Billy Baldo (Correio9)
O mês de julho começou com mais uma morte no trânsito em Nova Venécia. Desta vez, a vítima é um idoso de 78 anos, José Pedro Bom, que foi atropelado por um veículo no fim da tarde desta segunda-feira (1º) no Bairro São Cristóvão.
Para os familiares, externo meus profundos sentimentos pela passagem do ente querido – (Isaías, 26:19): “Os teus mortos viverão; seus corpos ressuscitarão! Despertai e exultai, pois, vós os que retornaram ao pó; despertai e exultai com grande júbilo. O teu orvalho é orvalho de luz; a terra dará à luz os seus mortos!”
Após a fatalidade, o que se viu nos grupos de WhatsApp da cidade foi algo surpreendentemente abominável. Muitas pessoas compartilhando imagens do idoso – ainda estirado no asfalto – com manchas de sangue por todo lado.
As pessoas perderam a noção do bom senso. Postar desgraças nas redes sociais virou algo corriqueiro. Isso é uma prática mórbida, desumana, reflete a ausência de empatia com o próximo e, principalmente, é um desrespeito aos familiares.
Comumente a imprensa tradicional divulga os fatos e evita publicações que mostram detalhes dos corpos das vítimas, mas, certas pessoas chegam ao local de um acidente e costumam filmar e tirar fotos dos mortos, na ânsia de repassarem rapidamente as imagens para seus conhecidos, como se fossem ganhar um prêmio jornalístico por isso. Idiotice.
Quando alguém envia as imagens para algum grupo de mensagens instantâneas, muito rapidamente as fotos viralizam em outros grupos e, em pouco tempo, ‘invadem’ os celulares de uma cidade inteira.
Vale lembrar aos desavisados que esse tipo de postagem também pode configurar crime, pois ocorre o vilipêndio do cadáver, conforme determina o artigo 212 do Código Penal, com pena de multa e prisão. Então, a melhor coisa a ser feita é jamais compartilhar conteúdo do gênero.
Estamos vivendo tempos tenebrosos. Muitos acidentes de trânsito, homicídios, furtos, roubos ou atos de violência tomaram conta de uma ex-pacata Nova Venécia. Uns podem dizer que isso é o preço do progresso, inevitável com o crescimento da cidade nos últimos 40 anos. Eu digo que parece uma visão do inferno.
Sim, possuo uma enorme nostalgia pelos anos 80 e 90 nesta cidade. Logicamente que aconteciam acidentes, furtos, assassinatos, etc., porém, as ocorrências eram infinitamente menores. De noite, era possível dormir com janelas abertas (para evitar o calor). Atualmente, há locais que não me atrevo a passar nem de dia.
Naquela época, quando acontecia um acidente, alguém ligava para o nosso telefone fixo (ainda de discagem, analógico) para informar o acontecimento. Agora, o vídeo e as fotos de uma cabeça ensanguentada ou membros dilacerados chegam na palma da nossa mão, sem ao menos a gente pedir.
O jornal Correio9 costuma divulgar muitas reportagens sobre tragédias, mas buscamos, sempre, colocar sensibilidade nos textos e evitamos, a qualquer custo, divulgar imagens fortes. Se há um acidente automobilístico com vítimas fatais, vamos fotografar o cenário do local, do carro, da pista; mas nunca vamos mostrar corpos presos nas ferragens, por exemplo. Esse é o bom senso. Isso é o correto e o que deve ser feito.
Eu me lembro de uma pequena história que li quando criança chamada “O Sortilégio da Cabeça Sangrenta”. De forma sucinta, vou descrevê-la: Havia um fazendeiro com muitas posses e que buscava constantemente mais riqueza e poder. Então, ele fez um pacto com uma feiticeira (vendendo sua alma ao diabo) e, para que se tornasse mais rico, era necessário executar um ritual macabro – que ele aceitou. A feiticeira lhe pediu a cabeça de uma moça virgem, para, posteriormente, colocar a ‘oferenda morta’ numa bandeja para realizar a ‘magia negra’.
O homem, rude, mandou seu capataz para a cidade sequestrar uma moça em um convento de freiras. Depois de dois dias, e com todo o ritual já consumado, o fazendeiro vai até a feiticeira para ver o resultado. Neste momento, ao levantar o pano, ele tem a pior surpresa da sua vida. A cabeça decapitada na bandeja era da sua única filha, que acabara de entrar para o convento e ainda não havia informado aos pais. O homem chorou de dor, tristeza e remorso.
Tudo bem, é uma história insana mas que combina com uma cidade insana e um país insano. É somente para despertar no coração e na alma que o que fazemos de errado em algum momento pode retornar para nós mesmos.
Espero, oro, para que nenhum leitor que compartilha pessoas mortas receba futuramente imagens do seu avô, do seu pai, da sua mãe, dos seus irmãos, filhos, tios, amigos, estampadas nas telas de um celular. Até quando a dor alheia será atração? Vamos respeitar o próximo.
* O autor é diretor-geral do Jornal Correio9
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