 1ª) a escolha da lei; 2ª) a escolha da jurisdição; e 3ª) as externalidades. As duas primeiras constituem o plano inicial, a arquitetura do uso da lei, para atingir os fins definidos.
A terceira diz respeito à influência que elementos externos podem exercer sobre o projeto. Ela se trata do papel que os meios de comunicação podem desempenhar, e de como eles podem favorecer à busca do objetivo. Para tanto, a estratégia envolve a promoção de operações para revolucionar as estruturas psicológicas.
Em outras palavras, com o uso de estratégias e meios, cuidadosamente, definidos, busca-se cooptar os meios de comunicação, a fim de estabelecer um ambiente que seja propício à prática do lawfare. E este ambiente é crido pelos meios de comunicação, a partir do momento em que eles ‘compram’ a ideia e passam a difundi-la, sem questionamentos.
O termo lawfare chegou ao Brasil através dos advogados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante uma coletiva de imprensa em outubro de 2016, pelos seus advogados.
Na ocasião, eles apresentaram estudos e propuseram esse termo para explicar que Lula estaria sendo alvo de uma perseguição política por parte de alguns membros do ‘sistema de justiça’, usando a lei e a jurisdição – e com o apoio da mídia – a fim de ‘destruir’ a imagem do ex-presidente, sem lhes darem nenhuma garantia constitucional de ‘presunção de inocência’.
O lawfare não se limita a objetivos militares — como foi afirmado originariamente por Charles Dunlap, ou, à perseguição política, como os advogados de Lula alegaram. A prática de lawfare com desígnios comerciais e até mesmo geopolíticos, também, já foi constatada.
Ná prática, o defensores de Lula acusam Moro e envolvidos na Lava Jato de usarem a lei para, através de ações inconsistentes e de pouca importância, tentarem deslegitimar e incapacitar Lula perante a opinião pública, que é exatamente o objetivo de Lawfare.
Seria esta a instrução passada ao juiz no curso do Departamento de Estado dos EUA?
A pesquisadora Susan Tiefenbrun, da Universidade da Califórnia, define lawfare como sendo: “uma arma projetada para destruir o inimigo através do uso, do mau uso e abuso do sistema legal e dos meios de comunicação, para levantar o clamor público contra aquele inimigo”.
A defesa de Lula faz várias acusações sobre a Lava Jato. São onze acusações:
1º) Manipulação do sistema legal, com aparência de legalidade, para fins políticos;
2º) Utilização de processos judiciais sem qualquer mérito;
3º) Abuso do direito para danificar e deslegitimar um adversário;
4º) Promoção de ações judiciais para descredibilizar o oponente;
5º) Tentativa de influenciar opinião pública: utilização da lei para obter publicidade negativa;
6º) Judicialização da política: a lei como instrumento para conectar meios e fins políticos;
7º) Promoção de desilusão popular;
8º) Crítica àqueles que usam o direito internacional e os processos judiciais para fazer reivindicações contra o Estado;
9º) Utilização do direito como forma de constranger e punir o adversário;
10º) Bloqueio e retaliação das tentativas dos atores políticos de fazer uso de procedimentos disponíveis e normas legais para defender seus direitos;
11º) Acusação das ações dos inimigos como imorais e ilegais, com o fim de frustrar objetivos contrários.
Ao aceitar o cargo de ministro da justiça, o ex-juiz Sérgio Moro pode ter tomado uma decisão errada, e que poderá custar toda a sua reputação, edificada até aqui. Ele não é mais juiz, portanto, não tem soberania, e vai ficar subordinado a políticos. Como juiz, suas convicções e suas decisões não precisavam de apoio ou autorização. Mas, a partir do momento em que entrou na política, ele vai ter que negociar com políticos. E aí, ‘o buraco é mais embaixo’.
* O autor é economista, professor, jornalista e editor-chefe do Jornal Correio9
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